Helio Telho Corrêa Filho

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Dentre as dez medidas <a href="#_edn1" name="_ednref1">[i]</a> contra a corrupção e a impunidade propostas pelo Ministério Público Federal, destaca-se o anteprojeto de lei <a href="#_edn2" name="_ednref2">[ii]</a> que busca a valorização do habeas corpus.
O habeas corpus é garantia constitucional fundamental cabível “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder <a href="#_edn3" name="_ednref3">[iii]</a>”. Trata-se, portanto, de remédio idealizado para evitar que alguém seja levado a prisão ou nela mantido fora das hipóteses legais.
Nada obstante, o habeas corpus vem sendo banalizado de tal forma, que já serviu até para preservar o direito à imagem do acusado (STJ, 6.ª Turma, HC 88.448/DF, rel. Og Fernandes, j. em 6/5/2010), anular ordem de sequestro de bens (STJ, 6.ª Turma, REsp 865.163/CE, rel. Og Fernandes, j. 2/6/2011; STF, 1.ª Turma, HC 105.905/MS, rel. Marco Aurélio, j. 11/10/2011); para assegurar direito de visitar preso (STF, 2.ª Turma, HC 107.701/RS, rel. Gilmar Mendes, j. 13/9/2011); obter rescisão indireta de contrato de trabalho (TST, HC 3981-95.2012.5.00.0000, rel. Caputo Bastos, j. em 26/4/2012); assegurar direito a visita íntima (TRF/1.ª Região, 3.ª Turma, HC 53.885-41.2012.4.01.000/GO, j. Em 17/9/2012) e liberar dinheiro apreendido (STJ, 5.ª Turma, HC 293.052/SP).
A banalização desvaloriza o habeas corpus, o que enfraquece a defesa da liberdade ilegal ou abusivamente ameaçada ou restringida. Cumpre que o habeas corpus seja trazido de volta à sua trilha constitucional, reservando-o aos elevados fins para que foi concebido.
Na ação de habeas corpus não é garantido contraditório. O órgão do Ministério Público que atua na instância de origem do caso (o promotor natural) não é intimado para contestar o pedido da defesa ou produzir provas. Aliás, as únicas provas que comumente são juntadas a autos de habeas corpus são aquelas selecionadas à la carte pela defesa, que, evidentemente, só apresenta o que acode o interesse do réu. O representante do Ministério Público que emite parecer no habeas corpus tem assento no tribunal ad quem e não perante o juízo a quo; por isso, só conhece do caso o que consta dos autos do habeas corpus, isto é, aquilo que a defesa unilateralmente quis que fosse conhecido.
Com esse quadro desfavorável ao autor, pintado exclusivamente com o pincel do defensor, não é raro que ordens de habeas corpus sejam concedidas para anular ou trancar ação penal, excluir provas supostamente ilícitas, sem que o encarregado da acusação tenha tido oportunidade de exercer o contraditório e demonstrar equívocos da pretensão da defesa.
No sistema acusatório, o promotor natural, dominus litis, é o encarregado da acusação estatal e tem o ônus da provar a culpa do acusado. Portanto, deve sempre ser ouvido antes de o tribunal julgar habeas corpus que ataque a higidez do processo ou coloque em risco o exercício próprio exercício da ação penal.
Concessão de medida liminar em habeas corpus deve se limitar a evitar prisão ilegal ou a restituir liberdade indevidamente cerceada. Qualquer outra matéria que venha a ser admitida à discussão em processo de habeas corpus deve ser tomada por decisão colegiada, após regular contraditório, com o que se assegura maior probabilidade de acerto.
Deferimento de ordem de habeas corpus de ofício também deve ser medida excepcionalíssima. A jurisdição é, por natureza, inerte. A decisão judicial deve ser, sempre, construída a partir de provocação da parte e, via de regra, após contraditório e não proferida de surpresa, a partir de fatos e fundamentos que as partes não tiveram sequer oportunidade de alegar ou de contraditar, sob pena de ofensa às garantias constitucionais do devido processo legal e do contraditório.
Habeas corpus são decididos, via de regra, sem inclusão em pauta (apenas com apresentação em mesa), de sorte que o Ministério Público somente toma conhecimento de que o caso será decidido quando este é chamado a julgamento. Assim, na maioria das vezes, o representante do Ministério Público que tomou assento na sessão não conhece o caso (não foi ele quem emitiu o parecer escrito) e nem teve oportunidade de se preparar para fazer sustentação oral. O advogado de defesa, ao contrário, se o requerer, deve ser comunicado pelo relator, com antecedência, da data em que o caso será julgado (sob pena de nulidade). A disparidade de armas é gritante. O interesse público na punição dos possíveis culpados é absolutamente amesquinhado.
Atualmente, casos gravíssimos e de enorme repercussão, que se originaram de grandes e dispendiosas operações policiais, ficam à mercê de total invalidação e arquivamento por decisão em habeas corpus, no qual o titular da ação penal não teve assegurado o direito de exercer o contraditório nem de apresentar provas e, ainda por cima, foi surpreendido com o caso sendo levado a mesa de julgamento sem nem mesmo simples aviso prévio.
Pode-se atribuir a esse quadro de fragilidade da posição do titular da ação penal no processo de habeas corpus a principal causa das anulações de grandes casos de repercussão nos últimos anos.
Se habeas corpus vier a ser concedido por nulidade do processo, deve-se renovar apenas o ato anulado e os que diretamente dele dependam, aproveitando-se os demais e facultando às partes ratificar ou aditar suas manifestações.
Trata-se de providência destinada a evitar anulação e repetição desnecessária de atos validamente praticados no processo penal.
O processo penal custa muito tempo e dinheiro, público e privado, e nosso país é pobre. Não podemos nos dar o luxo de anular atos processuais apenas por anular, ainda quando possível aproveitá-los sem malferimento a garantia constitucional ou legal.
Devem-se, ainda, impedir as declarações de nulidade por atacado. A importação da tese criada pelo direito norte-americano conhecida como “frutos da árvore envenenada”, segundo a qual a prova derivada de outra reputada ilícita carrega consigo a mácula da ilicitude original, sofreu mutações genéticas na práxis brasileira, de sorte que, não raro, veem-se decisões judiciais anulando de cambulhada, por atacado, atos processuais e provas obtidas posteriormente, pelo simples fato de cronologicamente terem sido praticados ou colhidas após o ato reputado nulo, quando, na verdade, apenas o que tenha de fato relação de dependência ou consequência é que traz a mácula.
O juiz ou tribunal que pronunciar a nulidade deve declarar os atos a que ela se estende, demonstrando expressa e individualizadamente a relação de dependência ou de consequência, evitando a generalização fácil, porém injusta e atentatória ao interesse público, e ordenando as providências necessárias para sua retificação ou renovação.
Como se viu, a proposta de reforma das regras do habeas corpus não restringe o conteúdo da garantia nos moldes em que se encontra constitucionalmente assegurada. Ao contrário, o que se busca é valorizá-lo. 
Nas palavras do ministro Marco Aurélio Bellizze: "Na intenção de proteger o cidadão, foi ampliando, aos poucos, o cabimento do habeas corpus, a fim de salvaguardar direitos que apenas indiretamente poderiam refletir na liberdade de locomoção (…) No entanto, parece-me que se foi além da meta – proteção do direito fundamental à liberdade de locomoção –, quem sabe se não se tomou a nuvem por Juno; passou-se a admitir, fora das hipóteses de cabimento previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal, a impetração de habeas corpus como meio ordinário de impugnação, ainda que ausente ameaça concreta e imediata ao direito de ir, ficar e vir, inviabilizando, consequentemente, a proteção judicial efetiva, tendo em vista que a duração indefinida do processo compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana.” <a href="#_edn4" name="_ednref4">[iv]</a>
A vulgarização é que o desvaloriza, até porque tem como efeito colateral a formação de jurisprudência defensiva, que ergue obstáculos jurisprudenciais ilegítimos ao exercício legítimo desta garantia, além de congestionar as mesas dos tribunais com casos em que não se discute efetivamente a liberdade de ir e vir, os quais usurpam a pauta dos casos que deveriam receber a tutela da Corte.
Portanto, restringir o uso do habeas corpus, limitando-o exclusivamente à sua finalidade constitucional, é forma de tornar mais efetiva a tutela da liberdade de ir e vir contra ilegalidade e abuso de poder.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Foi promotor de Justiça em Goiás e no Distrito Federal e Procurador Regional Eleitoral em Goiás, é Procurador da República desde 1996.
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[i] </a>Saiba mais em www.10medidas.mpf.mp.br
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[ii] </a>Esse o texto proposto:
“Os arts. 620, 647, 652 e 664 do Código de Processo Penal passam a vigorar com as seguintes redações:
“Art. 620. [...]
§ 3º A decisão em face da qual já foram opostos embargos de declaração não poderá ser objeto de novos embargos.
§ 4º Quando os embargos de declaração forem manifestamente protelatórios, o Relator ou o Tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários-mínimos.
§ 5º Caso sejam opostos novos embargos protelatórios no curso do mesmo processo, a multa será elevada em até 10 (dez) vezes, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo.” (NR)
“Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal que prejudique diretamente sua liberdade atual de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.
§ 1º A ordem de habeas corpus não será concedida:
I – de ofício, salvo quando for impetrado para evitar prisão manifestamente ilegal e implicar a soltura imediata do paciente; 
 II – em caráter liminar, salvo quando for impetrado para evitar prisão manifestamente ilegal e implicar a soltura imediata do paciente e ainda houver sido trasladado o inteiro teor dos autos ou este houver subido por empréstimo;
III – com supressão de instância;
IV – sem prévia requisição de informações ao promotor natural da instância de origem da ação penal, salvo quando for impetrado para evitar prisão manifestamente ilegal e implicar a soltura imediata do paciente;
V – para discutir nulidade, trancar investigação ou processo criminal em curso, salvo se o paciente estiver preso ou na iminência de o ser e o reconhecimento da nulidade ou da ilegalidade da decisão que deu causa à instauração de investigação ou de processo criminal tenha efeito direto e imediato no direito de ir e vir.
§ 2º O habeas corpus não poderá ser utilizado como sucedâneo de recurso, previsto ou não na lei processual penal.” (NR)
“Art. 652. Se o habeas corpus for concedido em virtude da decretação da nulidade de ato processual, renovar-se-ão apenas o ato anulado e os que diretamente dele dependam, aproveitando-se os demais.
Parágrafo único. No caso previsto no caput:
I – facultar-se-á às partes ratificar ou aditar suas manifestações posteriores ao ato cuja nulidade tenha sido decretada;
II – o juiz ou tribunal que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende, demonstrando expressa e individualizadamente a relação de dependência ou consequência e ordenando as providências necessárias para sua retificação ou renovação.” (NR)
“Art. 664. Recebidas as informações, ou dispensadas, o habeas corpus será julgado na primeira sessão, podendo, entretanto, adiar-se o julgamento para a sessão seguinte.
§1º O Ministério Público e o impetrante serão previamente intimados, por meio idôneo, sobre a data de julgamento do habeas corpus.
§ 2º A decisão será tomada por maioria de votos. Havendo empate, se o presidente não tiver tomado parte na votação, proferirá voto de desempate; caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente.” (NR)
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[iii]</a>    Constituição, art. 5º, LXVIII
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[iv]</a>   STJ - HC 216.882/DF

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JOTA

A banalização desvaloriza o habeas corpus e enfraquece a defesa da liberdade 

Pelo MP: A valorização do habeas corpus

A banalização desvaloriza o habeas corpus e enfraquece a defesa da liberdade