Ronaldo Cramer

Recentemente, em solidariedade às vítimas do atentado terrorista à sede do jornal humorístico Charlie Hebdo, surgiu o movimento #jesuischarlie. Creio que não foi a primeira vez que, como forma de homenagem, as pessoas disseram que eram alguém ou algo.
Lembro que no filme Spartacus, dirigido por Stanley Kubrick em 1960, há uma cena antológica, na qual os soldados romanos ameaçam os escravos, dizendo que todos seriam mortos, se alguém não dedurasse quem entre eles era Spartacus. O famoso personagem de Kirk Douglas levanta-se para se entregar e, surpreendido, vê cada um dos escravos afirmar ao centurião romano: “eu sou Spartacus” (veja <a href=" https://www.youtube.com/watch?v=drxeH6_8QCs&amp;noredirect=1">essa cena</a>).
Faço essa introdução para, em nome de muitos, bradar: nós somos o novo CPC, ou melhor, #nóssomosonovocpc (com hashtag).
Como todos sabem, o novo CPC foi aprovado pelo Congresso em 17 de dezembro do ano passado, depois de 5 anos de tramitação. O novo Código não foi remetido à sanção presidencial, pois sua redação final ainda está sendo confeccionada pelo Senado.
Honestamente, pensei que, depois de todos esses anos de intensas discussões, nas quais todos tiveram oportunidade de propor e defender suas posições, a disputa em torno do novo CPC havia terminado. Engano meu.
Mal se encerrou a histórica sessão do Senado de 17 de dezembro de 2014, já surgiram críticas severas ao novo Código, inclusive pedidos de veto de alguns de seus dispositivos.
Não desconheço que existem - e sempre existirão - os misoneístas, isto é, aqueles que a priori são avessos a qualquer tipo de mudança. Desses não cuidarei. Refiro-me, por óbvio, às críticas racionais.
Tentarei, nas brevíssimas linhas desta coluna, expor o que penso sobre cada uma das principais censuras.
Antes de tudo, preciso reiterar que o novo CPC se faz necessário por 3 razões principais: (a) consolidar e melhor acomodar todas as reformas feitas no Código revogado, sobretudo as três grandes reformas (1994/1995, 2001/2002 e 2005/2006); (b) harmonizar as normas processuais com a Constituição Federal, prestigiando os postulados do pós-positivismo, sobretudo a força normativa dos princípios; e (c) representar o novo pensamento processual, que procura ver as normas processuais a partir das lentes da Constituição, principalmente dos princípios constitucionais, e se preocupa com a consequência prática das soluções processuais, valorizando aquelas que dão certo na praxe forense.
Para a minha surpresa, ainda há quem diga que o novo Código não teve uma tramitação democrática, que houve pouca oportunidade para debate e pouco tempo para reflexão sobre o projeto.
Discordo com veemência. Não conheço projeto de lei que tenha tido uma gestação mais participativa do que o novo CPC. Desde a Comissão do Anteprojeto até a votação final no Senado, ocorreram várias audiências públicas e reuniões, para ouvir e debater propostas.
Obviamente, não foi possível acolher todas as sugestões no novo Código. Algumas boas foram descartadas, outras não tão boas aceitas. Mas isso é do jogo democrático, e não se deve confundir esse fato com a ausência de debate.
Existem aqueles que torcem o nariz para o novo CPC, generalizando a crítica para todo o texto, porque um ou outro dispositivo não seria bom.
O texto do novo Código pode conter algumas escolhas questionáveis, o que, a meu ver, é a demonstração de que a nova lei provém do bom debate democrático, do qual puderam participar todas as correntes de pensamento e todos os interesses legítimos. Se atendesse apenas a um tipo de corrente ou interesse, o novo CPC não seria uma lei plural, como convém à democracia, mas imposta.
De qualquer maneira, bem se sabe que o desacerto de determinado dispositivo não significa que a norma dele decorrente seja ruim. Caberá à doutrina convencionar a interpretação que dê o melhor rendimento ao texto legal.
Falam alguns que o novo Código é elitista, porquanto abriga teses acadêmicas, em vez de prever soluções práticas, de fácil aplicação pelo profissional do Direito.
Não é verdade. Talvez essa crítica relacione-se com o fato de que o novo CPC prevê muitos institutos novos, que não encontram correspondentes em nossas paragens. Efetivamente, o novo Código não constitui uma mera atualização jurisprudencial do Código de 1973. Mais que isso, tenta buscar soluções diferentes e inovadoras para os problemas do sistema de Justiça.
De toda sorte, eis aqui uma advertência para nós, processualistas. As novas normas devem ser apresentadas com linguagem acessível a todos aqueles que militam nos fóruns. O melhor dos novos institutos não terá nenhuma utilidade se não for assimilado pelo profissional do Direito. A norma processual deve ser forjada para dar certo na prática.
A última crítica refere-se ao fato de que o novo CPC não resolverá todos os problemas do Judiciário brasileiro.
Com efeito, não resolverá. Mas ninguém disse que ia. O Código de Processo Civil constitui uma peça muito importante na engrenagem do sistema de Justiça, mas não é única.
Ainda assim, o Código pode colaborar para melhorar o sistema. E o novo CPC tem essa aptidão. Alguém duvida que a sucumbência recursal poderá diminuir o número de recursos protelatórios? Que o incidente de resolução de demandas repetitivas poderá reduzir a incidência de ações que reproduzem a mesma tese jurídica? Que os precedentes vinculantes poderão inibir a entrada de ações ou recursos que contrariem a jurisprudência dos tribunais superiores? E por aí vai.
Em defesa da sanção integral do novo CPC, processualistas de diversos cantos do país assinaram um manifesto que será encaminhado à Presidência da República. Veja-se um trecho desse documento:
“O texto do novo CPC pode conter uma ou outra escolha da qual se possa discordar, mas é, sem dúvida nenhuma, fruto do intenso e participativo debate que se deu em torno do Projeto. Não é desconhecido que a construção de consensos ou maiorias em qualquer ambiente democrático constitui uma tarefa árdua, mas seus resultados têm legitimidade e são duradouros”.
Por todas essas razões, e outras que não cabem no espaço deste artigo, aposto no novo CPC.

Balance

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Advogados preparam manifesto para Dilma Rousseff

Pela ordem: #nóssomosonovocpc

Advogados preparam manifesto para Dilma Rousseff