Luiz Henrique Volpe Camargo

Neste meu primeiro texto para a coluna “Pela Ordem” do JOTA, que passo a dividir com os amigos Ronaldo Cramer e Alexandre Freire, quero abordar questão de alta relevância que tem dividido a opinião de alguns juristas: qual é a data de início da vigência do CPC/2015?
Há quem defenda que o novo Código começa a vigorar em 16-03-2016 (quarta-feira)[1], há outros que sustentam que começa a viger em 18-03-2016 (sexta-feira)[2].
O estudo pressupõe ter conhecimento de que a Lei Federal 13.105/2015 foi publicada no Diário Oficial do dia 17-03-2015 e que seu art. 1.045 estabelece o seguinte: “Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial.”
Quem diz que o Código começa a vigorar no dia 16-03-2016, inclusive, parte do pressuposto de que a contagem deve ser realizada em dias. A partir de tal critério, o lapso temporal se encerraria em 15-03-2016 e o dia seguinte, 16-03-2016, seria o primeiro dia de vigência. Embora, realmente, a Lei Complementar n.º 95, de 1998, diga que o prazo de vacatio legis deva ser fixado em dias, é fato que o art. 1.045 do CPC/2015 adotou critério diferente, já que definiu o prazo de 1 (um)ano. Em consequência, se o prazo foi fixado em ano ele deve ser contado em ano[3] – e não em dias. Esta é, pois, a razão fundamental de nossa respeitosa discordância quanto ao resultado alcançado por esta corrente.
Quem, por outro lado, sustenta que o Código começa a vigorar no dia 18-03-2016, inclusive, se funda na literalidade do art. 1º da Lei n.º 810, de 1949, que considera “ano o período de doze meses contado do dia do início ao dia emês correspondente e do ano seguinte”. Para esta corrente, a conta é simples: como a Lei Federal 13.105/2015 foi publicada no Diário Oficial do dia 17-03-2015, o intervalo de um ano se encerra no mesmo dia, do mesmo mês, do ano seguinte, ou seja, em 17-03-2016, de sorte que o dia “após” esse, qual seja, 18-03-2016, seria o primeiro dia de vigência. Com o máximo respeito, também discordamos desta conclusão.
O propósito deste ensaio é demonstrar as razões de dissenso em relação a posição de tais autores quanto a aplicação do art. 1º da Lei n.º 810, de 1949, e do § 3º do art. 132 do Código Civil de 2002 para contagem da vacatio legis.
O ponto de partida de nosso raciocínio é o calendário comum. Parece não existir qualquer divergência quanto ao fato de que o ano começa no dia 1º de janeiro e encerra-se no dia 31 de dezembro, afinal, a virada do ano é motivo de celebração universal em quase todos os cantos do planeta. Essa premissa comprova que o período de um ano, que medeia entre o termo inicial (1º de janeiro) e o termo final (31 de dezembro), se encerra na véspera do mesmo dia (1º de janeiro) no ano seguinte[4].
Acontece que a interpretação isolada do art. 1º da Lei n.º 810, de 1949[5], acima transcrito, nos sugere resposta diferente, pois, indica que o período de um ano, iniciado em 1º de janeiro se encerraria em 1º de janeiro do ano seguinte, porque este é o mesmo “dia e mês correspondente” “do ano seguinte”.
A previsão do art. 1º da Lei n.º 810, de 1949, é idêntica à contida no § 3º do art. 132[6] do Código Civil de 2002, que diz que “os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar a exata correspondência”. A interpretação tão somente deste § 3º do art. 132 do Código Civil de 2002 igualmente levaria à conclusão de que, iniciado em 1º de janeiro, se encerraria em 1º de janeiro do ano seguinte, porque este seria o dia “de igual número do de início”.
A comparação entre o calendário comum – que demonstra que o período de um ano se encerra na véspera do mesmo dia, do mesmo mês, do ano seguinte – com as disposições do art. 1º da Lei n.º 810, de 1949, e do § 3º do art. 132 do Código Civil de 2002 – que dizem que o período de um ano se encerra no mesmo dia, do mesmo mês, do ano seguinte – despertam a seguinte dúvida: existiria, então, um calendário artificial, criado pela Lei n.º 810, de 1949 e referendado pelo § 3º do art. 132 do Código Civil de 2002, diverso do calendário comum?
A resposta é negativa.
E para compreender porque a resposta é negativa é preciso analisar o caput do art. 132 do Código Civil. Este dispositivo traz uma informação que é da mais alta relevância, qual seja, a de que essa forma de contagem deve importar na exclusão do dia do começo.
Por outras palavras, embora o §3º do art. 132 do Código Civil diga que há exata correspondência numérica entre o dia de início e o dia do encerramento do prazo no mesmo mês no ano seguinte, paradoxalmente, o caput do mesmo art. 132 diz que o dia do começo deve ser excluído da contagem. É autêntico caso de paradoxo legal, pois, sem dúvida, um dispositivo nega o outro. Esse é o ponto chave da questão.
É justamente esse paradoxo que demonstra que não existe calendário artificial criado por lei. Lidos e compreendidos de forma conjugada, os dispositivos acima citados não alteram o calendário comum.
Como o dia do começo deve ser excluído da contagem, na prática, o primeiro dia de efetiva contagem (inclusive) é dia de número diferente do dia do final.
Por exemplo: se, para negócios jurídicos em geral, o ponto inicial é o dia 31-12-2014 e o final é 31-12-2015, o calendário comum é respeitado porque o dia 31-12-2014 é excluído da contagem, de sorte que o primeiro dia de efetiva contagem (inclusive) é o dia 01-01-2015 e o último dia, quando se completa um ano, será o dia 31-12-2015.
E qual a relevância desta exposição sobre a inclusão ou exclusão do dia do começo?
A questão é que o § 1º do art. 8º da Lei Complementar n.º 95, de 1998[7], diz que “A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.”[8]
Como se vê, a Lei Complementar n.º 95, de 1998, que diretamente disciplina o termo inicial do prazo para a contagem da entrada em vigor de qualquer nova lei no Brasil, diz clara, expressa e contundentemente, que o dia da publicação tem de ser incluído na contagem.
Evidentemente que existe diferença no resultado final se há inclusão ou exclusão do dia da publicação na contagem.
Com efeito, se o dia de publicação da nova lei no Diário Oficial tem de ser incluído na contagem da vacatio legis, é inviável aplicar as disposições do art. 1º da Lei n.º 810, de 1949, e do § 3º do art. 132 do Código Civil de 2002[9], que, como visto, tem marco inicial diverso, pois pressupõem a exclusão do dia do começo. Esses dispositivos (art. 1º da Lei n.º 810, de 1949, e caput e § 3º do art. 132 do Código Civil de 2002) regulam a contagem de prazo para negócios jurídicos em geral e não se aplicam à contagem de prazo da vacatio legis, que tem disciplina própria e diferenciada (§ 1º do art. 8º da Lei Complementar n.º 95, de 1998)[10], que prevê a inclusão do dia da publicação no Diário Oficial.
Não existem, portanto, dois calendários, sendo um comum e outro artificial. O calendário é único, comum, universalmente conhecido. A diferença está no termo inicial, pois, como visto, enquanto para os negócios jurídicos em geral existe lei que diz que o dia do começo é excluído (art. 1º da Lei n.º 810, de 1949, e caput e § 3º do art. 132 do Código Civil de 2002), de outro lado, também como visto, para a contagem do período de vacância de nova lei existe disposição legal que diz que o dia da publicação no Diário Oficial é incluído (§ 1º do art. 8º da Lei Complementar n.º 95, de 1998).
Inquestionavelmente há distinção entre os termos iniciais (a depender da exclusão ou inclusão de um dia) que impacta no resultado final, de sorte que é impossível a convivência das duas regras – isto é, do art. 1º da Lei n.º 810, de 1949 com § 1º do art. 8º da Lei Complementar n.º 95, de 1998 –, já que aplicadas concomitantemente levariam ao equivocado resultado de que o intervalo de um ano tem, na prática, um ano e um dia.
A forma de contagem do prazo prevista no § 1º do art. 8º da Lei Complementar n.º 95, de 1998, é idêntica à forma de contagem prevista no art. 10 do Código Penal, que diz que “O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.”
Enfrentando a forma de contagem com a inclusão do dia do começo à luz do art. 10 do Código Penal, o Superior Tribunal de Justiça[11] já decidiu que o prazo tem “início em determinado dia e termina na véspera do mesmo dia do mês subsequente”. É a mesma lógica que deve ser aplicada na contagem do prazo com observância à regra do § 1º do art. 8º da Lei Complementar n.º 95, de 1998.
Pois bem, se a Lei Federal 13.105/2015 foi publicada no Diário Oficial do dia 17-03-2015 (dies a quo) e se este dia tem de ser incluído na contagem do prazo de um ano. Significa que o prazo de um ano se completa em 16-03-2016 (dies ad quem), já que este se completa na véspera do mesmo dia, do mesmo mês, do ano seguinte.
Comparando com o ano inteiro do calendário é como se o dia 17-03-2015 equivalesse ao dia 01-01-2015 e o dia 16-03-2016 correspondesse ao dia 31-12-2015.
Sucede disso tudo que se a consumação integral do prazo da vacância se dá no dia 16-03-2016 e se o art. 1.045 do CPC/2015 diz que o “Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”, é de se concluir que o primeiro dia de vigência do CPC/2015 será o dia 17-03-2016 (quinta-feira), inclusive.
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[1] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 991.
[2] CRAMER. Ronaldo. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 2.357; NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 2.233; MEDINA. José Miguel Garcia.Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 1.467; BERALDO. Leonardo de Faria. Comentários às inovações do Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 441; OLIVEIRA. Pedro Miranda. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1.551.
[3] As razões apresentadas por Fabiano Carvalho (<a href="http://justificando.com/2015/06/19/divergencia-doutrinaria-sobre-a-entrada-em-vigor-do-novo-cpc-e-propostas-de-solucao/">http://justificando.com/2015/06/19/divergencia-doutrinaria-sobre-a-entrada-em-vigor-do-novo-cpc-e-propostas-de-solucao/</a>, acesso em 06-10-2015) e, noutro texto, por Fredie Didier Jr, Leonardo Carneiro da Cunha e Ravi Peixoto (<a href="http://portalprocessual.com/sobre-o-inicio-da-vigencia-do-cpc2015/">http://portalprocessual.com/sobre-o-inicio-da-vigencia-do-cpc2015/</a> acesso em 06-10-2015) e, ainda, em outro texto, por Roberto Benghi Del Claro (<a href="http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/dinheiro-publico/quando-o-novo-codigo-de-processo-civil-entrara-em-vigor/">http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/dinheiro-publico/quando-o-novo-codigo-de-processo-civil-entrara-em-vigor/</a>, acesso em 06-10-2015), não deixam dúvida de que o prazo deve ser contado em ano – e não em dias.
[4] O mesmo acontece com a contagem do intervalo de um dia, uma semana ou um mês, pois: (a) o período de um mês se conta do dia 1º ao dia 30 e não até o dia 1º do mês seguinte; (b) o período de uma semana vai da segunda-feira ao domingo e não até a segunda-feira da semana seguinte; (c) o período de um dia vai das 00h00m de um dia até as 23h59m do mesmo dia e não até às 00h00m do dia seguinte.
[5] Art. 1º Considera-se ano o período de doze meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte.
[6] “Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento. ... § 3º Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.”
[7] Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão. § 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.    (Incluído pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001) § 2º As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial’ .    (Incluído pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001)
[8] Essa previsão decorre do fato de que leis de pequena repercussão podem começar a vigorar, quando assim definido no seu corpo, no dia da publicação, logo, invariavelmente este dia (da publicação no Diário Oficial) deve integrar o cômputo do prazo de novas leis que têm período de vacatio legis.
[9] “O prazo de vacatio legis deve ser computado de acordo com o que determina o §1º do art. 8º da Lei Complementar n.º 95/98. Assim, a contagem do prazo para a entrada em vigor das lei que estabelecem período de vacância far-se-á incluindo a data da publicação e o último dia do prazo, vindo a entrar em vigor no dia subsequente à consumação prazal. Afasta-se, pois, da regra geral do Direito Civil, expresso no art. 132 do Código Civil” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Parte geral e LINDB. 12 ed. Salvador: JusPodivm, 2014, p.127).
[10] “A eficácia da lei, isto é, seus efeitos plenos, só ocorrem com a entrada em vigor. Note que de conformidade com o art. 8º, §1º, da Lei Complementar n.º 95/98, acima transcrito, para a contagem do prazo de entrada em vigor, computa-se a data da publicação no órgão oficial e o último dia do prazo marcado. ... O Código Civil, contudo, apresenta uma diferenciação na contagem de prazo para negócios jurídicos. No direito material, de acordo com o art. 132 e seu §1º desse Código, computam-se os prazos, excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento. (VENOSA, Sílvio de Sávio. Direito Civil. Parte Geral. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 106). Conforme o aludido art. 8º, §1º, da Lei Complementar n. 95/98 a contagem do prazo para a entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacatio legis far-se-á com a inclusão da data da publicação no Diário Oficial e do último dia do prazo marcado, computando-se, assim, o dies a quo (termo inicial, dia a partir do qual) e o dies ad quem (termo final, dia do vencimento), entrando em vigor no dia subsequente à consumação integral do prazo da vacância. ... O art. 132, caput, e §1º, do Código Civil preveem que, salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento; se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil. Essas regras, todavia, dirigem-se aos negócios jurídicos (especialmente, ao cumprimento das obrigações) e não se aplicam à contagem de prazo para o início da vigência das leis, que se dará no próprio domingo, no dia feriado, se for o caso. (VELOSO, Zeno. Comentários à Lei de Introdução ao Código Civil. Belém: Unama, 2006, p. 21).
[11] REsp 116.041/BA, Rel. Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, j. em 22/09/1997, DJ 20/10/1997, p. 53144.

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JOTA

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