Luiz Fabricio Thaumaturgo Vergueiro

Beatriz Figueiredo Campos da Nóbrega

Segundo atribuição constitucional <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, cabe à União federal representar a República Federativa nas relações internacionais. Assim, também lhe cabe responder, prima facie, pelas obrigações assumidas por este sujeito de direito internacional perante a comunidade internacional e, com isto, pelas eventuais violações correspondentes.
De fato, em sendo o Estado brasileiro um Estado federativo, a responsabilidade de promover sua defesa em causas internacionais recai sobre a República Federativa, e não diretamente sobre suas entidades federativas. Trata-se de consequência direta da chamada cláusula federal prevista na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, a qual prevê que, em se tratando de um Estado-Parte constituído sob a forma de uma federação, “o governo nacional do aludido Estado-Parte cumprirá todas as disposições da presente Convenção” <a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, “de modo que um Estado não pode alegar sua estrutura federal para deixar de cumprir uma obrigação internacional” <a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. No mesmo sentido, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados prevê, em seus artigos 26 e 27, que os tratados em vigor obrigam às partes e devem ser cumpridos por elas com boa-fé, sendo inoponível aos demais contratantes norma de Direito interno.
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Assim, ao se submeter à supervisão internacional feita por entes independentes, como é o caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Estado brasileiro, representado pela União federal no âmbito internacional, sujeita-se aos seus julgamentos e ao dever de cumprir suas sentenças, independentemente das divisões funcionais que seu Direito Interno determina. Suas unidades federativas subnacionais — estados, municípios, Distrito Federal — ainda que responsáveis, segundo o esquema organizatório-funcional interno, pela causação do dano, não respondem diretamente. Ao menos não no plano internacional.
Com isto, a inserção do Brasil no Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), por exemplo, desafia estratégias diferentes da maioria dos países vizinhos na região, em virtude de seu modelo de organização federativa.
Trata-se de um sistema regional de proteção da paz, da segurança e da promoção do desenvolvimento econômico e social no continente americano estabelecido, de maneira uniforme, sob a Organização dos Estados Americanos (OEA) — cuja criação remonta à adoção da Carta de Bogotá, de 1948. Os principais objetivos da OEA são assegurar a paz no continente, por intermédio da solução pacífica de controvérsias e promover o bem-estar social dos povos do continente americano. Como alguns dos órgãos principais da OEA, tem-se a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
A primeira, com função de promover o respeito e a defesa dos direitos humanos, servir como órgão consultivo da Organização na matéria, bem assim fazer recomendações aos Estados para adoção de medidas que contribuam para a proteção dos direitos humanos nos países do Continente; enquanto a Corte, Tribunal regional de proteção de direitos humanos, julga casos contenciosos apresentados em face dos Estados <a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, além de supervisionar a aplicação das sentenças e outorgar medidas cautelares., com competência a tomar decisões vinculantes sobre controvérsias em direitos humanos, de maneira complementar aos sistemas nacionais de proteção. Esta Corte tem, ainda, uma função consultiva. Ambos os órgãos são previstos na CADH <a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Ocorre que, apesar de submetidos a este mesmo sistema de proteção interamericano de direitos humanos, nem todos os Estados subscritores da CADH que reconheceram a jurisdição contenciosa da Corte apresentam estruturas organizacionais de Estado semelhantes. Dentre os que reconheceram esta jurisdição, somente três são Estados Federais: Argentina, México e Brasil <a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
A diferença de modelo organizacional implica que, enquanto Estados Unitários (como é o caso de Chile e Colômbia) respondem diretamente, pelo governo central, por violações que suas autoridades judiciárias, policiais, fiscais, sanitárias, etc., eventualmente pratiquem contra os respectivos cidadãos; a República Federativa do Brasil pode responder por abusos cometidos por suas próprias instituições, mas também por prejuízos causados pelas autoridades dos seus entes subnacionais autônomos — unidades federativas que, em nosso país, chamamos de autoridades estaduais, municipais ou distritais.
Tais peculiaridades determinam estratégias de defesa diversas: afinal, em causas internacionais que envolvam competências das unidades subnacionais, para que a defesa seja acurada, assertiva e bem contextualizada, é preciso que os representantes da União atuem proximamente aos respectivos representantes estaduais – acessando suas legislações locais, conhecendo suas políticas públicas, compartilhando o histórico de atuação das autoridades locais no caso em questão. Para dar cumprimento as sentenças emanadas destes julgamentos internacionais, da mesma forma.
Se sob o Direito interno, a obrigação internacional se converte em obrigação da União, como mencionado acima, aos agentes e instituições também vinculados à União caberá promover a respectiva defesa jurídica do Estado brasileiro.
Neste contexto, um ator relativamente pouco conhecido na atividade de cooperação jurídica internacional, mas de grande relevância para o funcionamento de variadas fases desta atividade de Estado, é a Advocacia-Geral da União (AGU). Como corolário da competência da União para manter as relações internacionais no cenário do constitucionalismo federativo brasileiro, e da vedação constitucional ao Ministério Público para a assunção de funções de representação das pessoas jurídicas de Direito Público, incumbe simultaneamente à AGU a defesa do Brasil no exterior, e os atos domésticos de cooperação que viabilizem o cumprimento das obrigações do país.
Para fazê-lo, no cotidiano do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, é constantemente necessária a presença da AGU em foros que, numa primeira leitura, lhe pareceriam estranhos, como é o caso do acesso e eventual intervenção perante feitos criminais na Justiças estaduais.
Ocorre que a própria dimensão continental de nosso país importa dificuldades no trato entre as instituições e autoridades federais incumbidas da representação do Brasil. Para tanto, a cooperação interfederativa se torna essencial.
O Sistema Único de Procuradorias Pública (SUPP) <a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> surge no intento de aprimorar e facilitar este fluxo cooperativo. Referido sistema, que tem no vértice a AGU, engloba procuradorias-gerais estaduais e de alguns municípios, objetivando intercâmbio de informações e experiências, inclusive por meio de soluções de tecnologia de informação e comunicações oferecidas gratuitamente aos entes que aderem, sempre de forma voluntária. A Rede SIDH <a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a> tem atribuição afim: trata-se de um canal estabelecido entre Procuradorias estaduais e AGU, voltado a promover e agilizar o dialogo interinstitucional entre estes órgãos, para com isto aprimorar a atuação do Brasil perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
Portanto, a defesa do Estado brasileiro em face de causas apresentadas perante o SIDH apresenta desafios bastante distintos quando comparado aos países vizinhos que não fazem a mesma diferenciação entre nacionais e locais. Isto por vezes passa desapercebido, ou se mostra incompreensível aos estudiosos do tema, induzindo a equívocos por parte de estudantes ou profissionais brasileiros que iniciam os estudos do assunto com base em material de proveniência estrangeira. Torna-se por vezes objeto até mesmo de comentários por autores europeus que, também atuando em Estados unitários daquele continente, carecem de elementos conceituais para o completo entendimento das peculiaridades que compõem o Estado em causa. Com isto, recomenda-se levar em conta as peculiaridades que uma organização federativa importa, em controvérsias internacionais, na defesa jurídica do Estado como um todo.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Constituição Federal artigo 21. Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais;
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>CADH, artigo 28. Cláusula federal 1. Quando se tratar de um Estado Parte constituído como Estado federal, o governo nacional do aludido Estado Parte cumprirá todas as disposições da presente Convenção, relacionadas com as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial.   2. No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à competência das entidades componentes da federação, o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas pertinente, em conformidade com sua constituição e suas leis, a fim de que as autoridades competentes das referidas entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta Convenção.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>Corte IDH. Caso Garibaldi vs. Brasil. Exceções preliminares, mérito, reparações e custas. Sentença de 23-9-2009.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> e Corte IDH. Caso Escher e outros vs. Brasil. Exceções preliminares, mérito, reparações e custas. Sentença de DE 6 DE JULHO DE 2009.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a>Isto depende, naturalmente, do reconhecimento de sua competência pelo Estado em causa.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> CADH, Capítulo VI - ÓRGÃOS COMPETENTES Artigo 33 - São competentes para conhecer de assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados-partes nesta Convenção: a) a omissão Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada a Comissão; e b) a Corte Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada a Corte
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Importa lembrar que, embora membros da OEA, nem o Canadá nem os EUA (dois Estados Federais), são partes da Convenção – ainda que submetidos às funções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a>Vide: <a href="https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-celebra-15-novos-ingressos-ao-sistema-unico-de-procuradorias">https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-celebra-15-novos-ingressos-ao-sistema-unico-de-procuradorias</a>
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Vide: <a href="https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-promove-encontro-da-rede-de-advocacias-publicas--709410">https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-promove-encontro-da-rede-de-advocacias-publicas--709410</a>

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JOTA

A defesa jurídica internacional sob um Estado Federativo

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