Juliano Zorzi

Patriccia Cendaroglo Maestra

No último dia 22 de fevereiro, a Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno a <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=508965">PEC 39/2011</a>, que propõe a extinção do instituto do terreno de marinha (e acrescidos) e estabelece os procedimentos para alienação dos respectivos imóveis pela União. A Proposta de Emenda à Constituição aguarda agora apreciação pelo Senado Federal para posterior votação em dois turnos. A aprovação final dependerá da obtenção de três quintos dos votos dos senadores, ou seja, 49 membros do Senado.
Os terrenos de marinha e acrescidos compreendem os imóveis localizados na faixa de 33 metros a contar da linha do preamar médio de 1831 (média de alcance das marés altas, apurada em 1831) e das margens dos rios e lagoas que sofram influência de marés. Desde a Constituição Federal de 1891 — que transferiu a maior parte das terras da União aos estados —, a propriedade dos terrenos de marinha permanece reservada como propriedade da União, sob o argumento de serem considerados imprescindíveis à defesa nacional.
Os terrenos de marinha podem ser utilizados por particulares sob o regime de: (i) aforamento, contrato por meio do qual o ocupante adquire o “domínio útil” do bem, mediante o pagamento de um valor correspondente a 83% do valor atribuído ao imóvel pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e uma taxa anual (foro) equivalente a 0,6% sobre igual base; ou (ii) ocupação, mediante o pagamento de uma taxa anual (taxa de ocupação) equivalente a 2% do valor atribuído ao imóvel pela SPU. O regime de ocupação é precário, assim, em princípio, podendo ser revogado a qualquer momento pela União.
Além das taxas referidas acima, atualmente é cobrada uma taxa adicional de 5% (<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/laudemio-imposto-principe-petropolis-02032022">laudêmio</a>) sobre o valor atribuído ao imóvel no caso de transferência dos direitos de aforamento ou de ocupação.
Caso a PEC 39/2011 seja aprovada definitivamente, o instituto do terreno de marinha será revogado e o domínio pleno das áreas poderá ser adquirido pelos foreiros e ocupantes regularmente inscritos perante a SPU até a data de publicação da Emenda, mediante o pagamento: (i) dos 17% remanescentes do valor atribuído ao imóvel, no caso de aforamento; ou (ii) do valor atribuído ao imóvel, no caso de regime de ocupação. Para este fim, poderão ser deduzidos os valores pagos a título de taxa de foro ou de ocupação nos últimos cinco anos, atualizados pela <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/mercado/taxa-selic-entenda-o-que-e-por-que-ela-importa-07122021">taxa Selic</a>.
No caso de ocupantes não regularmente inscritos, o domínio pleno poderá ser transferido desde que a ocupação tenha ocorrido há, pelo menos, cinco anos antes da data de publicação da emenda e comprovada a boa-fé do ocupante. A PEC não traz um detalhamento sobre a forma de comprovação da boa-fé neste caso específico. Com base nos princípios gerais adotados pelo sistema jurídico brasileiro, pode-se deduzir que a boa-fé estará caracterizada pelo justo desconhecimento do ocupante quanto à titularidade do domínio do imóvel — exemplificativamente, imóveis que não estejam devidamente demarcados pela União e/ou estejam registrados em nome de terceiros perante os cartórios de registro de imóveis.
Áreas ocupadas por habitações de interesse social ou afetadas ao serviço público estadual e municipal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos, serão transferidas de forma gratuita. Segundo a PEC, tais áreas deverão ser transferidas pela União no prazo de dois anos a contar da publicação da emenda.
O governo já vinha adotando algumas medidas para facilitar a aquisição de imóveis da União por particulares, em especial por meio da promulgação da Medida Provisória nº 915/2019, posteriormente convertida na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14011.htm">Lei 14.011/2020</a>. Nos termos da referida lei, qualquer interessado pode apresentar proposta de aquisição de imóveis da União mediante requerimento específico à SPU, observados os requisitos e procedimentos ali estabelecidos. No entanto, a efetiva alienação está sujeita à avaliação da conveniência e oportunidade, a critério exclusivo e subjetivo da União.
A PEC 39/2011 pretende inovar ao trazer critérios objetivos para a aquisição dos terrenos de marinha por particulares, garantindo maior segurança jurídica aos proprietários e incentivando o desenvolvimento de novos empreendimentos nestas áreas, consequentemente impulsionando o crescimento da economia e de empregos.
De acordo com os autores da PEC 39/2011, o regime patrimonial dos terrenos de marinha foi concebido há mais de cem anos, em uma situação que não se coaduna com a realidade atual. Para eles, a imprescindibilidade dos terrenos de marinha para a defesa da costa brasileira não é mais justificativa plausível com base nas novas tecnologias. Segundo o relator da PEC na Câmara, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), “o princípio básico adotado é que a propriedade deve ser atribuída a quem lhe dá o devido aproveitamento. Não é admissível que a União continue a gerir esse patrimônio com o intuito meramente arrecadatório, em prejuízo da função social da propriedade e do interesse público”.

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JOTA

Regime patrimonial foi concebido há mais de cem anos, em situação que não se coaduna com a realidade atual

PEC que extingue terreno de marinha é aprovada na Câmara

Regime patrimonial dos terrenos de marinha foi concebido há mais de cem anos, em situação que não se coaduna com a realidade atual