Tasso Cipriano

Costuma passar desapercebida tanto na teoria quanto na prática do direito ambiental brasileiro a menor preocupação com os aspectos ambientais dos produtos comparativamente aos das atividades produtivas, nos três setores da economia: primário (obtenção de matéria-prima e energia), secundário (transformação industrial, com uso de energia, das matérias-primas em produtos) e terciário (comercialização de produtos e prestação de serviços).
Pare para pensar: quando se fala em direito ambiental, a primeira coisa que vem à mente são as áreas protegidas, no fundo espaços onde a legislação proíbe a realização de boa parte das atividades produtivas, seguida de normas para controlar os impactos ambientais de tais atividades nos locais onde são permitidas e, por fim, regras de responsabilização em caso de descumprimento.
Não à toa, o licenciamento ambiental – de atividades e das respectivas instalações – é um dos instrumentos centrais do direito ambiental em geral e da Política Nacional do Meio Ambiente (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm">Lei Federal 6.938/1981</a>) em particular, que completou 40 anos em 2021.
Esse protagonismo das atividades produtivas em geral e do licenciamento em particular no direito ambiental é explicado em parte pelo fato de ser no âmbito de tais atividades que ocorre o acesso direto aos recursos naturais. Por outro lado, não se pode perder de vista que as atividades produtivas (e a respectiva infraestrutura) só são mobilizadas para garantir o nosso acesso a produtos e serviços, geralmente em centros urbanos afastados de onde ocorre a produção, mas isso é assunto para outra oportunidade.
Os <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/os-destaques-da-pauta-do-plenario-do-stf-para-2022-17122021">destaques da pauta do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF)</a> para o primeiro semestre de 2022 trazem à tona a importância – assim como as particularidades e os desafios – de se regular ambientalmente também os produtos, a exemplo de dois casos com julgamento previsto para maio: amianto (embargos de declaração nas ADIs 3357, 3406 e 3470 e na ADPF 109) e sacolas plásticas (RE 732686).
No caso do amianto, em ações questionando a constitucionalidade de leis estaduais e municipais proibindo o uso da variedade branca da substância (amianto crisotila), o STF declarou incidentalmente a inconstitucionalidade de dispositivo de lei federal que permitia a sua exploração, chancelando a vedação em nível subnacional.
Considerado um leading case em matéria de competência legislativa, ele mostra que proibir um produto é diferente de proibir uma atividade: enquanto esta pode simplesmente cessar, o que fazer com os produtos em circulação? Essa pergunta é o pano de fundo 1) de pedido de suspensão dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade, concedido parcialmente pela relatora, 2) de embargos de declaração buscando a modulação dos efeitos da decisão para permitir uma substituição gradual do crisotila e 3) de manifestações de amici curiae admitidos após o julgamento de mérito pelo STF.
No caso das sacolas plásticas, legislaturas estaduais e sobretudo municipais vêm travando uma guerra contra o plástico e produtos descartáveis, por sobrecarregarem os serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos urbanos (RSU) de que são titulares os entes políticos locais. No arsenal de medidas contra os produtos plásticos/descartáveis estão o banimento deles e a substituição por alternativas consideradas ecologicamente superiores.
Comum aos dois casos – e a tantos outros versando sobre a regulação de produtos, como a proibição de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos ruidosos, também pautada para julgamento (RE 1210727) – estão alguns aspectos jurídicos interessantes que podem ser contrapostos aos da regulação das atividades produtivas. Destaco dois.
Primeiro: embora o direito ambiental imponha restrições à liberdade econômica, no caso de atividades produtivas a liberdade mais comumente restringida é a de como produzir, enquanto no caso de produtos o que mais entra em jogo é o se produzir. Parece-me mais fácil justificar restrições à primeira liberdade – tanto que o licenciamento ambiental é amplamente aceito para controlar os impactos da produção – que à segunda – tanto que a constitucionalidade da proibição do amianto e das sacolas plásticas é questionada no STF.
Segundo: como os produtos circulam por todo o mercado brasileiro, parece-me mais difícil justificar a proibição deles a partir do interesse de entes federados subnacionais, ainda mais quando a vedação é fundamentada em uma característica inerente ao produto: o amianto e os plásticos/descartáveis continuarão sendo nocivos à saúde e/ou ao meio ambiente independentemente de em qual estado ou município sejam utilizados.
Certamente uma pauta mais heterodoxa para o direito ambiental brasileiro.

O meio ambiente ‘nas mãos’ do STF

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JOTA

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