Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho

Marcos Joaquim Gonçalves Alves

Alan Flores Viana

Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Neto

Em meio ao luto com a perda de um dos maiores juristas brasileiros, o professor doutor Paulo Bonavides, restou-nos à rememoração saudosa de suas lições e de suas obras, que forjaram a doutrina e a jurisprudência constitucional que hoje conhecemos. Faremos um breve resumo de algumas de suas principais teorias e indicaremos os livros de referência de cada uma.
Na obra “História Constitucional do Brasil”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, o professor retrata as transformações jurídicas e sociais entre a Constituição outorgada de 1824 até a vigente Constituição Republicana de 1988, realçando a trajetória dinâmica e ascendente, marcada por recuos e derrotas, para a concretização parcial e progressiva de direitos e valores que hoje nos parecem pacíficos. A natureza historiográfica desta obra tem inspiração em sua teoria das dimensões dos direitos fundamentais, ainda em pleno processo de difusão.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
A teoria das dimensões dos direitos fundamentais é fruto de um aperfeiçoamento da teoria das três gerações dos direitos fundamentais do professor de Western Brittany Karel Vasak (em ordem: direitos de resistência – civis e políticos –; direitos sociais, econômicos e culturais; e direitos difusos e transindividuais – fraternos). A primeira adaptação feita por Paulo Bonavides foi terminológica: o termo “dimensão” é mais adequado ao termo “geração”, posto que aquele realça o caráter de um processo cumulativo, de complementariedade, e não de alternância ou de substituição de direitos fundamentais.
A segunda adaptação já revela o gênio criativo do professor Paulo Bonavides, ao tratar das dimensões dos direitos fundamentais como infraestruturas que formam uma pirâmide cujo ápice é o direito à democracia, direito de quarta dimensão que exsurge em um contexto de avanços da tecnologia e da comunicação e da possibilidade de sua utilização como instrumentos de controle diretamente pelo povo do processo político. A teoria das dimensões dos direitos fundamentais pode ser encontrada na obra “Curso de Direito Constitucional” (São Paulo: Malheiros. 2016.).
A evolução dos instrumentos de participação política possibilita que a noção abstrata de povo se concretize na forma de uma democracia direta, conforme ansiado por Paulo Bonavides em sua obra  “Teoria Constitucional da Democracia Participativa”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, pela seguinte passagem: “a participação popular é o lado dinâmico da democracia, a vontade atuante que, difusa ou organizada, conduz no pluralismo o processo político à racionalização, produz o consenso e permite concretizar, com legitimidade, uma política de superação e pacificação de conflitos” (Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 509.).
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Nesse sentido, a nossa Constituição Republicana já dispõe de recursos para a concretização da democracia participativa, tais como o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular de criação de leis, além de outros instrumentos da ciência política, como o recall e o veto popular.
Ocorre que todos esses recursos são bloqueados por grupos antidemocráticos<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, que atuam de forma silenciosa e clandestina, mas cujos atos se revelam através da adoção, sob o simulacro da democracia, de medidas em favor de interesses não republicanos, como privilégios de castas sociais, opressões tributárias, arrochos salariais, perseguição de servidores públicos, desmantelamento de sindicatos, submissão passiva a organismos internacionais e flexibilização de regras de interesse público<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Na obra “Do país constitucional ao país neocolonial” (São Paulo: Malheiros. 2004), o professor Paulo Bonavides denuncia o risco de colonização da esfera pública por interesses privados, chamando a atenção para uma nova técnica de golpe de Estado, “o golpe institucional”, distinta dos clássicos golpes de Estado executados por ditaduras militares e civis.
No golpe institucional, o regime, as instituições, a Constituição e o governo se mantêm inalterados, porém as políticas públicas, os atos legislativos e a própria interpretação da Constituição são desvirtuadas dos valores constituintes.
Ademais, Paulo Bonavides deixa ali claro que é o descrédito do povo em relação ao sistema democrático corrompido que enseja o fenômeno da despolitização e o distanciamento da almejada democracia participativa, como ele bem destacou em sua obra e em sua atuação como jurista, que serve de lição para os operadores de Direito e, mais do que isso, para aqueles que se preocupam com nossa democracia e com o que queremos para a nação.
Por fim, para a decifração da realidade política, o professor apontava ser indispensável a preparação técnica de seus alunos e leitores sobre os fenômenos do poder e os constantes influxos de grupos antidemocráticos sobre a formação da vontade oficial, em contraposição à vontade popular. Para tanto, ofereceu como contribuição a mais lida e influente obra pátria sobre ciência política (Ciência Política, Rio de Janeiro: Forense, 1978).
De certa maneira, não deixa de ser notável que um Congresso Nacional tão ativo como o de hoje, e nossa sistema político passando por um momento tão singular, que uma das obras da ciência política mais influentes seja da década de 1970. Isso mostra a atemporalidade da obra de Paulo Benevides.
Paulo Bonavides é, com todo merecimento, reconhecido, pela academia jurídica e pelos operadores do Direito, como o maior constitucionalista brasileiro e um dos mais importantes constitucionalistas do mundo, tendo recebido várias condecorações no Brasil e no exterior. A grandeza de sua obra só pode ser comparada ao exemplo deixado por seu elevadíssimo caráter ético. Estamos certos de que as lições do grande mestre continuarão iluminando as futuras gerações de juristas, auxiliando a interpretação e a solução de inúmeras controvérsias jurídicas.
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O episódio 43 do podcast Sem Precedentes analisa a nova rotina do STF, que hoje tem julgado apenas 1% dos processos de forma presencial. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=a6M2upbiCFY&feature=emb_title
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil. 6º ed. Brasília: OAB, 2004.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um direito constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Nomeadamente: “as elites do poder, os usurpadores da vontade popular, a classe representativa parlamentar, enfim, aquelas camadas de políticos e administradores da classe dominante” (BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um direito constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 20).
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> BONAVIDES, Paulo. Do país constitucional ao país neocolonial: a derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional. 3ª ed. São Paulo: Malheiros. 2004, p. 23.

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JOTA

Rememorando as lições do jurista brasileiro que moldaram a doutrina e a jurisprudência constitucional

Paulo Bonavides: visão de democracia e constitucionalismo

Rememorando as lições do jurista brasileiro, professor Paulo Bonavides, que moldaram a doutrina e a jurisprudência constitucional