Cláudio Barbosa

Gabriel Oliveira Guilherme

As patentes buscam proteger algo que soluciona um problema técnico. Por si só, já seriam importantes não apenas para seu titular, mas também para a coletividade.
No entanto, certas patentes vão além desses benefícios: são essenciais para a implementação de um padrão tecnológico adotado obrigatoriamente pela sociedade para a viabilidade técnica de uma solução. Basta imaginar se cada fabricante de aparelho celular ou operadora de telefonia desenvolvesse seu próprio padrão de comunicação e não existisse uma interoperabilidade entre sistemas. Adotando como exemplo a perspectiva do 5G como o propulsor da Internet das Coisas, existem determinadas invenções essenciais para que os dispositivos efetivamente conversem de forma satisfatória entre eles. 
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-291207 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tracking-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Tanto o padrão tecnológico em si quanto as patentes essenciais para sua implementação deveriam ser definidos pelas instituições e empresas que atuam no setor de aplicação dessas tecnologias. No entanto, setores disruptivos e inovadores são uma tentação para determinados participantes do mercado passarem a adotar certas condutas unilaterais, as quais podem se demonstrar abusivas.
Algumas condutas se destacam: a daqueles que buscam benefícios dos investimentos alheios; alegações de que certas invenções são patentes essenciais (quando muitas vezes não o são); e a propositura indiscriminada de ações judiciais em que o titular de direitos de propriedade intelectual busca cercear o uso de padrões tecnológicos sem a devida análise do contexto.
Existe, nesse ponto, uma inversão. Para se evitar que a legítima exclusividade decorrente de um direito de propriedade intelectual possa ser considerada um obstáculo à utilização de um padrão e, consequentemente, um abuso, titulares de patentes de um padrão tecnológico são incentivados a licenciar seus direitos seguindo parâmetros FRAND, sigla em inglês para Justos, Razoáveis e Não-Discriminatórios.
Por meio desse instrumento, equilibra-se a balança de interesses sob o ponto de vista da coletividade, evitando-se o prejuízo ao desenvolvimento técnico e social. Construções consuetudinárias, doutrinárias e jurisprudenciais estabelecem limites ao exercício do exclusivo; por isso, com o compromisso de licenciamento alinhado aos parâmetros FRAND, os titulares preferem maximizar a remuneração desta exclusividade pelo uso maciço e indiscriminado da tecnologia, afastando possíveis alegações de abusividade.
Contudo, nem sempre há um consenso imediato entre titular e implementador (termo utilizado para identificar quem pretende explorar a invenção) a respeito das condições e valores envolvidos na licença. As rupturas costumam ocorrer, normalmente, nesse estágio. O titular não concorda com a inserção de sua invenção em um padrão tecnológico, seja por questões técnicas ou comerciais, e não está disposto a atender expectativas de licenciamento automático ao mercado (licenciamento não discriminatório).
É nesse panorama de incertezas que convém recorrer a espectros de análise que não se limitam ao raciocínio meramente jurídico. Em se tratando de problemas que envolvem interesses não alinhados e custos de transação, a Análise Econômica do Direito se apresenta como uma metodologia bastante útil para compreender respostas viáveis e observar o licenciamento sob o prisma de negociações sucessivas similar ao enfrentado na teoria dos jogos.
Antes, não podemos ignorar o fato de que o sistema de patentes já está devidamente consagrado em todo o mundo e, como regra, funciona bem. Essa forma de proteção jamais impediu o avanço tecnológico, que ocorre em ritmo exponencial. Inclusive, não seria exagero afirmar que a proteção patentária é uma das responsáveis por viabilizar a modernização da sociedade e a difusão do conhecimento, pelo incentivo que representa para aqueles que investem em pesquisa e desenvolvimento.
A premissa vale, inclusive, para as patentes essenciais. O DVD, o 3G e o 4G, por exemplo, são padrões tecnológicos adotados em suas respectivas épocas e tiveram níveis de alcance e popularização excepcionais, mesmo convivendo com direitos exclusivos.
Situações onde a cooperação é a forma mais eficiente de atuação entre interessados envolvem a criação de padrões tecnológicos únicos para determinado mercado, ou seja, uma associação necessária entre atores, evitando que apenas um predomine. A cooperação alcança a eficiência, seja pela análise econômica tradicional ou pela aplicação de modelos de teoria dos jogos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
A união de concorrentes no desenvolvimento e licenciamento de um padrão representa eficiência que dificilmente seria alcançada pela estratégia de exclusividade tradicional. Para padrões tecnológicos que envolvem interações em escala global, o risco assumido por apenas uma empresa e o custo de todas as transações reduziriam a eficiência de um licenciamento padrão.
A cooperação no estabelecimento de um padrão evita disputas tecnológicas onde a necessidade de escala determina prejuízo certo para o desenvolvedor (e consumidores) do padrão que não conseguir se estabelecer, exemplo típico de ineficaz alocação de recursos em duplicação de pesquisas. Episódio característico ocorreu na disputa entre os padrões de videocassete “Betamax”, desenvolvido pela Sony, e “VHS”, desenvolvido pela JVC. A tecnologia “Betamax” era utilizada por: Sony, Toshiba, Sanyo, NEC, Aiwa e Pioneer. O padrão “VHS” usado por JVC, Panasonic, Hitachi, Mitsubishi, Sharp, e Akai<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">A solução de licenciamento torna-se problemática quando uma pequena invenção é parte de um produto muito maior<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> como ocorre no licenciamento de padrões tecnológicos que envolvem inúmeras patentes.</blockquote>
Além de contratos FRAND, contratos de rateio de custos, conhecido como “cost sharing agreement” ou “cost contribution agreement”<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> são exemplos de cooperação para o estabelecimento tecnológicos.
A teoria dos jogos, utilizada na Análise Econômica do Direito, oferece ensinamentos aplicáveis à questão. As sucessivas interações estratégicas sustentam que as decisões tomadas em um “jogo” de interesses variam de acordo com as inferências sobre o comportamento a ser adotado, no momento seguinte, pelos demais envolvidos<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Em relação às patentes, a teoria dos jogos é observada desde o momento em que uma empresa direciona seus esforços e capital de desenvolvimento para onde há menos concorrentes<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Naturalmente, as interações também condicionam a decisão de um implementador por desenvolver uma tecnologia independente ou obter uma licença do titular e deste, por sua vez, de tentar dominar o mercado de forma exclusiva ou colaborar com outros titulares e implementadores. Terceiros são levados nesta dança pelo interesse (ou desinteresse) no estabelecimento de um padrão exclusivo ou compartilhado.
Cada um dos polos possui seus próprios dilemas, e os resultados variam de acordo com a decisão adotada pelo outro. Se o implementador busca uma estratégia de licenciamento, mas o titular não a concede, optando por manter sua exclusividade, o primeiro teria um custo adicional de desenvolvimento, enquanto o segundo pode dominar o mercado (se sua tecnologia prevalecer) ou perder a corrida tecnológica, se o implementador alcançar uma solução melhor ou mais eficiente.
A teoria dos jogos poderia examinar outro cenário de não cooperação. Se o titular oferece a licença, exigindo uma negociação individual e royalties altos, o implementador também pode tomar uma decisão de não usar a tecnologia ou desenvolver uma alternativa, aumentando a probabilidade de um resultado econômico indesejado para o titular.
Cenários de ruptura como a utilização da tecnologia sem o pagamento de royalties são ilegais e levam ao risco de pagamento de indenizações estratosféricas ou da interrupção imediata do oferecimento dos produtos ou serviços que fazem uso da patente, por força de decisões judiciais. Um cenário que o implementador e todos os demais envolvidos não podem considerar aceitável.
Ou seja, quando apenas um dos lados cede, o jogo fica desequilibrado, e os benefícios imediatos daquele que manteve sua posição ficam permanentemente sob ameaça.
Por outro lado, se os envolvidos decidem cooperar e efetivamente celebrar um contrato de licença segundo os parâmetros FRAND, a tendência é a de que a relação se estabilize<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>. Isso porque a regularização viabiliza o retorno financeiro para aquele que desenvolveu a tecnologia, ao mesmo tempo que justifica o investimento do implementador ao pagar a licença, em vista dos lucros que serão obtidos a partir da exploração da patente em suas atividades regulares. Esse mesmo acerto reforça o padrão tecnológico, sem o gasto (ineficiente) em padrões concorrentes somente em função de um direito exclusivo.
Além disso, também produz um cenário de segurança jurídica, em que os “jogadores” não mais precisarão antecipar os próximos passos do outro para subsidiar suas próprias decisões, traduzindo uma eficiência pela redução de incerteza e insegurança na negociação, além de uma redução de custos transacionais. É o resultado mais eficiente, ainda que possa não haver um equilíbrio perfeito – o que seria utópico.
Aliás, jurisprudência consolidada do CADE, examinando questionamento vinculado ao art. 36, § 3º, XIX da Lei nº 12.529/11, menciona que o abuso no exercício de direitos de propriedade intelectual pode revestir-se de  diversas formas, mencionado entre várias: (i) os acordos de exclusividade que impeçam o licenciado de licenciar tecnologias concorrentes/desenvolver tecnologia própria; (ii) as condutas discriminatórias em pools de patentes; (iii) a recusa de licenciar; e (iv) a aquisição de direitos exclusivos e não utilização desses direitos<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Observa-se que mais que qualquer tipo de regulação, o próprio funcionamento dos “jogos” envolvendo as patentes essenciais – que já contam com a modulação pela obrigatoriedade das licenças F/RAND – é capaz de oferecer eficiência ao sistema e aos interessados. Por consequência, também à sociedade, que se beneficia do desenvolvimento tecnológico.
Como o sistema de patentes é essencialmente internacional, apesar da existência de regras locais, não deve haver espaço para voluntarismos judiciais em cada país. A escolha estratégica pelos investimentos em determinada tecnologia inovadora costuma ser global, assim como os acordos relacionados a ela; por isso, na medida do possível, a solução para eventuais impasses também deve procurar seguir o mesmo padrão.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=b9z7dDRHnrg
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito, tradução Rachel Sztajn, 2ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 59.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Sobre a questão verificar, cf. <a href="about:blank">www.patentescomentarios.blogspot.com/2014/07/sony-x-betamax-guerra-de-padroes.html</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> LEMLEY, Mark A.; SHAPIRO, Carl. Patent holdup and royalty stacking. In. Stanford Law and Economics. Working Paper nº 324. 2006. Disponível em: &lt;http://ssrn.com/abstract=923468&gt;. Acesso em: dezembro de 2006. No mesmo sentido: LEMLEY, Mark A. Ten things to do about patent holdup of standards (and one not to). In. Stanford Public Law Working Paper n. 923470. 2006. Disponível em: &lt;http://ssrn.com/abstract=923470&gt;. Acesso em 24.02.2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Estes contratos eram regulamentados pelo Ato Normativo INPI 163/93, posteriormente revogado pelo Ato Normativo INPI 135/97.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Para esclarecimentos e aplicações sobre a teoria dos jogos, cf. MCKINSEY, J. C. C. (John Charles Chenoweth). Introduction to the theory of games. New York: McGraw-Hill, 1952; PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, Campus, 2006; CALLIARI, Marcelo Procópio. A aplicabilidade da teoria dos jogos ao direito internacional: um estudo exploratório. Tese de doutorado não publicada. FADUSP : São Paulo, 2003.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> NUNES, Ricardo Dutra. Análise econômica do direito e o sistema de patentes como mecanismo da regulação da inovação: comentários às corridas por patentes, 2016, p. 76-77. Disponível em: <a href="about:blank">Dissertação Ricardo Nunes Mestrado FGV Direito Rio FINAL assinada com ficha catalográfica.pdf</a>. Acesso em 24.02.2021.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Novamente sobre os resultados estabilizadores da cooperação à luz do “dilema do prisioneiro”: MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito, tradução Rachel Sztajn, 2ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 59.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> CADE. Processo nº 08012.005009/2010-60. Parecer nº 54/2019/CGEP/PFE/AGU/CADE, da lavra do Procurador Federal Antonio Marcos Guerreiro Salmeirão.

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