Daniela Monteiro Gabbay

Flavia Mange

Stephani Amantini

Quais são os principais desafios enfrentados pelas mulheres para a sua participação nas carreiras jurídicas? Como e quando começam as distinções em razão do gênero? O ensino jurídico tem preocupação com o tema? Qual é a participação das alunas em sala de aula? Qual é o percentual de professoras, no início da carreira e no nível de titular? E nos escritórios de advocacia, qual é a participação feminina em níveis maiores de senioridade e na sociedade? Qual é a participação de mulheres nos departamentos jurídicos internos de empresas e como se dá a ascensão delas a cargos de direção e participação nos conselhos e comitês de alto escalão? Como a participação feminina na advocacia, empresas e academia impacta no número de mulheres que atuam como árbitras?
Com o intuito de discutir essas questões, foi realizado, em 27/07/2017, na sede da AMCHAM, o evento Arbitration Pledge – experiências inspiradoras e próximos passos, organizado por Ana Weber, Carolina da Rocha Morandi, Daniela Monteiro Gabbay, Flavia Foz Mange e Isabela Lacreta.
A realização do evento foi motivada pela importância de discutir a assimetria entre homens e mulheres no âmbito jurídico e teve como marco o primeiro aniversário do Compromisso para a Igualdade de Representação na Arbitragem (<a href="http://www.arbitrationpledge.com">http://www.arbitrationpledge.com</a>). Esse pacto surgiu em 2016 por iniciativa de um grupo de mulheres e homens da comunidade arbitral que, em reconhecimento à baixa representatividade de mulheres na arbitragem, em especial no papel de árbitras, elaboraram o compromisso que traz iniciativas para aumentar a participação feminina no meio arbitral, garantindo a efetiva igualdade de oportunidade para elas.
Os compromissos assumidos por quem assina o pacto são, por exemplo, o de que comitês, órgãos governamentais e painéis de conferência no campo de arbitragem incluam uma representação justa de mulheres, bem como sejam criadas listas de potenciais árbitras ou presidentes de tribunais arbitrais a serem consideradas pelas partes, advogados, assessores jurídicos e outros.
Apesar de diversos escritórios, instituições arbitrais e advogados terem assinado o Compromisso para Igualdade de Representação na Arbitragem no Brasil, a baixa representatividade de mulheres na arbitragem ainda é sentida. Isso decorre, muitas vezes, da sua reduzida participação em posições de destaque nas diversas esferas da carreira jurídica, o que impacta o pool de mulheres a serem consideradas como árbitras.
O evento  na AMCHAM foi realizado no formato de world café, permitindo que o debate ocorresse em diversas mesas por meio de diálogos simultâneos, sendo que as discussões se estruturaram ao redor de quatro temáticas: presença de mulheres na (i) academia, (ii) arbitragem, (iii) escritórios de advocacia e (iv) empresas. Esse formato possibilitou que, durante o evento, todas pudessem participar e trocar de mesas para analisar a participação feminina na carreira jurídica sob enfoques distintos.
O world café permitiu ainda que o debate fosse mais horizontal e os participantes assumissem protagonismo nas discussões, compartilhando experiências e trazendo propostas de enfrentamento aos problemas relatados. Além disso, a troca de mesas permitiu conhecer perspectivas de homens e mulheres de diversas áreas e gerações, especialmente considerando que o evento contou com a presença de acadêmicas, advogadas, empresárias, árbitras e estudantes com diferentes idades, visões e formações.
AS BARREIRAS ENFRENTADAS PELAS MULHERES
Inicialmente, os participantes discutiram os entraves à representatividade das mulheres no âmbito jurídico, destacando que esse espaço é ocupado predominantemente por homens, especialmente quando se trata de cargos de liderança (professores titulares, sócios, diretores jurídicos, presidentes de empresas, membros dos conselhos de administração e árbitros). Além disso, frequentemente, esses cenários são permeados por comportamentos machistas, criando espaços hostis à presença das mulheres.
Essas dificuldades também se refletem no trabalho desempenhado pelas mulheres – houve diversos relatos de mulheres que tiverem de, reiteradamente, provar a sua capacidade, enquanto os homens com quem trabalhavam eram presumidos como competentes, mesmo que suas qualificações fossem extremamente semelhantes.
A realização de networking e capacidade de captação de clientes para os escritório (habilidades usualmente requeridas para alcançar posição de sócio) também se revela mais difícil para as mulheres.
Outra questão discutida foi a dupla jornada enfrentada pelas mulheres, às quais, frequentemente, são atribuídas as responsabilidades domésticas e familiares – a divisão desigual dessas tarefas entre homens e mulheres cria uma sobrecarga de trabalho que, muitas vezes, é invisível. Na Academia, a dupla jornada, frequentemente, transforma-se em tripla jornada, porque muitas professoras de Direito também exercem outra atividade profissional, seja na advocacia, em empresa ou cargo público. Ademais, a possibilidade de lecionar no período noturno compete com o escasso tempo em que as mulheres podem conviver com a família, gerando um desincentivo para avançarem na carreira docente.
A falta de exemplos femininos nos altos cargos também foi mencionada, tanto nas sociedades dos escritórios, quanto nos concursos para entrada ou ascensão na carreira docente, nos quais as bancas, frequentemente, são majoritária ou totalmente masculinas, por exemplo. Essa falta de representatividade também dificulta o acesso à mentoria para as mulheres.
Ainda que as participantes exerçam profissões distintas, houve diversos pontos comuns em seus relatos sobre os entraves pelos quais passaram – e ainda têm que passar – em seus ambientes de trabalho. A gravidez, por exemplo, ainda é considerada um grande empecilho no avanço das mulheres na carreira.
POSSIBILIDADES DE ENFRENTAMENTO À DESIGUALDADE DE GÊNERO
Após as discussões sobre as barreiras enfrentadas pelas mulheres, foram apresentadas propostas para a superação desses entraves. Inicialmente, destacou-se a importância de elaboração de estatísticas sobre a representatividade de mulheres, bem como a promoção de discussões sobre gênero na Academia, escritórios, empresas e no meio arbitral. Dar visibilidade ao assunto é um dos primeiros elementos que devem ser considerados para promover o enfrentamento efetivo à desigualdade de gênero.
Nas discussões sobre Academia, mencionou-se a relevância de promover a inclusão da temática de gênero nas aulas e garantir a representatividade justa de mulheres autoras indicadas na bibliografia dos cursos. Além disso, foi destacada a importância de garantir que as mulheres tenham voz no ambiente acadêmico, tanto em sala de aula, quanto por meio de publicações e eventos acadêmicos.
Nas mesas sobre Empresas, foram apontadas como iniciativas a seleção de profissionais sem que conste o nome ou gênero no curriculum – isso permitiria maior igualdade na realização da seleção dos candidatos, bem como a criação de programas de mentoria, uma oportunidade para que profissionais mais experientes dividam seu conhecimento com as mais jovens, apoiando-as na construção da carreira. Além disso, as empresas devem impulsionar políticas de gênero por meio de iniciativas como não patrocinar eventos compostos apenas por homens ou exigir que os escritórios de advocacia que contratam tenham um percentual mínimo de mulheres, incluindo sócias, atuando nos assuntos da empresa.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a Hewlett-Packard (HP) decidiu reter até 10% dos honorários dos escritórios de advocacia que não cumprirem metas de diversidade. Exige-se ao menos um sócio que preencha os critérios de diversidade (étnico-racial, de gênero, LGBT ou com necessidade especial) regularmente envolvido com a HP ou uma mulher e um advogado, conforme critérios de diversidade, cada um em ao menos 10% das horas faturáveis trabalhadas em assuntos da HP<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Já o Facebook exige que mulheres e minorias étnicas representem ao menos 33% das equipes de escritórios de advocacia que trabalham em seus assuntos, sendo que os escritórios devem mostrar que criaram oportunidades de liderança claras e mensuráveis para as mulheres e minorias quando representam a empresa<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Nas mesas de Escritórios de Advocacia, foi ressaltada a importância de garantir que as equipes tenham igualdade de gênero e, especialmente, que isso também se reflita no número de sócias. Também foi mencionada a relevância de criar canais de denúncia para reportar condutas discriminatórias enfrentadas pelas mulheres, além da necessidade do aumento do tempo de licença paternidade, incentivando que os homens assumam responsabilidades semelhantes às das mulheres nos âmbitos doméstico e familiar. Mecanismos para garantia da reinserção das mulheres nos assuntos e responsabilidades que tinham na volta da licença maternidade também foram discutidos e merecem um cuidado especial.
Nas mesas de Arbitragem, foi mencionada a importância de aumentar o número de mulheres nas listas de árbitras nas câmaras arbitrais que possuem listas e que escritórios também passem a inserir mulheres como potenciais árbitras ao discutirem indicações com o cliente, tal como alguns escritórios internacionais já fazem. Nesse sentido, uma das ações do escritório Freshfields Bruckhaus Deringer foi compilar e manter um banco de dados interno de mulheres árbitras que pode ser consultado quando as listas de potenciais candidatas estão sendo elaboradas para os clientes<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Fizemos para o evento um levantamento dos percentuais de indicação de árbitras mulheres em procedimentos arbitrais, no ano de 2016, que demonstra o quão reduzida ainda é a participação das mulheres na arbitragem.
<a href="/wp-content/uploads/2017/11/grafcama.jpg"><img class="aligncenter wp-image-99787 size-full" src="/wp-content/uploads/2017/11/grafcama.jpg" alt="" width="517" height="526" /></a>
Considerando que diversas instituições arbitrais e escritórios aderiram ao Compromisso para a Igualdade de Representação na Arbitragem, o compartilhamento de exemplos de quais foram as medidas concretas adotadas para efetivação dos objetivos previstos nesse Compromisso se faz necessária para que o compromisso não vire letra morta.
Assim, o evento trouxe um importante debate e buscou criar espaço para que mulheres, em diversos campos de atuação, pudessem relatar suas experiências e propor ações para o enfrentamento à desigualdade de gênero. Ainda que as mulheres já sejam a maioria entre as alunas do curso de graduação de direito, ainda é muito reduzida a participação como sócias em escritórios de advocacia, professoras universitárias, nos cargos de liderança em empresas e nas indicações como árbitras.
A diversidade agrega valor e nesse sentido a participação de mais mulheres no âmbito jurídico e arbitragem possibilita a melhor tomada de decisões e permite a compreensão de problemas por novas perspectivas. Fóruns como esse, que possibilitam a discussão sobre a participação das mulheres, são cada vez mais necessários para dar visibilidade ao tema e fortalecer as profissionais que já estão no mercado, criando um ambiente mais igualitário para as próximas gerações.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>https://law.duke.edu/sites/default/files/centers/judicialstudies/panel_-5-hp_diversity_mandate_to_partner_law-firms_.pdf
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>https://www.nytimes.com/2017/04/02/business/dealbook/facebook-pushes-outside-law-firms-to-become-more-diverse.html?_r=0%20e%20www.abajournal.com/news/article/hp_general_counsel_tells_law_firms_to_meet_diversity_mandate_or_forfeit_up/
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> http://arbitrationblog.practicallaw.com/launch-of-the-equal-representation-in-arbitration-pledge/

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Participação de mulheres nas carreiras jurídicas

Um pacto pela diversidade