Éderson Garin Porto

O Diário Oficial da União publicou em 19 de setembro de 2017 a Portaria PGFN n° 948 que institui o chamado Procedimento de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR). O artigo 1° da mencionada Portaria deixa claro o objetivo da medida: “o procedimento administrativo para apuração de responsabilidade de terceiros pela prática da infração à lei consistente na dissolução irregular de pessoa jurídica devedora de créditos inscritos em dívida ativa administrados pela PGFN”. Em suma, a iniciativa pretende criar um procedimento administrativo para imputar a responsabilidade tributária para terceiros, notadamente nos conhecidos casos de “dissolução irregular da pessoa jurídica”.
O procedimento chamou a atenção da comunidade jurídica, despertando diversas reações entre aqueles que atuam na seara tributária. Chama a atenção, o desprezo pela reserva de lei estabelecida na Constituição para tratar de temas envolvendo Direito Tributário, o que poderia caracterizar violação ao artigo 150, inciso I. Causa igualmente espécie o desapego pela orientação traçada pelo artigo 146, inciso III, alínea ‘b da Constituição que reserva à lei complementar o tratamento de normas gerais em matéria tributária, especialmente no que diz respeito à obrigação tributária (o caso específico da famigerada Portaria). A perplexidade com a medida e do consequente menosprezo pelas normas acima referidas ganha relevo quando se recorda o Parecer PGFN/CRJ n° 618/2016 que lançou diretrizes sobre o Novo Código de Processo Civil. Naquele documento emitido pela Coordenação-Geral da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (CRJ/PGFN) a utilização do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica introduzido pelo Novo Código de Processo Civil foi rechaçado. O texto invocava enunciados produzidos no âmbito da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enunciado ENFAN n° 53<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>) e Fórum de Execuções Fiscais da 2ª Região (Enunciado FOREXEC n° 6<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>) que afastavam a incidência do artigo 133 do Novo Código de Processo Civil para a responsabilização tributária prevista no artigo 135 do Código Tributário Nacional. Foi dito naquele momento que não haveria razão para aplicar o incidente, pois redirecionamento da execução não é desconsideração da personalidade jurídica. Em outras palavras: será buscada responsabilização do sócio, mas não haverá “desconsideração”. Com o devido respeito, o argumento não prospera.
No entanto, estas questões ficam em segundo plano diante da novidade introduzida pela Procuradoria da Fazenda Nacional. A Portaria PGFN n° 948 instaura um procedimento administrativo para imputar responsabilidade a terceiro (muito especialmente o sócio), outorgando às unidades descentralizadas da PGFN a competência para investigação e julgamento do procedimento administrativo. Criou-se uma atribuição à margem da lei e conferiu-se ao órgão do Poder Executivo a prerrogativa de processar e julgar. Curioso, para dizer o mínimo. Durante a discussão sobre a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica jamais foi questionado se o “redirecionamento” ou a “desconsideração” seriam afastados da apreciação do Poder Judiciário pelo simples fato que a imputação da responsabilidade prevista no artigo 135 do Código Tributário Nacional não pode ser decidida pelo credor do crédito tributário.
Não obstante as questões acima destacadas que num juízo preliminar inquinam de inconstitucional a Portaria PGFN n° 948, impõe-se analisar a medida do ponto de vista da Análise Econômica do Direito. Sob esta ótica, deve-se questionar se a medida, ultrapassando as inconstitucionalidades antes suscitada e por amor ao debate, seria eficiente do ponto de vista econômico. Para que se estabeleça a avaliação de eficiência, é preciso definir o conceito utilizado. Segundo Décio Zylbersztajn e Rachel Sztajn, eficiência está relacionada com a possibilidade de se atingir o melhor resultado com o mínimo de erro ou desperdício<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Pode-se questionar se a adoção do PARR será mais eficiente do ponto de vista econômico do que a submissão do debate ao Poder Judiciário. Será que o procedimento retirará do Poder Judiciário a discussão (desafogando-o) ou haverá multiplicação dos debates em mais de um procedimento? Não parece crível que o contribuinte aceite o procedimento e em caso de submeter-se, não parece crível que irá abdicar da via judicial. No entanto, vale avançar e analisar dados oficiais publicados por instituições idôneas. Instituto Nacional de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou estudo onde se apurou por meio de uma série de dados estatísticos que o sucesso nas execuções fiscais corresponde a apenas 33,9% dos casos<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Dados demonstram que a gestão administrativa do crédito tributário não é eficiente. A pesquisa identifica que 27,7% das execuções são extintas por prescrição ou decadência. Em 17% dos casos, a execução é extinta por cancelamento da CDA e em 11,5% das execuções há extinção sem julgamento de mérito.  Em suma, os casos indicam falhas na atividade de exigir o crédito, demonstrando que em alguns casos descurou-se prazos, em outros equivocou-se na constituição do crédito ou ainda extinguiu-se por vício processual ocorrido a partir do ajuizamento. Segundo dados informados no site oficial da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o percentual de valor arrecadados em relação ao estoque total da dívida foi de 0,62% em 2010 e 1,37% em 2011 (últimos dados disponíveis)<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>. O percentual sobe para 18,2% quando o crédito é submetido ao protesto<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Como se pode observar, os dados indicam que a cobrança dos créditos não atinge um grau satisfatório de eficiência, quando se percebe que percentual expressivo dos créditos não são recuperados.
Quando se fala em responsabilização do sócio por “dissolução irregular” é importante que se compreenda claramente o fenômeno. Na grande maioria dos casos, não se cuida de manobras ilícitas ou prática de condutas criminosas. O percentual majoritário das chamadas “dissoluções irregulares” corresponde a negócios malsucedidos em que os contribuintes não conseguem levar adiante seu empreendimento e acabam devendo para vários credores, dentre eles o fisco, vale dizer, a sociedade tornou-se insolvente e, em razão da insolvência, não consegue promover da dissolução regular. Se esta descrição representa a maior amostra dos casos de “dissolução irregular” não seria mais eficiente adotar procedimentos de acompanhamento do desempenho dos contribuintes e adotar medidas quando identificados os primeiros sinais de inadimplência? Qual a probabilidade de esperar eficiência da adoção do PARR para responsabilizar o sócio em momento tão distante do fato gerador do tributo que resultará em índices de sucesso similares aqueles acima indicados? Aguardar quase cinco anos para autuar e depois quase cinco anos para promover medidas para realização do crédito tributário não tem apresentado resultados significativos, o que permite inferir que os resultados com a adoção do PARR, além de inconstitucionais, serão, do ponto de vista econômicos, ineficientes.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O Enunciado n° 53 decorrente do Seminário – O Poder Judiciário e o Novo Código de Processo Civil, promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM): “O redirecionamento da execução fiscal par o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do Novo CPC”.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Enunciado no 6 do FOREXEC: “A responsabilidade tributária regulada no Art. 135 do CTN não constitui hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, não se submetendo ao incidente previsto no Art. 133 do CPC/2015.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia: análise econômica do direito e das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 81.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> BRASIL. Custo unitário do processo de execução fiscal na Justiça Federal: relatório de pesquisa. Brasília: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), 2011, p. 19.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Informações obtidas no site: <a href="http://www.pgfn.fazenda.gov.br/divida-ativa-da-uniao/dados-estatisticos">http://www.pgfn.fazenda.gov.br/divida-ativa-da-uniao/dados-estatisticos</a>.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Dados obtidos no site: <a href="http://www.pgfn.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/pgfn-em-numeros-2014/pgfn%20em%20numeros%202015%20ultima%20versao.pdf">http://www.pgfn.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/pgfn-em-numeros-2014/pgfn%20em%20numeros%202015%20ultima%20versao.pdf</a>.

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JOTA

O curioso expediente criado pela Procuradoria da Fazenda Nacional

PARR: uma análise econômica

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