Branca Cicci

Ana Carolina Cagnoni

Em novembro de 2019, o Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao REsp 1.810.440/RJ interposto pelo ex-Deputado Federal Tiririca e seu partido em processo que discutia o uso de paródias em propaganda eleitoral.
A discussão iniciou-se em 2014 quando a EMI Songs do Brasil ajuizou ação indenizatória contra vídeo veiculado como propaganda eleitoral em que o candidato aparecia imitando o cantor Roberto Carlos e cantando uma paródia da música “O Portão”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Um dos trechos mais populares dizia “Eu votei e de novo vou votar. Tiririca, Brasília é o seu lugar”.
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Condenados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a ementa daquela decisão afirmava “situação nos autos que não configura paródia (imitação cômica), mas alteração de trecho/refrão de música nacionalmente conhecida para atender aos interesses do candidato em propaganda eleitoral”. Contudo, o ex-deputado e seu partido reverteram a decisão em julgado perante a Terceira Turma do STJ de forma unânime (relator Ministro Marco Aurélio Bellizze).
Em nosso ordenamento, uma obra será definida como paródia quando esta possua elementos da obra original existente e também elementos novos derivados da a criatividade do novo autor, que àqueles se somam. O conceito tem respaldo doutrinário e jurisprudencial: “... pode o parodista se aproveitar da base de obra anterior; todavia, deve exercer sua atividade criativa para dar-lhe sentido distinto...”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Paródias, atualmente regidas pelo artigo 47 da Lei de Direitos Autorais<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, pressupõem obra autoral existente, mas não requer autorização prévia do titular da obra originária. Como preconiza o artigo, paródias serão lícitas quando “não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito”. São, como dito, obras autônomas que modificam a obra anterior. Nas palavras de Ascenção: “... a paródia não pode limitar-se ao mero aproveitamento do tema anterior. Tem de se apreciar o seu próprio grau de criatividade, para julgar daquilo a que se chama o “tratamento antiético do tema”<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">A apreciação jurídica de eventual ofensa aos direitos autorais causada por uma paródia é, indubitavelmente, casuística. Contudo, cabe enfatizar que a paródia para ser lícita não requer nada além do disposto na LDA. </blockquote>
Como muito bem preceitua o REsp em questão “a finalidade da paródia, se comercial<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, eleitoral, educativa, puramente artística ou qualquer outra, é indiferente para a caracterização de sua licitude e liberdade”. Logo, a paródia não precisa ser criada, necessariamente, para o humor, crítica ou sátira.
Dado que a “atividade jurisdicional não se destina à crítica artística<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>”, argumentos neste sentido não devem ser suficientes para descaracterizar uma paródia, e, portanto, sua legalidade. Nas palavras do Ministro Bellize “... é imprescindível que a reprodução não se confunda com a obra parodiada, ao mesmo tempo que não a altere de forma que invialibize a identificação pelo publico da obra de referência nem implique em seu descrédito”.
No voto aqui analisado, o Ministro Marco Aurélio Bellizze avança nesta discussão e reconhece que paródias para fins eleitorais não são contrárias à LDA se respeitado o art.47. No voto, são elencados três elementos que confirmam a legalidade da propaganda do ex-Deputado: (i) não há conteúdo ofensivo a outros candidatos, (ii) não há conteúdo ofensivo ao titular da música e (iii) a nova obra não traz descrédito à obra original.
A decisão é importante se consideramos que 2020 será um ano marcado por eleições no Brasil. O período eleitoral é propicio para a criação de paródias, seja por parte dos candidatos seja pelos próprios cidadãos.
Da mesma forma, a decisão também é importante para reforçar elementos que suportam a legalidade das paródias no país, especialmente quando novas tecnologias (como os deepfakes) permitem a criação de novas formas de paródias.
Deepfakes, em linhas gerais, são vídeos nos quais há a sobreposição e mesclagem de diferentes imagens e sons. Tais obras são possíveis de serem desenvolvidas com a ajuda de determinados softwares e utilizando-se de vídeos e sons como “base”. Sendo assim, é possível criar um novo vídeo modificando elementos do primeiro e dos demais que são nele mesclados<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Os deepfakes mais comuns hoje em dia se utilizam de imagens de rostos, vozes, discursos de uma celebridade, pessoa pública ou político<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>. Eventualmente em alguns casos, tais vídeos poderão violar direitos de personalidade da pessoa retratada, conforme regidos pelo Código Civil.
Como ressalta também a decisão, em casos eleitorais, há extensa jurisprudência sobre propaganda eleitoral regular e seus limites, de forma a se evitar situações de difamação, calúnia e injúria. Entretanto, para além de rostos e elementos de personalidade, deepfake também se utilizam de trechos de programas de televisão, videoclipes, novelas, músicas, shows, ou seja, obras protegidas pela LDA<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
O precedente do STJ, portanto, dá fundamento para defesa de que vídeos deepfake com finalidades eleitorais que façam paródia de outras obras, se respeitados os requisitos legais, são lícitos. Em outras palavras, pode-se entender da recente decisão que não obterão sucesso perante o Judiciário os titulares dos direitos de autor que questionem tais vídeos, uma vez respeitados critérios do art. 47.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível no YouTube através do link: <a href="https://www.youtube.com/watch?v=NSVc9Ce_sMg">https://www.youtube.com/watch?v=NSVc9Ce_sMg</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> TJSC - Apelação Cível n. 0000412-86.2016.8.24.0175, Rel. Des. André Luiz Dacol, Sexta Câmara de Direito Civil. Publicado no DJE em 02.04.2018.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Lei 9.610/1998.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2. ed., ref. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 65.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Este ponto também controvertido em decisões anteriores já havia sido reiterado pelo Tribunal de Santa Catarina: “... a criação de paródias e paráfrases, nas palavras do legislador, "é livre”, inexistindo óbices à sua exploração econômica”. TJSC - Apelação Cível n. 0000447-46.2016.8.24.0175, Rel. Des. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil. Julgado em 06.02.2018.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Como já esclareceu a Ministra Nancy Andrighi: “A questão paralela posta pelas recorrentes, a respeito do 'nível' do humor praticado pelo periódico – apontado como 'chulo' – não é tema a ser debatido pelo Judiciário, uma vez que não cabe a este órgão estender-se em análises críticas sobre o talento dos humoristas envolvidos; a prestação jurisdicional deve se limitar a dizer se houve ou não ofensa a direitos morais das pessoas envolvidas pela publicação. Não cabe ao STJ, portanto, dizer se o humor é 'inteligente' ou 'popular'. Tal classificação é, de per si, odiosa, porquanto discrimina a atividade humorística não com base nela mesma, mas em função do público que a consome, levando a crer que todos os produtos culturais destinados à parcela menos culta da população são, necessariamente, pejorativos, vulgares, abjetos, se analisados por pessoas de formação intelectual 'superior' – e, só por isso, já dariam ensejo à compensação moral quando envolvessem uma dessas pessoas, categoria na qual as recorrentes expressamente se incluem logo na petição inicial do presente processo (fls. 05)”  STJ - REsp n. 736.015/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma. Publicado no DJE em 1º/7/2005.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Graças a alta qualidade que tais vídeos alcançaram, deepfakes podem confundir aqueles que os assistem e assim são uma perigosa ferramenta de circulação de conteúdos falsos e desinformação. Não por outra razão há já declarações de redes sociais que pretendem banir tais vídeos de suas plataformas. Dentre elas, o Twitter anunciou que “passará a rotular as fotos ou vídeos que tenham sido “alterados ou fabricados de forma significativa e enganosa”, incluindo deepfakes.” Conforme matéria acessível pelo link https://www.internetlab.org.br/pt/itens-semanario/twitter-plataforma-anuncia-medidas-para-combater-deepfakes/.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> O BuzzFeed e o ator e comediante Jordan Peele se uniram para fazer o “anúncio público” no qual o ex-Presidente Barack Obama apareceria falando frases problemáticas como “o Presidente Donald Trump é um total e completo idiota”. Este deepfake teve grande repercussão internacional e está acessível pelo link: <a href="https://www.youtube.com/watch?time_continue=1&amp;v=cQ54GDm1eL0&amp;feature=emb_logo">https://www.youtube.com/watch?time_continue=1&amp;v=cQ54GDm1eL0&amp;feature=emb_logo</a>
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Entre os mais populares estão os vídeos criados pelo Bruno Sartori e publicados em sua conta no Instagram @brunosarttori.

tiririca

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JOTA

A apreciação jurídica de eventual ofensa aos direitos autorais causada por uma paródia é casuística

Paródias, deepfakes e o ano eleitoral

A apreciação jurídica de eventual ofensa aos direitos autorais causada por uma paródia é casuística