Paris, uma outra cidade

O fim de semana de um ex-morador da cidade ferida após os atentados de 13 de novembro

16/11/2015|16:05
Atualizado em 16/11/2015 às 16:53
O monumento La Republique, em Paris, fica forrado de homenagens às vítimas dos atentados terroristas da última sexta-feira (13)

Em visita a Paris poucas horas depois dos atentados, encontrei uma cidade desconhecida, apesar de ter morado lá durante 15 anos. Encontrei os monumentos históricos e outros lugares familiares, mas tive a sensação de descobrir a cidade pela primeira vez.

D+1, cidade deserta

Meu fim de semana em Paris estava planejado há um tempo. Ia ficar na casa de um amigo no bairro animado de Bastille, sair com amigos a bares e restaurantes da área, num reencontro feliz.

A história foi diferente.

Quando os atentados foram anunciados, já estava na França, mas fora da cidade. Cheguei a Paris de trem-bala no sábado dia 14 de novembro, às 15 horas. A experiência de viagem já era diferente do normal: trem vazio, controle rigoroso das etiquetas de bagagens e um comportamento dos agentes do trem totalmente inédito: o habitual grito deles "passagem, por favor!" havia mudado para um "desculpa incomodar, preciso ver sua passagem, não tenho escolha", constrangido.

Na estação parisiense de Montparnasse, havia mais policiais do que passageiros. Subi num táxi e conversei com o motorista, Koffi, de religião muçulmana. Comentou: "não tem ninguém na cidade hoje, vai continuar vazia hoje à noite também. Tudo está fechado ... Não tem trabalho para mim hoje".

Falamos do momento dos atentados também: "acabei meu serviço antes, mas meus colegas me contaram que trouxeram vários clientes para casa de graça, teve muita solidariedade dos taxistas".

Em seguida, após ouvir na rádio um discurso da Marine Le Pen, líder da extrema-direita francesa, desabafou: "A extrema-direita vai se aproveitar dos eventos. Espero que os franceses não confundam os terroristas extremistas com a população muçulmana” e continuou “a minha tia me contou que hoje nenhuma mulher que usa véu se arriscou a sair no bairro, estão com medo de que isso seja visto como uma provocação."

Os encontros com meus amigos foram todos cancelados. Muitos deles ficaram em casa, seguindo as recomendações da prefeitura. Mas com o meu amigo Pascal, francês, que me hospedava, decidimos andar pelas ruas do bairro, normalmente o mais animado da cidade.

As ruas estavam desertas. A única movimentação era em volta dos locais dos atentados, onde havia um mar de antenas de satélite, jornalistas do mundo todo, turistas, pessoas homenageando com flores, velas, cartas, canções…. O clima era de muita emoção. A multidão estava silenciosa.

Fomos logo num bar badalado da área, "La Caravane", fazendo questão de manter o nosso estilo de vida minimamente. O meu amigo comentou: "é normalmente impossível conseguir uma mesa aqui às 7 horas da noite de um sábado".

Realmente, havia muitos lugares fechados e os poucos lugares abertos estavam meio vazios. Mais tarde, num restaurante de raclettes, “Le Chalet Savoyard”, a garçonete comentou que muitos colegas se recusaram a vir trabalhar hoje, por medo de mais atentados. “Mas tudo bem, já que muitos clientes cancelaram também", concluiu.

Saindo do restaurante, andamos de novo pela ruas até meia-noite e vimos que as homenagens não paravam: havia cada vez mais velas na frentes dos bares alvo dos atentados.

D+2, a caminho de uma nova normalidade

O dia seguinte foi bem diferente. O sol dominical convidava as pessoas a finalmente sair de casa e começar aos poucos uma volta à vida normal.

Depois de uma corrida no parque de Vincennes, bem movimentado, paramos numa padaria. A vendedora confirmou que havia mais clientes que o normal. De tarde, passeando de novo pelas ruas do bairro dos atentados, tudo indicava que a rotina parisiense estava voltando aos poucos: bares abertos, carros circulando. A multidão em volta dos lugares de homenagem era ainda maior.

A praça da République estava cheia de pessoas querendo homenagear as vítimas, apesar da proibição de manifestações. Era bonito. Muita emoção e dignidade. Uma certa normalidade estava voltando aos poucos, como se os parisiense quisessem mostrar que não estavam intimidados.

Infelizmente, fomos todos lembrados que voltar à normalidade anterior aos atentados não será tão fácil. Por volta de 18h30, na rua de Bretagne, no bairro central do Marais, vimos pessoas correndo.

Estava ao telefone e tive que desligar dizendo: "alguma coisa aconteceu, te ligo de volta".

Todo mundo na rua parou de andar e começou a procurar orientações. Carros paravam ou davam meia-volta. Um grupo de mulheres apavoradas se aproximou contando que elas estavam num bar onde todo mundo se jogou no chão depois de ouvir um barulho "de tiro". Estavam procurando um caminho seguro para sair da área.

Um carro parou na nossa frente para fazer perguntas, o motorista contou que "houve tiros na prefeitura da cidade" e concluiu: "eles estão em todos lugares agora. Preciso encontrar a minha filha que está por aqui".

Procurando informação no twitter, não achei nada de fonte oficial. Apareceu um tweet único confirmando "tiros". Nada suficiente para correr, mas também nada para deixar de ficar nervoso. Continuamos andando, observando, trocando informações com cada pessoa que encontrávamos na rua.

Observamos cenas surreais: bicicletas abandonadas no chão, uma moradora gritando pela janela “subam, subam”, oferecendo refúgio, pessoas segurando a porta de entrada de prédios: com semblantes preocupadíssimos, observando a rua e prontas para fechar a porta.

A tensão baixou quando encontramos dois policiais com armamento pesado. Um deles comentou: "não tem problema nenhum, é um alarme falso", "faz dez minutos que repito a mesma coisa".

Um senhor chegou e pediu ajuda ao policial: "pode pegar o meu celular e falar para meu amigo que está tudo bem? Ele não está acreditando. O policial aceitou e continuou repetindo as mesmas frases, desta vez no celular. Havia umas 20 pessoas em volta dos policiais.

Alguém comentou: "é paranoia, então!", alguém  respondeu "não, depois do que aconteceu na sexta-feira à noite, não é paranoia".

Tranquilizados, continuamos andando, passamos pela rue des Rosiers, rua de estabelecimentos judaicos onde já houve atentados nos anos 90. Restaurantes estavam fechando também às pressas. Várias pessoas estavam correndo para fugir do local.

Um grupo de militares estava na porta da sinagoga, respondendo perguntas e tranquilizando as pessoas. Numa rua próxima, chegamos a conversar com um dono de bar "L'Étoile Manquante". O bar já estava vazio, o chão estava sujo de copos e pratos quebrados.

“Todos os meus clientes se jogaram no chão para se esconder", "depois de 5 minutos, deixei que eles saíssem pelos fundos", contou o dono. "A maioria nem pagou a conta, mas tudo bem".

Na avenida seguinte, rue de Rivoli, encontramos mais movimento e vimos que a população já sabia que tudo não passava de alarme falso. A tensão havia acabado e encontramos um bar aberto, para sentar. Meu amigo olhou o histórico dos seus batimentos cardíacos no smartphone e comentou "passei de 80 a 120 batimentos por minuto no começo do pânico, sem correr".

Mudança cultural

O alarme falso demostrou que não será fácil aprender a viver com um novo tipo de risco. Conviver com a violência não é fácil, é pesado mesmo, muitos brasileiros infelizmente sabem disso. Mas esta cena revelou também que diante do perigo, as pessoas se comunicam e se ajudam.

Nunca tinha visto tanta solidariedade e colaboração espontânea nas ruas. Muito menos nas ruas de Paris, onde moradores costumam ser fechados e sisudos em lugares públicos.

A cidade deixou de ser aquela que eu costumava conhecer. Só posso esperar que a solidariedade vista nos últimos dias faça parte da futura cultura parisiense.logo-jota

Os artigos publicados pelo JOTA não refletem necessariamente a opinião do site. Os textos buscam estimular o debate sobre temas importantes para o País, sempre prestigiando a pluralidade de ideias.
Tags Paris