Gabriel Augusto Luís Teixeira Gonçalves

Neste último artigo sobre as novas modalidades de parcelamento e transação tributária para empresas em recuperação judicial (os artigos anteriores podem ser encontrados <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/fazenda-nacional-e-insolvencia" target="_blank" rel="noopener noreferrer">aqui</a><a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>), iremos tratar das discussões envolvendo o conjunto de normas trazidas pela Lei nº 14.112/20 (regulamentada pela Portaria PGFN nº 2.382/21) que tratam da convolação da <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/nova-lei-de-recuperacao-de-empresas-e-falencias-30072021">recuperação judicial em falência</a>.
Sobre a legitimidade da Fazenda Nacional para requerer a falência de devedores em geral (não só daqueles em recuperação judicial), esta série já tratou <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-fazenda-publica-pode-requerer-a-falencia-de-contribuintes-27112020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">antes</a><a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, de maneira que nos limitaremos aqui a discorrer sobre as novas hipóteses inauguradas com a reforma da Lei nº 11.101/05.
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Foram inseridos no art. 73 da LRJF dois novos incisos, V e VI, que trazem a possibilidade de o juiz decretar a falência do devedor em recuperação judicial caso sejam descumpridos o parcelamento ou a transação tributária acordados com o Fisco, ou se forem identificados o esvaziamento patrimonial da devedora que implique em prejuízo à Fazenda.
Também foi previsto no inciso IV, do §4º-A do novo art. 10-A da Lei nº 10.522/02, que uma das consequências da exclusão do devedor do parcelamento é "a faculdade de a Fazenda Nacional requerer a convolação da recuperação judicial em falência.".
Pois bem, essas normas têm gerado inúmeros debates, em alguns casos se alegando que é um exagero convolar a RJ em falência pelo descumprimento do parcelamento ou da transação tributária, e em outros casos que termos como "esvaziamento patrimonial" são amplos demais, e podem dar azo a arbitrariedades, trazendo insegurança jurídica.
Não obstante, entendemos que essas críticas não procedem, e que, na realidade, novamente acertou o legislador, trazendo lógica e completude ao sistema de insolvência. Senão vejamos.
Em primeiro lugar, é importante ressaltarmos que a falência não é uma punição, mas apenas uma ocorrência natural na sociedade de mercado. Por muito tempo prevaleceu o estigma de que a falência seria uma sanção ao empreendedor, algo que a Lei nº 14.112/20 buscou afastar de uma vez por todas (seja encerrando a falência de maneira mais rápida, ou abreviando os prazos para extinção das obrigações do falido).
Assim, deve-se compreender sob o prisma lógico-jurídico as normas de convolação da RJ em falência que aqui serão debatidas, como parte integrante de um sistema que disciplina as regras atinentes à insolvência das pessoas jurídicas, e não como uma punição ao empreendedor que passa por dificuldades.
Ademais, esse raciocínio reforça a ideia de que não se deve evitar a falência a qualquer custo, buscando-se de qualquer maneira salvar a recuperação judicial.  Pelo contrário, deve-se resguardar esse instituto para os casos em que é de fato viável a recuperação, deixando que aqueles que não o são, sejam levados à falência, que, nos termos da lei, "é mecanismo de preservação de benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial, por meio da liquidação imediata do devedor e da rápida realocação útil de ativos na economia." (art. 75, §2º, da Lei nº 11.101/05).
Em segundo lugar, é muito clara a importância que o legislador deu ao credor tributário na reforma da LRJF, entendendo que não há efetiva recuperação judicial se não for saneado o passivo fiscal. Com esse objetivo, enfrentou diversos dos gargalos que havia para que a recuperanda pudesse renegociar suas dívidas com a Fazenda Pública, além de editar normas que induzem essa aproximação entre o devedor e o Fisco.
Nesse sentido, é um corolário natural a previsão de que o descumprimento do acordo com a Fazenda levará à decretação da falência da devedora, assim como ocorre para os demais credores concursais (arts. 61, §1º e 73, IV, da LRJF). Ora, se o descumprimento do acordo com o credor privado leva à falência, nada mais justo do que o mesmo ocorrer quando for inadimplido o acordo com o credor público.
Lembre-se, que nos últimos dois artigos demonstramos que tanto o parcelamento, quanto a transação tributária, contêm disposições que atendem, com bastante folga, as necessidades da maioria das empresas em recuperação judicial.
Portanto, não há que se argumentar que o credor concursal se submeteu a maiores sacrifícios, e por isso teria direito ao benefício da convolação em falência, para garantir o cumprimento de seu acordo. A Fazenda Pública também está dando sua cota de sacrifício para viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor.
Além disso, explicamos como a própria lei já trouxe mecanismos que permitem às recuperandas certa flexibilidade no cumprimento dos acordos entabulados, evitando que dificuldades momentâneas levem à sua rescisão. Trata-se de medida bastante salutar quando se considera que esses acordos podem durar até 10 anos, prazo deveras longo e durante o qual muita coisa pode acontecer.
E também não podemos esquecer que a postura da PGFN é de colaborar com o contribuinte, existindo um amplo leque de opções para negociação em caso de dificuldades no cumprimento dos acordos, como também foi abordado em nosso último artigo.
Outrossim, há a importante obrigação da PGFN, contida no inciso VI, do artigo 6º, da Portaria PGFN nº 2.382/21, de notificar previamente a recuperanda sempre que se verificar a ocorrência de alguma hipótese de rescisão do acordo, com a concessão de prazo para regularização.
Com isso, temos mais uma clara abertura da Procuradoria à colaboração e à negociação com o contribuinte, com normas que buscam, na verdade, evitar a rescisão dos acordos celebrados, desde que haja a cooperação da recuperanda.
Dessa forma, fica claro que a exclusão do devedor do parcelamento ou da transação indica uma real impossibilidade de soerguimento da recuperanda, o que torna a consequente convolação da RJ em falência um consectário lógico do sistema, evitando o prosseguimento de um processo de recuperação judicial que já se sabe ineficaz.
Em terceiro lugar, a decretação da falência quando configurada a hipótese prevista no inciso VI, do art. 73, da LRJF, também traz fechamento lógico ao sistema de insolvência desenhado pela Lei nº 11.101/05.
Em que pese a locução "esvaziamento patrimonial da devedora que implique liquidação substancial da empresa" contenha certa abertura semântica, ela é complementada pela locução "em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial, inclusive as Fazendas Públicas.", que delimita o sentido do que será considerado causa de convolação da RJ em falência.
<blockquote class="jota-article__eye">Portanto, para que seja decretada a falência da recuperanda com fundamento em esvaziamento patrimonial que implique liquidação substancial da empresa, deverá ser comprovado o efetivo prejuízo ao fisco.</blockquote>
E o §3º do próprio artigo 73 se ocupa de esclarecer o que caracteriza a liquidação substancial, autorizando até mesmo a realização de perícia específica para essa finalidade.
O objetivo dessas disposições é muito claro, evitar que os credores extraconcursais sejam prejudicados pela alienação de bens e direitos da recuperanda para pagamento exclusivamente das dívidas incluídas no plano de recuperação judicial, pois nesse caso em posterior falência não haveria mais bens para serem arrecadados para pagamento dos demais credores.
Essa foi uma situação muito comum que quem atua na defesa das Fazendas Públicas encontrou nos últimos anos. Vendia-se tudo que a empresa em recuperação tinha de valor para pagamento dos credores concursais, o que levava à sua falência, e nesse momento o credor tributário, que pela ordem prevista no art. 83 da LRJF deveria ser privilegiado, nada recebia.
Tanto é assim que o inciso XVIII do artigo 50, ao prever que a venda integral da recuperanda é um dos meios de recuperação possíveis, deixa claro que os credores não submetidos ao plano (como o Fisco) também devem ser satisfeitos, sendo garantidas condições no mínimo iguais às que encontraria na hipótese de falência da devedora.
Nesse mesmo sentido, o inciso II, do §2º-A, do art. 10-A da Lei nº 10.522/02 também reforça o argumento de que o objetivo da reforma, nesse ponto, foi garantir que não ocorram mais casos de esvaziamento patrimonial e liquidação substancial da empresa em prejuízo dos credores fiscais, que acabavam financiando os credores concursais.
Outrossim, a fim de evitar que essa regra viesse a diminuir o interesse de investidores na aquisição de ativos vendidos por empresas em recuperação judicial, o §2º do art. 73 prevê que mesmo em se constatando o esvaziamento patrimonial, os atos de alienação serão reputados válidos.
Isto posto, entendemos que não ao contrário de trazer insegurança jurídica, essa hipótese de convolação da recuperação judicial em falência, quando interpretada em conjunto com os demais dispositivos aqui citados, traz uma regra bastante clara: os credores extraconcursais, tanto quanto os concursais, devem ter seus direitos preservados e não serem prejudicados pela alienação de ativos da recuperanda.
Por fim, um avanço legislativo que poderá vir a auxiliar a interpretação de todos os dispositivos tratados nos últimos artigos é a aprovação do PL 1.646/2019, que estabelece medidas para o combate ao devedor contumaz.
Uma vez que tenhamos regras que deixem claro quem é o mau pagador de tributos e quem é o contribuinte que apenas está passando por dificuldades, ficará mais fácil identificar qual é o esvaziamento patrimonial fraudulento, que deve ser combatido, e qual é o contribuinte que merece um tratamento mais benéfico nos momentos de crise.
É certo que muitas questões sobre os novos parcelamento e transação para empresas em recuperação judicial irão surgir ao longo do tempo e conforme os casos concretos sejam julgados e a lei aplicada, mas esperamos que esta sequência de artigos, ao apresentar outros pontos de vista e argumentos, contribua para fomentar o debate e promover o avanço das discussões.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://youtu.be/b9z7dDRHnrg
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/fazenda-nacional-e-insolvencia">https://www.jota.info/tudo-sobre/fazenda-nacional-e-insolvencia</a>&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-fazenda-publica-pode-requerer-a-falencia-de-contribuintes-27112020">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-fazenda-publica-pode-requerer-a-falencia-de-contribuintes-27112020</a>&gt;.

calculadora e dinheiro

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JOTA

A possibilidade do Fisco pedir a convolação da recuperação judicial em falência

Parcelamento e transação tributária para empresas em recuperação judicial

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