Gabriel Augusto Luís Teixeira Gonçalves

Esta <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/fazenda-nacional-e-insolvencia">série</a> sobre a relação da Fazenda Nacional com os processos de insolvência foi planejada para ter apenas os 5 artigos publicados no ano de 2020. No entanto, dada a grande repercussão que vêm tendo as mudanças operadas na  Lei nº 11.101/05 em relação ao Fisco, acreditamos que é interessante retomar a série com algumas novas considerações sobre a matéria.
Já expusemos anteriormente, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-superacao-do-dualismo-entre-o-credito-tributario-e-a-recuperacao-judicial-16102020">em duas</a><a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a><a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-superacao-do-dualismo-entre-o-credito-tributario-e-a-recuperacao-judicial-16102020"> ocasiões</a><a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, nosso entendimento de que já não havia mais motivos para que os Tribunais não aplicassem o artigo 57 da Lei nº 11.101/05, e exigissem que as empresas em recuperação judicial buscassem a regularização de seu passivo fiscal. Após a publicação da Lei nº 14.112/20, voltamos a nos <a href="https://www.conjur.com.br/2020-dez-19/opiniao-credito-publico-recuperacoes-judiciais" target="_blank" rel="noopener noreferrer">manifestar</a><a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> nesse mesmo sentido, entendendo que a reforma da Lei de Recuperações Judiciais e Falências (LRJF) trouxe novas opções para saneamento da dívida perante o credor tributário que importaram em melhoria do cenário existente para as recuperandas, o que deveria colocar uma pá de cal sobre as alegações de impossibilidade de cumprimento do artigo 57.
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<a href="https://conteudo.jota.info/carf-previsivel"><img class="aligncenter wp-image-292715 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/carf-previsivel.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Apesar disso, temos verificado algumas confusões a respeito do tema nos diversos eventos virtuais que têm sido realizados para debater a reforma da LRJF, razão pela qual entendemos pertinente trazer algumas observações (ressaltando-se que são opiniões pessoais do autor, e não manifestação institucional da PGFN).
Em primeiro lugar, é imprescindível reconhecer que após longa discussão no Congresso Nacional foi mantido o artigo 57 na LRJF, o mesmo que gerou todos os debates abordados nos artigos citados acima, e que exige que as empresas em recuperação judicial equalizem sua situação perante o Fisco para que seja homologado o plano de recuperação judicial.
Isso tem um peso que não pode ser desconsiderado pelos operadores do Direito. Significa que o Poder Legislativo decidiu por manter essa regra, após sopesá-la com todo o sistema de insolvência desenhado pela reforma da LRJF, e com os princípios ali insculpidos, além, claro, de levar em consideração a realidade existente no mundo dos fatos após 15 anos de aplicação da Lei nº 11.101/05. Reconheceu assim o importante papel que a regularização do passivo fiscal tem no soerguimento das empresas em crise, tornando-a um importante pilar do processo de recuperação. Dessa maneira, qualquer argumentação no sentido de não aplicação do artigo 57 (ou de sua ineficácia, como queiram) deve necessariamente passar pela declaração de sua inconstitucionalidade, com base na violação de norma constitucional.
Como não vislumbramos a violação de qualquer norma constitucional  por esse artigo (muito pelo contrário), passaremos a discorrer sobre algumas questões que têm sido levantadas em debates sobre o parcelamento e a transação regulamentadas pela reforma da LRJF, trazendo à lume alguns aspectos dessas novas regras que podem ter passado despercebidos.
"Mas o parcelamento não é bom"
Esse é um dos principais argumentos aventados por aqueles que desejam que seja mantido o atual cenário. Claro, quando comparado com a situação existente, em que não há qualquer pagamento de tributos, inclusive os correntes e cujos fatos geradores ocorreram após o deferimento do pedido de recuperação judicial, é certo que parcelamento algum será considerado bom. No entanto, levando-se em conta os meios legais disponíveis, trata-se de um parcelamento com excelentes benefícios, e que, entendendo a difícil situação pela qual passam as empresas que buscam a recuperação judicial, traz vantagens adequadas e que facilitam a superação desse quadro.
Com efeito, no pedido de desafetação do Tema 987 que a PGFN apresentou ao STJ é constatado que o estoque de dívida de empresas em recuperação judicial inscrita em dívida ativa da União é superior a cem bilhões de reais, em uma estimativa bastante tímida, como indicado na própria petição. Além disso, desse estoque de dívida apenas 8% encontra-se com a exigibilidade suspensa (ou seja, que foi de alguma forma regularizado), enquanto para as demais empresas o índice de regularidade médio é de 32%, ou seja, 4 vezes maior.
Ora, muito disso decorre do panorama que era encontrado até 2020, quando acabou-se por produzir um incentivo perverso às empresas em recuperação judicial para que não regularizassem seu passivo fiscal, uma vez que podiam continuar exercendo suas atividades sem serem incomodadas pelo não pagamento de tributos (inclusive contratando com o próprio poder público sem a apresentação de CND, pasmem).
Contudo, uma análise fria e sóbria do parcelamento inserido no art. 10-A da Lei nº 10.522/02 deixa claro que se trata de uma excelente opção para as empresas em recuperação judicial. Senão vejamos.
O parcelamento ali previsto se aplica a todos os créditos fazendários, tributários ou não tributários, inscritos ou não em dívida ativa, inclusive aqueles vencidos após o pedido de recuperação judicial, desde que já existentes na data do pedido (assim como prevê o art. 49 da LRJF para os credores concursais). Não há que se falar na inclusão de débitos vencidos após o protocolo da petição inicial, pois se esse fosse o caso teria a lei criado um incentivo para que as recuperandas não pagassem seus tributos correntes, tendo em vista os inúmeros benefícios desse parcelamento previsto no art. 10-A.
<blockquote class="jota-article__eye">O prazo máximo do parcelamento é de 10 anos (e o parágrafo 7º-A prevê que para ME e EPP esse prazo será 20% maior), sendo que nos dois primeiros anos é pago apenas 13% da dívida total (o normal, caso não houvesse escalonamento, seria 20%.</blockquote>
A título de exemplo, o parcelamento de uma dívida de R$ 1 milhão teria as 12 parcelas iniciais no valor de cerca de R$ 5 mil e as 12 seguintes no valor de cerca de R$ 6 mil - bastante razoável, há que se concordar). Ressalte-se que o prazo médio para pagamento dos credores quirografários é de 9 anos, de acordo com o relatório  “Recuperação Judicial no Estado de São Paulo – 2ª Fase do Observatório de Insolvência”, do Núcleo de Estudos de Processos de Insolvência – NEPI da PUCSP e da Associação Brasileira de Jurimetria – ABJ.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Ademais, foi possibilitado o pagamento de até 30% dos débitos ainda não inscritos em dívida ativa da União (via de regra, os mais recentes, ou aqueles que foram objeto de contencioso administrativo) com a utilização de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL, caso em que o restante será parcelado em até 84 vezes. Trata-se de medida extremamente vantajosa, considerando que a maioria das empresas em recuperação carrega em seus balanços relevantes valores de prejuízo fiscal.
O §1º-C endereçou uma das principais críticas que havia no parcelamento da Lei nº 13.043/14, que era a obrigatoriedade de se incluir todos os débitos no parcelamento, inclusive aqueles que estavam sendo discutidos judicialmente. Agora, é permitido ao devedor deixar de fora do parcelamento os débitos que estão sendo discutidos, desde que estejam garantidos ou com sua exigibilidade suspensa (o que faz todo o sentido, visto que se não houvesse essa exigência teríamos um incentivo à litigância, o que não se coaduna com os princípios processuais modernos de redução da litigiosidade).
Já o parágrafo 4º trouxe a extensão do número de parcelas inadimplidas que levam à rescisão do parcelamento. Se para as demais modalidades de parcelamento o art. 14-B da mesma Lei nº 10.522/02 estabelece que a falta de pagamento de 3 parcelas, consecutivas ou não, implica na rescisão automática do parcelamento, para as empresas em recuperação judicial o §4º do artigo 10-A prevê que somente levará à exclusão do sujeito passivo do parcelamento o inadimplemento de 6 parcelas consecutivas ou de 9 parcelas alternadas.
Trata-se de uma mudança muito grande, que não pode passar despercebida. Por certo, isso traz uma margem de manobra significativa para as empresas em recuperação judicial, pois podem adequar o pagamento das parcelas a eventuais dificuldades de caixa que estejam passando, sem que isso acarrete a rescisão do parcelamento. Foi muito sensível nesse ponto o legislador, que compreendeu que em um acordo que pode durar tanto tempo (uma década), deve haver espaço para suportar atrasos no seu cumprimento pontual.
Ainda no artigo 10-A, o parágrafo 7º afasta a obrigação de prestação de garantia para parcelamentos de valores vultosos (hoje regulamentado pela Portaria PGFN nº 448/2019), bem como a obrigação de pagamento de entrada no caso de reparcelamento. Isso permite que as recuperandas que possuem débitos de valores milionários possam incluí-los no parcelamento sem ter que gravar seu patrimônio, facilitando assim a negociação para os grandes devedores.
Por sua vez, o art. 10-B dispõe sobre outra vantagem concedida às empresas em recuperação judicial: a permissão para parcelar os tributos passíveis de retenção na fonte. Como se trata de exceção, já que o parcelamento desses tributos não é permitido aos demais devedores (art. 14, I e II, da Lei nº 10.522/02), é bastante justificável o prazo menor do parcelamento concedido nesse caso.
Claro que para a concessão de tamanhas vantagens, também são exigidos alguns compromissos do devedor, o que é mais do que razoável. Nesse sentido, temos aqueles previstos no §2º-A do art. 10-A, sendo que o que tem trazido maiores questionamentos é o estabelecido no inciso II, regulamentado pelo §2-B, e que trata do dever de se utilizar uma parte do produto da alienação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante para a amortização do parcelamento.
Essa previsão traz segurança ao credor fazendário, posto que o que mais se viu nos últimos anos do lado do Fisco foram casos em que se vendia todo o ativo não circulante da empresa devedora durante a recuperação judicial, utilizando-se o produto da venda para pagamento dos credores concursais, e então convolava-se a recuperação em falência, quando já não havia mais bens a serem arrecadados, e o Fisco ficava "a ver navios", mesmo sendo um credor preferencial (como estabelecido no parágrafo único do artigo 186 do CTN e no artigo 83 da LRJF).
Assim, buscando evitar fraudes desse tipo, andou bem o legislador ao prever que parte do valor arrecadado com a venda desses bens e direitos seja destinada ao pagamento do parcelamento. Nesse diapasão, há que se registrar que a própria lei prevê que no máximo 30% será destinado ao Fisco, sendo que o percentual exato a ser destinado para a amortização do parcelamento corresponderá à razão entre o valor total do passivo fiscal e o valor total de dívidas do devedor, na data do pedido de recuperação judicial.
Consideramos esse mais um acerto do legislador, pois adequar o percentual que o credor fiscal receberá à relevância de seu crédito no cotejo com os demais credores atende aos ditames dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Portanto, nos parece bastante claro que a alegação de que "o parcelamento não é bom" não pode encontrar guarida na aplicação da nova LRJF.
Nos próximos artigos trataremos dos demais questionamentos que têm sido feitos no que diz respeito aos novos parcelamento e transação tributária para empresas em Recuperação Judicial.
<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/fazenda-nacional-e-insolvencia" target="_blank" rel="noopener noreferrer" data-saferedirecturl="https://www.google.com/url?q=https://mail-inspector.serpro.gov.br/mailinspector/tap/WarningUrlPage.php?HSCTYPE%3D0%26HSCRULE%3D4%26HSCID%3DRENCNkE0OEVFN0EuQUZFQzg%3D%250D%26HSCMLICHECKID0005%3Dca3ae3518303d6317c9030625e98307d%26URLCHECKHSCMLI09132012warnning%3DaHR0cHM6Ly93d3cuam90YS5pbmZvL3R1ZG8tc29icmUvZmF6ZW5kYS1uYWNpb25hbC1lLWluc29s%250DdmVuY2lh&amp;source=gmail&amp;ust=1614377385658000&amp;usg=AFQjCNETqRh8kD4nuwrA-pfeKVXdzROkig">***Esse artigo é parte de uma série coordenada pelo Núcleo de Falências e Recuperações Judiciais da PGFN em São Paulo. Acompanhe todas as publicações pela tag #Fazenda-Nacional-e-Insolvência</a>
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O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:
https://youtu.be/9Tv7gNDT4Rw
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<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> <a href="https://www.conjur.com.br/2020-dez-19/opiniao-credito-publico-recuperacoes-judiciais" target="_blank" rel="noopener noreferrer">https://www.conjur.com.br/2020-dez-19/opiniao-credito-publico-recuperacoes-judiciais</a>
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[4]</a> <a href="https://abjur.github.io/obsFase2/relatorio/obs_recuperacoes_abj.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">https://abjur.github.io/obsFase2/relatorio/obs_recuperacoes_abj.pdf</a>. Acesso em 27/02/2021.

Fotos produzidas pelo Senado

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JOTA

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