Diogo R. Coutinho

A pandemia de COVID-19 levou à edição de normas jurídicas emergenciais em diversos setores da economia, em todo o planeta.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1] </a>No caso do setor elétrico brasileiro, um mercado intensamente regulado, não foi diferente. Nesse contexto deve ser compreendido o esforço, por parte da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de estruturar uma Revisão Tarifária Extraordinária (RTE) para possibilitar a recuperação das concessionárias de distribuição de energia elétrica no que diz respeito a eventuais desequilíbrios econômico-financeiros causados pela pandemia. Esse esforço não pode ignorar, no entanto, a legislação que rege as concessões, as condições definidas nos contratos e, de resto, o direito público brasileiro em vigor.
Em meados de 2020, a Aneel abriu uma consulta pública para obter subsídios para elaborar uma resolução voltada a regulamentar o Decreto nº 10.350/2020 quanto aos aspectos financeiros que a calamidade pública e a emergência de saúde pública decorrentes da pandemia têm causado nas concessões e permissões de distribuição de energia. Nas contribuições que deram à Consulta Pública 35, as concessionárias resumidamente alegam que como a pandemia não estava prevista em sua matriz de risco, seus efeitos devem ser integralmente absorvidos pelo poder concedente (leia-se: pelo consumidor final).
<a href="http://conteudo.jota.info/aprovometro-jota"><img class="aligncenter wp-image-292714 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/aprovometro.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a> 
Isso equivale a dizer que, no limite, qualquer perda de faturamento por tais empresas experimentada no período da pandemia pode ser atribuída ao desequilíbrio contratual causado especificamente por esse fato exógeno. Com base nisso, as empresas sustentam que a recomposição integral pleiteada deve ser, em termos práticos, calculada pela diferença apurada entre o faturamento esperado em 2020 e aquele faturamento efetivamente realizado em cada área de concessão. O faturamento esperado, por sua vez, seria obtido como a média de crescimento de dez anos.
Na visão das distribuidoras, essa solução estaria lastreada pelo art. 37, XXI da Constituição Federal, que garante a manutenção das condições efetivas da proposta de licitação ao longo da execução dos decorrentes contratos de concessão. Também teria fundamento na Lei de Licitações, em seu art. 65, que determina, entre outras coisas, que alterações contratuais devem dar conta de efeitos produzidos por fatos imprevisíveis que configurem álea econômica extraordinária e extracontratual, casos esses em que a relação inicialmente pactuada pelas partes será restabelecida com o fim de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
De fato, a pandemia se traduz como um fato econômico extraordinário, o que, como a própria Aneel não deixa de reconhecer, justifica um processo de RTE. Mas isso não significa presumir que tal revisão deva ocorrer nos exatos termos – jurídicos e metodológicos – propostos pelas empresas envolvidas. Isso porque é preciso demonstrar, em observância às próprias regras que presidem as concessões de serviço público, que a pandemia efetivamente causou determinados efeitos negativos. Tais efeitos, por sua vez, devem ser avaliados e quantificados pela Aneel à vista da matriz de risco que compõe os contratos de concessão.
Ademais, é preciso levar em conta que o regime regulatório adotado nas concessões de distribuição de energia no Brasil segue o modelo de price cap, uma forma de regulação baseada em incentivos, e não a tradicional (e já superada) tarifação pela taxa interna de retorno (ou tarifação pelo custo do serviço), pela qual os preços (tarifas) devem remunerar os custos totais.
A teoria econômica ensina que, no regime de price cap, define-se um preço-teto para os preços médios da firma. A correção desses preços é feita com determinada periodicidade, tendo como referência a evolução de um índice de preços ao consumidor, do qual se subtrai, em regra, um percentual associado à produtividade da empresa regulada – o chamado fator X. Vale observar que, com regras mais simples e transparentes, esse método é tido como alternativa capaz de proporcionar o maior grau de liberdade de gestão possível para empresas em regime de monopólio natural, além de estimular ganhos de produtividade e sua transferência para consumidores.
<blockquote class="jota-article__eye">Mas é importante frisar que o modelo tarifário em vigor não garante ou assegura qualquer nível predeterminado de receita ao agente regulado.</blockquote>
Isso quer dizer que, ao tomar por base a perspectiva dinâmica dos ganhos de eficiência e de produtividade, o regime de price cap pode ocasionar tanto aumentos, quanto reduções das tarifas. Por essa razão, uma empresa concessionária de energia elétrica pode se beneficiar de ganhos decorrentes do crescimento do mercado ou, analogamente, pode também ter de arcar com certas perdas decorrentes de sua redução ou contração temporária.
Portanto, não é correto nem adequado dar de barato que todo e qualquer suposto impacto financeiro ou econômico negativo nas concessões no ano passado deva ser, de pronto, atribuído à pandemia e, consequentemente, ficar sujeito a quantificação para fins de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro da concessão.
Nesse contexto, os dispositivos legais invocados pelas concessionárias para transferir o ônus da crise sanitária para consumidor final simplesmente apontam que os contratos podem ser alterados em caso de manifestação de álea econômica extraordinária e extracontratual para o estabelecimento da relação originalmente pactuada entre as partes.
Disso se extrai, apenas, que um evento como a pandemia pode ocasionar uma recomposição tarifária. Não se extrai, porém, qualquer orientação específica quanto à necessidade de se utilizar o faturamento previsto ou verificado no passado como baliza para a recomposição contratual. Em resumo, se levar ao pé da letra o pleito e o método de recomposição das concessionárias, a Aneel poderá promover transferências indesejadas e ilegais de renda do consumidor para empresas privadas.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=b9z7dDRHnrg
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[1] Este artigo é uma versão resumida de um parecer jurídico elaborado a pedido do IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

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JOTA

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