José Augusto Fontoura Costa

Vivian Rocha

<p>O problema é bastante simples: mesmo havendo pacto de jurisdição indicando foro estrangeiro, tem o juiz brasileiro jurisdição sobre uma causa idêntica à tratada em processo iniciado anteriormente no exterior? O tratamento dado pelo Código de Processo Civil (CPC) combinado com a jurisprudência brasileira parecem responder com o “depende”, ora temido, ora apreciado pelos advogados e juízes.</p>
<p>Pactos de jurisdição podem ser definidos como negócios jurídicos dedicados a delimitar a cobertura jurisdicional para conhecer e julgar questões entre as partes e no âmbito material contemplado pelo acordo. Compõe-se de base fática de natureza voluntária cuja validade e efeitos jurídicos dependem das regras sobre jurisdição internacional de cada Estado.<br />
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<p>No Brasil, o CPC trata essa matéria no Artigo 22, III e no Artigo 25. A primeira regra estabelece os efeitos positivos do pacto de jurisdição ao afirmar a competência da autoridade brasileira para ações “em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional”. Deste modo, ainda que inexista qualquer vínculo material ou subjetivo com o Brasil, a vontade das partes é elemento suficiente para estabelecer um vínculo que sustenta o pleno exercício da jurisdição.</p>
<p>Já o Artigo 25 estabelece os efeitos negativos do pacto, ou seja, a hipótese em que o juiz brasileiro não tem jurisdição em decorrência da vontade das partes. A hipótese é bastante assimétrica em relação à da outra norma pois (1) é restrita à matéria contratual, (2) em contrato internacional, (3) devendo haver alegação pelo réu na contestação e (4) estar o negócio jurídico em cláusula contratual de jurisdição exclusiva.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>Essa norma, porém, já responde parte da questão inicial: se houver no contrato internacional uma cláusula de jurisdição estrangeira na qual se exclua o juízo brasileiro e isso for tempestivamente alegado, não há sequer necessidade de discutir eventual litispendência.</p></blockquote>
<p>E se a cláusula não for exclusiva? Então é preciso seguir a análise e avaliação, levantando, em lugar da renúncia inequívoca à jurisdição, a hipótese da litispendência internacional. O tema é abordado no Artigo 24 do CPC: “a ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas”. A exceção legal é para disposições em contrário “de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil”. Nesse sentido, para relações cobertas pelo Código de Bustamante, em razão de seu Artigo 394, é indubitável a oponibilidade de litispendência. Ademais, para o âmbito do Mercosul, o Artigo 22 do Protocolo de Las Leñas (Decreto 6.891/09) deve ser lembrado.</p>
<p>Desse modo, em princípio, o juiz brasileiro tem jurisdição sobre causas derivadas de contratos internacionais com cláusulas de jurisdição estrangeira, ainda que causa idêntica corra no exterior ou, havendo coisa julgada lá, não exista todavia homologação no Brasil. As hipóteses legais derrogatórias da jurisdição se restringem às hipóteses de cláusula de jurisdição exclusiva e incidência do Código de Bustamante.</p>
<p>Não obstante, há uma saída de origem jurisprudencial: o emprego do importante princípio jurídico conforme o qual é vedado agir contra fato próprio (<em>venire contra factum proprium</em>). No REsp 1.091.299-RJ o STJ decidiu haver, <em>in casu</em>, “um <em>plus</em>, consistente na opção livre que as partes fizeram pelo foro” estrangeiro e “mesmo que as partes tenham eleito o foro sem exclusividade, ainda assim prevalece a jurisdição inglesa porque no momento que se propôs a demanda em Londres e a parte contrária não se insurgiu (...) não podendo agora, apenas pela conveniência [da parte que] se viu perdedora na Corte inglesa, a busca da prestação jurisdicional sobre fatos já julgados”. Embora a decisão aplique o antigo CPC, Artigos 88 a 90, a decisão discute o Artigo 25 do CPC atual e encontra, ali, apoio para os argumentos do tribunal.</p>
<p>O raciocínio do tribunal, ademais, afasta-se da discussão da litispendência, afirmando se tratar de questão adstrita ao campo da jurisdição e “se não há jurisdição brasileira, então nenhum órgão jurisdicional terá competência. É a conclusão lógica, pelo que a exceção não é necessária.” Deste modo, a efetiva participação em juízo estrangeiro para a discussão do mérito é considerada como constitutiva de um curso de atuação consistente e a busca da jurisdição brasileira apenas depois de haver sentença contrária violaria princípios fundamentais do Direito, como a boa fé e a proibição de agir contra fato próprio.</p>
<p>Resta saber se esses argumentos seriam aplicáveis para ampliar o campo de aplicação do Artigo 25 do CPC ou se tal jurisprudência não ultrapassa a vigência do código revogado. Trata-se, não obstante, de linha argumentativa sedutora, apesar de potenciais fragilidades técnicas de sua extrapolação para o Direito positivo atual.</p>
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JOTA

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