Thábata Filizola Costa

Cecília Meireles (2002), em poesia voltada para o público infantil, mas apreciável por todas as idades, provoca reflexões sobre a renúncia intrínseca ao processo de escolha que sintetizam o desafio da gestão pública de alocar recursos limitados em um contexto de múltiplas demandas: “ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro. Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo… e vivo escolhendo o dia inteiro!”.
O processo de escolha política é ainda mais desafiador, especialmente em um país de dimensões continentais e recordista em concentração de renda, como o Brasil<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Diante dessa realidade, as decisões precisam ser qualificadas e mensuradas em termos de eficácia, efetividade e eficiência, com lastro nos mandamentos constitucionais programáticos e principiológicos, observando-se, ainda, a permeabilidade do debate deliberativo ao longo do ciclo da política pública.
O ciclo de políticas públicas é composto por sete processos, segundo Vázquez e Delaplace (2011): inclusão do problema na agenda pública, estruturação do problema (com o diagnóstico de suas causas), identificação das soluções possíveis, análise das soluções possíveis (pontos negativos e positivos), tomada de decisão (escolha), implementação e avaliação.
O monitoramento pode ser conceituado como o acompanhamento da implementação da política pública e envolve a coleta de informações relacionadas ao andamento das metas programadas e à aplicação dos recursos previstos, possibilitando a identificação dos problemas que estão interferindo na consecução dos objetivos previstos e a realização dos ajustes necessários. A avaliação, por sua vez, fornece ao gestor informações mais aprofundadas sobre os efeitos (positivos e negativos, previstos originalmente ou não) dos programas após sua implementação, para aprimorar as atividades em andamento e subsidiar a tomada de decisões futuras (VAITSMAN, RODRIGUES e PAES-SOUSA, 2006).
O monitoramento e a avaliação das políticas públicas mostram-se imprescindíveis para fundamentar e aprimorar as decisões, além de possibilitar maior responsividade e accountability à atividade governamental.
Faria (2005) atenta, ainda, para o caráter político da avaliação, que ultrapassa seu aspecto técnico-instrumental. Uma “política de avaliação de políticas públicas”, segundo o autor, abarcaria as discussões relacionadas aos interesses prioritários do Estado e “à busca de acomodação de forças”, entre outras questões relacionadas às disputas de poder. Nesse sentido, a avaliação pode ser utilizada, inclusive, como instrumento de persuasão, “para mobilizar o apoio para a posição que os tomadores de decisão já têm sobre as mudanças necessárias na política ou programa” (FARIA, 2005, p.102-103).
A avaliação das políticas públicas ganha status constitucional com a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc109.htm">Emenda nº 109</a>, de 15 de março de 2021, que inclui no art. 37 da Constituição Federal o seguinte §16: “Os órgãos e entidades da administração pública, individual ou conjuntamente, devem realizar avaliação das políticas públicas, inclusive com divulgação do objeto a ser avaliado e dos resultados alcançados, na forma da lei”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Foram apresentadas ao Congresso as seguintes proposições, com o objetivo de regulamentar o novo dispositivo constitucional: o Projeto de Lei Complementar nº 64/2022, de autoria da deputada Tabata Amaral (PSB-SP), em tramitação na <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/camara-dos-deputados">Câmara dos Deputados</a>, e o Projeto de Lei nº 2.341/2021 e o Projeto de Lei Complementar nº 61/2022, ambos de autoria do senador Rogério Carvalho (PT-SE), em tramitação no Senado. As proposições traçam diretrizes para o monitoramento e a avaliação de políticas públicas e sugerem alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal para que se inclua Anexo de Avaliação de Políticas Públicas à Lei de Diretrizes Orçamentárias. Todas estão em fase inicial de tramitação. A abertura da discussão para a obtenção de contribuições advindas da comunidade acadêmica e da sociedade civil seria um fator qualificador desse processo.
Em Minas Gerais, destaca-se a iniciativa da Assembleia Legislativa para o aprimoramento da função fiscalizatória do Parlamento mineiro por meio do Fiscaliza Mais. O projeto consiste em um conjunto de atividades protagonizadas pelas comissões permanentes da Casa, que selecionam temas específicos de políticas públicas afetos à sua atuação para fins de acompanhamento intensivo ao longo do ano, com a realização de reuniões, visitas, audiências públicas e processos participativos, e a elaboração de relatórios finais contendo as proposições e o monitoramento dos desdobramentos (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, 2022).
O protagonismo do Poder Legislativo na criação de uma “política de avaliação de políticas públicas” tem como vantagem sua maior permeabilidade às demandas da sociedade, desde a identificação dos problemas elencados para a formação da agenda política, permitindo-se o protagonismo dos destinatários das normas que regulamentarão as políticas públicas. O Legislativo é, por natureza, o espaço privilegiado de vocalização das preferências, de representação de grupos, de exercício da cidadania.
A qualidade da norma e a efetividade das políticas públicas passam, necessariamente, por essa interlocução. Só assim os direitos fundamentais que se busca resguardar ganham condições de sair do papel, como conclui Soares (2002, p.330) em sua tese de doutorado: “O estado que se desenha sob o influxo da participação popular é capaz de dividir com a comunidade a responsabilidade pela concretização dos fins do estado de direito materialmente democrático: aquele que assegura condições reais de máxima efetividade aos direitos fundamentais”.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O Relatório Global de Riqueza de 2021 do Credit Suisse posiciona o Brasil como um recordista em concentração de renda, situação que se agravou no cenário pós-pandêmico, quando o país apresentou o mais elevado grau de concentração de renda nos últimos 20 anos, segundo a escala Gini. (CREDIT SUISSE RESEARCH INSTITUTE, 2021)
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Embora a Emenda Constitucional nº 109/2021 tenha tornado explícita a exigência de avaliação das políticas públicas, esse dever já existia como consequência dos princípios constitucionais de igualdade, impessoalidade, eficiência, entre outros. A este respeito, vide BARCELLOS, Ana Paula. Políticas públicas e dever de monitoramento: “levando os direitos a sério”. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v.8, n. 2, 2018, p. 251-265. Disponível em: &lt;<a href="https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/article/view/5294/3967">https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/article/view/5294/3967</a>&gt;. Acesso em: 20 jun. 2022.
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Fiscaliza Mais 2022. Disponível em: &lt;<a href="https://www.almg.gov.br/atividade_parlamentar/fiscalizacao/fiscaliza_mais/2022/index.html">https://www.almg.gov.br/atividade_parlamentar/fiscalizacao/fiscaliza_mais/2022/index.html</a>&gt;. Acesso em: 20 jun. 2022.
CREDIT SUISSE RESEARCH INSTITUTE. Global wealth report 2021. Jun, 2021. Disponível em: &lt;<a href="https://www.credit-suisse.com/about-us/en/reports-research/global-wealth-report.html">https://www.credit-suisse.com/about-us/en/reports-research/global-wealth-report.html</a>&gt;. Acesso em: 20 jun. 2022.
FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. A política da avaliação de políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 20, n. 59, out. 2005. Disponível em: &lt;<a href="https://www.scielo.br/j/rap/a/bCWckwnwwrvF8Pb9kDtjDgy/abstract/?lang=pt">https://www.scielo.br/j/rap/a/bCWckwnwwrvF8Pb9kDtjDgy/abstract/?lang=pt</a>&gt;. Acesso em: 18 jun. 2022.
MEIRELES, Cecília. Ou isto ou aquilo. 6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
SOARES, Fabiana de Menezes. Produção do Direito e conhecimento da lei à luz da participação popular e sob o impacto da tecnologia de informação. Tese de doutorado. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG. Disponível em: &lt;<a href="http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/BUBD-96WPB6">http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/BUBD-96WPB6</a>&gt;. Acesso em: 13 jan. 2022.
VAITSMAN, Jeni; RODRIGUES, Roberto W.S. e PAES-SOUSA, Rômulo. O Sistema de Avaliação e Monitoramento das Políticas e Programas Sociais: a experiência do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do Brasil. Brasília: Unesco; Viva Rio, 2006.
VÁZQUEZ, Daniel e DELAPLACE, Domitille. Políticas públicas na perspectiva de direitos humanos: um campo em construção. In: SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Conectas, v. 8, n. 14, jun. 2011. Disponível em: &lt;<a href="http://www.surjournal.org/conteudos/pdf/14/02.pdf">http://www.surjournal.org/conteudos/pdf/14/02.pdf</a>&gt;. Acesso em: 20 jun. 2022.

Palácio do Congresso Nacional na Esplanada dos Ministérios em Brasília

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JOTA

Monitoramento e avaliação mostram-se imprescindíveis para fundamentar e aprimorar decisões governamentais

Ou isto ou aquilo: por uma &#8216;política de avaliação de políticas públicas&#8217;

Ou isto ou aquilo: por uma 'política de avaliação de políticas públicas'

Monitoramento e avaliação de políticas públicas mostram-se imprescindíveis para fundamentar e aprimorar decisões governamentais