Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">“Para quê, enfim, devemos dedicar nossas dores mais sérias? Para isto: pensamentos justos, atos sociáveis, e palavras que nunca mentem, e uma disposição que aceita de bom grado tudo o que acontece, como necessário, como usual, como proveniente de um princípio e de uma fonte da mesma natureza.” 
<footer class="jota-article__quote-cite">Marcus Aurelius, Meditações</footer>
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<footer>Desde tempos imemoriais, as mais diversas civilizações têm celebrado a noite de Ano-Novo, quando o senhor do tempo tira o seu bastão das mãos de um ano velho e lhe passa às mãos de um ano novo, simbolizado em um bebê. A noite de réveillon, substantivo masculino derivado em francês do verbo réveiller – despertar -, simboliza o amanhecer de um novo ciclo, no qual as pessoas podem tentar viver novamente, sem recair em erros passados.Os registros mais antigos de que se tem notícia de celebrações de réveillon são da Antiga Mesopotâmia, há cerca de 4000 anos. A celebração da virada de ano na Babilônia coincidia com a passagem do inverno para a primavera, em março, mas a adoção do calendário gregoriano em 1582, que já foi objeto <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-significado-ano-novo-31122021">desta coluna</a>, antecipou a efeméride para dezembro.Na Mesopotâmia, a passagem de ano era comemorada no festival de “Akitu”, no qual, além da colheita, era celebrada também a mítica vitória do deus Marduk sobre a deusa do caos Tiamat. Por ocasião do Akitu, o rei da Babilônia deveria renovar o seu mandato divino, cumprindo um ritual de sair dos limites do reino, despir-se e confessar perante os clérigos de que maneira ele havia sido um mal “Marduk” no ano anterior e como ele iria remediar isso no ano que se iniciava. Um ritual fundamental, como lembra Jordan B. Peterson, para a legitimação do poder real e para o exercício de soberania na Antiga Mesopotâmia.
Desde os primórdios da civilização, como a leitora bem pode apreciar, a passagem do Ano-Novo tem sido sempre uma oportunidade de renovar votos de não se repetir os mesmos erros. Contudo, como bem ressaltou Marcus Aurelius, nas suas “Meditações”, em qualquer tempo ou era encontraremos as pessoas agindo sempre da mesma forma: “casando, criando seus filhos, adoecendo, morrendo, guerreando, festejando, traficando, cultivando a terra, lisonjeando, sendo obstinadamente arrogantes, suspeitando, confabulando, desejando a morte alheia, reclamando do presente, amando, encontrando tesouros, desejando consulados, poder real.” Nada de novo sob o sol, cara leitora. Assim caminha a humanidade.
A questão, então, passa a ser a de o porquê se preocupar com a passagem do ano, por que renovar seus votos e buscar uma nova oportunidade, em um novo ciclo, de não se repetir os erros de sempre da humanidade, “já que”, como bem marcou Marcus Aurelius, “todas as coisas vão passar e se tornar uma mera fábula e o esquecimento completo as enterrará rapidamente”. Em outras palavras, por que a leitora deve se importar?
Charles Dickens ensaiou uma resposta a essa indagação filosófica em seu conto “The Chimes”, publicado em 1844, na sequência do sucesso de “A Christmas Carol”, também já abordado <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/resgate-valores-juridicos-mensagem-crista-24122021">aqui nesta coluna</a>. Em “The Chimes”, o protagonista, Trotty Veck, um pobre e velho estafeta, encontra-se na véspera de Ano-Novo, desiludido com a vida e com os rumos da sociedade em que vive. Sua filha, Meg, anuncia que vai se casar com seu noivo, Richard, no dia seguinte. Após um encontro com um magistrado arrogante, Cute, os três sentem-se humilhados na sua condição de pobreza, como se não tivessem sequer o direito de existir.
À noite, Trotty Veck ouve os sinos da igreja, que parecem chamá-lo. Ele sobe até o campanário e lá encontra os espíritos dos sinos e seus goblins assistentes. Veck, então, é reprimido por ter perdido a fé na humanidade e é obrigado a assistir ao destino funesto dos seus familiares e amigos mais próximos na sua ausência, como se ele tivesse morrido. E o espetáculo é trágico: Richard cai no alcoolismo e Meg, desesperada e com uma criança de colo, contempla o suicídio. Trotty, exasperado, consegue tocá-la, segurando seu vestido e impedindo que se atire em um rio gelado.
Veck, neste momento, escuta os sinos da igreja dobrarem meia-noite, em celebração do Ano-Novo, e, subitamente, desperta em sua casa, como se tudo não houvesse passado de um sonho. Trotty encontra Meg e Richard bem, e seus amigos entram na casa trazendo uma banda de música, pois haviam organizado uma festa para celebrar o novo ano e a nova família que se formava.
Respondendo à pergunta de por que devemos nos importar com a renovação dos votos de Ano-Novo, é porque temos deveres neste mundo, deveres para com nós mesmos, para com os nossos próximos e para com a sociedade em que vivemos. O mundo está longe de ser perfeito, mas cada um de nós, no ano que se inicia, pode tentar fazer um pouco melhor do que fez no ano anterior, buscando a sua elevação pessoal e à daqueles que nos cercam. Esse o nosso destino.
Dickens encerra a novela com uma provocação à leitora, lançando a dúvida de se Trotty havia sonhado antes ou se sonhava agora. “Se for isso, ó ouvinte, cara para ele em todas as suas visões, tente ter em mente as duras realidades de onde essas sombras vêm; e na sua esfera – nenhuma é tão ampla ou tão limitada para isso – procure corrigi-las, melhorá-las e aliviá-las. Que o Ano Novo seja um ano feliz para você e feliz para os muitos outros cuja felicidade depende de você! Que cada ano seja melhor que o anterior, e que os menores dos nossos irmãos e irmãs não sejam privados da sua justa parte, daquilo em que o nosso Grande Criador os formou para desfrutar.”
Feliz 2023, cara leitora.
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JOTA

A razão de celebrarmos a passagem de ano segundo Charles Dickens

Os sinos de Ano-Novo

A razão de celebrarmos a passagem do ano velho para o ano novo segundo Charles Dickens, autor de The Chimes