Phelippe Toledo Pires de Oliveira

Recentemente, foi manchete nos jornais a notícia de que o Ministério da Fazenda teria entregue ao senador Renan Calheiros (MDB-AL) uma proposta para a reabertura do regime especial de regularização cambial e tributária. A estimativa é que a reabertura do programa possa arrecadar aproximadamente R$ 1,6 bilhão. Seria o terceiro regime em menos de oito anos.
O regime especial de regularização cambial e tributária, conhecido como RERCT, foi adotado pela primeira vez em 2016. Introduzido pela <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13254.htm">Lei 13.254/2016</a>, o regime visava estimular os residentes brasileiros com ativos não declarados no exterior a repatriá-los, injetando recursos na economia e gerando ingresso de receitas para o país em um contexto de déficit fiscal.
A possibilidade de regularização de ativos não declarados se inseria em um contexto de transição com a expectativa de maior troca de informações entre os países, notadamente após a implementação do FATCA e da Common Reporting Standard (CRS). Anistias semelhantes haviam sido implementadas de forma exitosa em outros países como Argentina, Itália e Turquia<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a>.
Os residentes ou domiciliados no Brasil que possuíssem recursos, bens ou direitos no exterior não declarados, ou declarados incorretamente, poderiam regularizá-los desde que esses ativos não tivessem origem ilícita. Para tanto, deveriam declará-los e pagar imposto de 15%, a título de ganho de capital, acrescido de multa de 100% do valor do imposto.
Além da redução do imposto – que poderia chegar a 27,5% para pessoa física e 34% para pessoa jurídica – e da multa (de até a 225% na hipótese de dolo ou fraude agravada pela não cooperação do contribuinte), os optantes teriam a extinção da punibilidade em relação a eventuais crimes como evasão de divisas, lavagem de dinheiro e crimes contra a ordem tributária.
O programa original arrecadou aproximadamente R$ 50,9 bilhões<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>. Por conta de seu êxito – e possível lobby de contribuintes que perderam a oportunidade de regularização de ativos não declarados no exterior com desconto – o governo considerou a possibilidade de reabertura do regime, o que, de fato, veio a ocorrer no ano seguinte com a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13428.htm">Lei 13.428/2017</a>.
A reabertura da Lei 13.428/2017 conteve basicamente as mesmas condições do programa original, com algumas exceções. Por exemplo, a taxa de câmbio para conversão dos ativos era maior. Além disso, apesar do imposto permanecer 15%, a multa passou a ser de 135%. A reabertura arrecadou apenas R$ 1,6 bilhão, bem menos do que o esperado<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>.
Recentemente, passou-se a discutir uma nova reabertura do regime especial de regularização cambial e tributária. Proposta pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/147279">PL 798/2021</a>, em sua versão original, previa que o contribuinte que aderisse teria que pagar 15% de imposto, mais 167% do valor do imposto a título de multa.
O Ministério da Fazenda calculou que a nova proposta poderia arrecadar aproximadamente R$ 1,6 bilhão, o mesmo valor arrecadado com a reabertura do RERCT em 2017. Mas esse valor é apenas uma estimativa, na medida em que é muito difícil antecipar o número de contribuintes que irão aderir a esses programas.
Sem muito alarde, a proposta foi recentemente aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, sob a relatoria do senador Renan Calheiros, em caráter terminativo. Com isso, caso não haja recurso para análise pelo plenário, a proposta segue para a Câmara dos Deputados<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a>. Se aprovada na Câmara sem alterações, vai à sanção pelo presidente da República.
Curiosamente, a pretexto de tornar a proposta mais atrativa à adesão dos contribuintes, o texto aprovado pelo Senado reduziu o valor do imposto devido para 14%, e da multa para 90% do imposto devido<a href="#_edn5" name="_ednref5">[5]</a>. Com isso, o contribuinte que quiser regularizar sua situação poderá fazê-lo com condições mais favoráveis do que quem aderiu nas oportunidades anteriores.
Espera-se que a reabertura do RERCT gere uma arrecadação adicional sem aumento da carga tributária. Apesar do valor estimado de arrecadação não ser tão relevante, certamente é um alento para o governo em um contexto de déficit orçamentário. No entanto, é importante que o Congresso e o governo avaliem outros aspectos que não apenas a arrecadação imediata.
Um deles é a justiça fiscal. Seria justo estabelecer condições mais benéficas para aqueles que não declararam seus ativos no exterior no momento adequado? Há que se considerar eventual estímulo aos contribuintes faltosos de aguardar um novo programa com condições ainda mais favoráveis<a href="#_edn6" name="_ednref6">[6]</a>. A desastrosa experiência com os inúmeros Refis é um bom exemplo.
Deve-se, ainda, computar os custos de administração de um novo programa. E aqui me refiro não à renúncia de receitas decorrente da redução do imposto e multa. Toda anistia fiscal possui um custo intrínseco para sua administração. É necessário criar programas específicos, dedicar servidores da administração para fiscalizar o cumprimento das suas condições etc.
Outro aspecto preocupante é que a proposta de reabertura do RERCT permite a participação de políticos e seus familiares no programa. Os programas anteriores possuíam uma vedação expressa para que detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, bem como cônjuges e parentes, participassem do programa. A proposta em discussão, não.
Enfim, considerando todos os potenciais reflexos negativos inerentes aos programas de anistia fiscal, é necessário ter cuidado com a aprovação de um novo RERCT, sob pena de incorrermos no mesmo erro dos vários Refis. Eventual reabertura do RERCT poderá trazer condições ainda mais favoráveis para alguns políticos e àqueles poucos que perderam os programas anteriores.
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<a href="#_ednref1" name="_edn1"></a>[1] Conforme exposição de motivos n. 122/2015 do PL 2.960/2015 da Câmara dos Deputados, que resultou na Lei 13.254/2016. Disponível em: <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1715687">Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)</a>
<a href="#_ednref2" name="_edn2"></a>[2] Conforme estimativa constante do relatório do PL aprovado pelo Senado. Disponível em: <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/147279">PL 798/2021 - Senado Federal</a>.
<a href="#_ednref3" name="_edn3"></a>[3] Sobre a estimativa, conferir: <a href="https://www.poder360.com.br/economia/repatriacao-arrecadou-r-16-bilhao-governo-chegou-esperar-r-132-bilhoes/">Repatriação arrecadou R$ 1,6 bilhão; governo chegou a esperar R$ 13,2 bilhões (poder360.com.br)</a>
<a href="#_ednref4" name="_edn4"></a>[4]  Sobre a aprovação em caráter terminativo no Senado, conferir <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/cae-do-senado-aprova-projeto-de-lei-de-repatriacao-de-ativos-26092023">CAE do Senado aprova projeto de lei de repatriação de ativos (jota.info)</a>
<a href="#_ednref5" name="_edn5"></a>[5]  O relatório e texto do PL aprovado pelo Senado encontra-se disponível em: <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/147279">PL 798/2021 - Senado Federal</a>.
<a href="#_ednref6" name="_edn6"></a>[6] Conferir Baer, Katherine; Le Borgne, Eric. Tax Amnesties: Theory, Trends and Some Alternatives. Washington, D.C: International Monetary Fund, 2008. Disponível em: <a href="https://www.elibrary.imf.org/display/book/9781589067363/9781589067363.xml?rskey=0vf4Vr&amp;result=1">https://www.elibrary.imf.org/display/book/9781589067363/9781589067363.xml?rskey=0vf4Vr&amp;result=1</a>

cedula 200

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JOTA

É preciso cuidado na aprovação de um novo RERCT, sob pena de incorrermos no mesmo erro dos vários Refis

Os riscos de um novo regime de regularização cambial e tributária

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