Diogo R. Coutinho

Beatriz Kira

Na semana passada, a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/comissao-europeia">Comissão Europeia</a>, amparada no <a href="https://digital-markets-act.ec.europa.eu/index_en">Digital Markets Act, </a>designou seis grandes empresas de tecnologia (big techs), com atuação global, como <a href="https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_23_4328">gatekeepers</a>. São elas: Alphabet, Amazon, Apple, ByteDance, Meta e Microsoft. Mais especificamente, 22 serviços controlados por essas empresas foram considerados essenciais (veja imagem abaixo). Segundo os padrões regulatórios do antitruste <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/digital-markets-act-e-o-antitruste-assimetrico-na-europa-31032022">assimétrico</a> previstos no DMA, essas empresas – que desempenham um papel crucial como portas de entrada (gateways) para que usuários empresariais alcancem usuários finais no ambiente digital e que desfrutam de posição de mercado consolidada e duradoura – agora terão até seis meses para garantir o pleno cumprimento das obrigações decorrentes dessa decisão.
O DMA prevê três critérios cumulativos (qualitativos e quantitativos) que, quando atendidos, resultam na designação de uma plataforma digital como gatekeeper, indicando existência de poder de mercado: (1) empresas que oferecem ao menos um serviço central de plataforma (Core Platform Service) – incluindo redes sociais, ferramentas de busca, serviços de mensageria, entre outros; (2) que tenham uma capitalização de mercado de pelo menos € 75 bilhões ou um faturamento anual de € 7,5 bilhões; e (3) que ofereçam serviços a pelo menos 45 milhões de usuários finais mensais na União Europeia e 10 mil usuários corporativos anuais. 
As empresas que satisfizerem os requisitos acima serão consideradas controladoras de acesso pela autoridade reguladora europeia. No entanto, é importante dizer que existe alguma flexibilidade na designação de gatekeepers. Corporações terão a oportunidade de contestar essa presunção e apresentar argumentos fundamentados para demonstrar que, devido a circunstâncias excepcionais, não devem ser designadas como tais, apesar de cumprirem todos os requisitos. Esse foi o caso, por exemplo, da Microsoft e da Apple, que argumentam que alguns dos seus serviços essenciais de plataforma (Bing, Edge e Microsoft Advertising, no caso da Microsoft, e iMessage no caso da Apple) não servem como portas de acesso apesar de terem atingido os limiares relevantes.
Por outro lado, o DMA autoriza a Comissão Europeia a iniciar uma investigação de mercado para avaliar de forma pormenorizada a situação específica de uma determinada empresa e, mesmo que ela não cumpra os requisitos quantiativos relevantes, caracterizá-la como gatekeeper com base em uma avaliação qualitativa. Um exemplo disso é o caso do serviço iPadOS da Apple, atualmente sob investigação pela Comissão Europeia, que determinará se esse serviço deve ser rotulado como controlador de acesso, apesar de não ter preenchido os requisitos relevantes.
<h3>Obrigações assimétricas e os seis primeiros gatekeepers</h3>
[caption id="attachment_453587" align="aligncenter" width="1066"]<img class="wp-image-453587 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/09/designacoes-de-gatekeeper.png" alt="gatekeeper" width="1066" height="589" /> Crédito: União Europeia[/caption]
As seis empresas de tecnologia que foram caracterizadas como controladores de acesso (expressão que traduz de forma prática a expressão gatekeeper) tornaram-se sujeitas a uma série de novas obrigações que visam a impedir que gatekeepers imponham condições injustas às empresas e aos utilizadores finais, bem como garantir o caráter aberto de serviços digitais importantes.
Entre essas obrigações, há regras desenhadas para garantir que gatekeepers assegurem, seguindo critérios equânimes, a interoperabilidade com outros serviços e atores econômicos. Há também regras que buscam facilitar a portabilidade de dados e a migração de usuários de um serviço para o outro. Além disso, o DMA inclui também regras de não discriminação para impedir que gatekeepers dificultem a entrada e a expansão de agentes em diferentes níveis do <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/ecossistemas-e-gatekeepers-29102021">ecossistema</a> digital. 
Em termos práticos, exemplos de mudanças que os gatekeepers terão que implementar incluem possibilitar que usuários finais possam escolher livremente seus navegadores, assistentes virtuais ou mecanismos de pesquisa em seus dispositivos, bem como a garantia de que possam desinstalar facilmente aplicativos pré-instalados ou interromper a instalação por default de aplicativos, proporcionando, assim, mais opções a consumidores. Gatekeepers precisarão, ainda, garantir que usuários empresariais possam ter acesso a dados de desempenho sobre campanhas publicitárias e informações sobre preços de anúncios. Além disso, essas empresas deverão permitir que os desenvolvedores usem sistemas alternativos de pagamento no aplicativo e fornecer opções de interoperabilidade para sistemas de mensagens.
Após a sua designação, os gatekeepers têm até março de 2024 para apresentarem um relatório de conformidade ao DMA, no qual serão detalhadas as soluções que implementaram. Duas obrigações entram em vigor de imediato: a obrigação dos gatekeepers de criarem procedimentos de conformidade, bem como de comunicarem informações sobre operações envolvendo atos de concentrações que pretendam realizar. Caso um gatekeeper não cumpra as obrigações estabelecidas no DMA, a Comissão pode impor multas até 10% do volume de negócios total da empresa a nível mundial, que podem ir até 20% em caso de reincidência. Em caso de infrações sistemáticas, a Comissão pode a adotar medidas punitivas adicionais, como obrigar um controlador de acesso a vender uma empresa ou partes dela, ou proibir a firma gatekeeper de adquirir serviços adicionais.
<h3>Implicações no Brasil</h3>
Por um lado, é evidente que o DMA não se aplica diretamente ao território e ao direito brasileiros. No entanto, é claro que esse regime regulatório e a designação das seis big techs como gatekeepers terão algum impacto, ao menos indireto, no Brasil. Isso quer dizer que <a href="https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/05/pl-das-fake-news-sem-orgao-regulador-e-lei-desdentada.shtml">futuras iniciativas legislativas</a> destinadas a regular plataformas digitais e seus ecossistemas no país provavelmente refletirão preocupações semelhantes, incluindo a estrutura regulatória híbrida e a criação de regras <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/antitruste-assimetrico-em-mercados-digitais-08102021">assimétricas</a> para plataformas digitais, de acordo com o poder de mercado presumido do agente regulado.
Da perspectiva do antitruste clássico, a designação dos primeiros gatekeepers pela Comissão Europeia pode ter relevância também para a aplicação da lei de defesa da concorrência pela autoridade concorrencial brasileira, o Cade. Apesar de não ser vinculado à legislação ou à jurisprudência estrangeira, historicamente o Cade tem interagido com a autoridade europeia por meio de acordos de cooperação internacional.
Além disso, é notável a influência de julgados e de <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/regulacao/novas-teorias-dano-mercados-digitais-22062021">teorias do dano</a> desenvolvidas pela Comissão Europeia em casos tratados no Cade. A autoridade brasileira vem dando crescente atenção aos mercados digitais e suas características econômicas e concorrenciais. Recentemente, aliás, <a href="https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/cade-divulga-estudo-atualizado-sobre-mercados-de-plataformas-digitais">lançou uma atualização do estudo</a> sobre o tema, demonstrando seu compromisso com a autoavaliação e capacitação adequadas para enfrentar os desafios impostos pela economia digital, com seu ritmo acelerado de inovação.
Se – e qual medida – o conceito de gatekeeper será utilizado pela autoridade brasileira em suas análises é algo que ainda estamos por ver. Pode-se dizer, de todo modo, que é altamente provável que a ideia subjacente ao conceito, ou seja, o reconhecimento de que há plataformas muito mais poderosas que outras, capazes de funcionar como guardiãs ou “porteiras” de mercados digitais e, por isso, requerem um escrutínio mais detido e rigoroso, seja adaptada à realidade brasileira. O uso desse ferramental analítico mais refinado, no entanto, só será eficaz no fortalecimento da concorrência em mercados digitais se for alinhado com o contexto e realidades locais do Brasil.

gatekeepers

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JOTA

Seis big techs foram designadas 'controladoras de acesso' pela Comissão Europeia

Os primeiros gatekeepers

Seis big techs foram designadas 'controladoras de acesso' ou gatekeepers pela Comissão Europeia