Marcio Sérgio Christino

Benito Mussolini, “Il Duce” (o condutor), foi o criador do Partido Nacional Fascista Italiano. Foi um dos líderes do chamado “Eixo”, aliança composta por Hitler e Hiroito. Mussolini era contrário à democracia, a qual chamava de “o governo dos fracos”. Era contra a existência do legislativo e dizia que somente deveria existir apenas uma liderança forte: a sua. 
No final da guerra, com a Itália destruída, os próprios italianos o prenderam quando ele estava prestes a cruzar a fronteira com a Suíça. Foi executado e teve seu corpo pendurado pelos pés em praça pública. Com ele, o fascismo atingiu seu ápice e conheceu o seu fim. Neste período Mussolini produziu e deixou como herança o Código Penal Italiano, conhecido como Código Rocco, nome do principal jurista que trabalhou em sua redação e com quem guardava nítidas afinidades ideológicas. 
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O Código Rocco, em pleno fascismo, conceituou a legítima defesa e em seu artigo 53 e criou a legítima defesa nas ações dos “oficiais públicos”. Deu aos policiais e outros funcionários públicos a chamada excludente de ilicitude afirmando que esta se daria em caso do uso de arma “acima do ordinário” (e portanto excepcional) quando fosse constatada a necessidade de “responder a uma violência ou de vencer uma resistência” a autoridade e visasse a consumação dos delitos de massacre, naufrágio, desastre ferroviário ou aéreo, homicídio, roubo à mão armada e sequestro. 
O Brasil vai mais longe. Provemos. Prevê o projeto “Anticrime”: Artigo 23...Parágrafo único. Observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa: I - o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem. Ora, a diferença principal reside no uso de uma palavra: prevenir. Prevenir é antecipar, evitar, obstar, agir antes que ocorra, previne-se o que não aconteceu, o que, essencialmente, não teve início. Ora, qual o sentido de “iminência”? 
A definição é semelhante, iminente é aquilo que está prestes a ocorrer e ainda não ocorreu, que está prestes a acontecer e ainda não aconteceu, é o momento imediatamente anterior a ação, anterior a qualquer movimentação ou declaração de intenção. A conjugação destes dois conceitos leva a um novo: a prevenção da iminência. Prevenir a iminência é, portanto, agir antes que o agente demonstre a intenção de praticar uma ação, antes que ele decline uma intenção, antecipando-se inclusive ao momento imediatamente anterior à conduta ou a manifestação de vontade. E quem avaliará esta situação, onde nada ocorreu e sequer prestes a ocorrer se encontra? 
Quem analisará a situação e todas as variações possíveis do comportamento humano antes que ele ocorra? Resposta: o agente policial. Este agente decidirá, segundo sua visão particular o que um cidadão qualquer poderá fazer no futuro e com base nisto poderá fazer qualquer coisa que entender necessário, inclusive matá-lo, para evitar que ele concretize sua antevisão. É a comparação do nada (que não aconteceu) com a qualquer coisa (que estiver na mente do policial). 
Uma efetiva licença para matar, ligada a qualquer coisa que o agente policial entender conveniente para aquele momento. Será o dono da vida e da morte, terá a imunidade que nem mesmo o fascista Mussolini conseguiu obter para seus asseclas. Na Itália, pelos menos, limitou-se tal legítima defesa a alguns crimes, aqui não, optamos pelo “genérico”. 
O projeto Anticrime é mais radical que os Códigos Penais produzidos na época das ditaduras fascistas da 2ª. Guerra Mundial. Permite que caso o agente preveja ou cogite a possibilidade de que algo possa acontecer e, mesmo que não tenha nenhum indicativo disto, terá carta branca para agir como entender por bem fazer. No ano 2002 foi lançado o filme “Minority Report”, estrelado por Tom Cruise. 
A história se passa em 2054, onde um sistema composto por três videntes conhecidos como “precogs”, antevia a prática de crimes. A taxa de criminalidade caiu a zero, as pessoas eram presas e submetidas a uma espécie de congelamento antes mesmo que os crimes fossem cometidos. O problema começa quando a confiabilidade do sistema é posta em dúvida. O conflito entre o determinismo e o livre arbítrio é discutido então. Nossa realidade será mais catastrófica que a própria ficção científica, se naquela fantasia existiam ao menos sensitivos e as pessoas eram congeladas, no Brasil não haverá nada, exceto a morte. No filme haviam “precogs”, aqui nem isto. 
Nossos “precogs” não possuem nenhum pode extraordinário de previsão, muito pelo contrário, agirão pelo palpite e pelo subjetivismo ou, até mesmo, quando lhes for conveniente Quem pode prever o que pode acontecer? Vamos matar mais e morrer menos? Cita-se o uso de “snipers” no Rio de Janeiro, como exemplo, com a ideia de matar criminosos que ostentem fuzis antes que possam fazer uso das armas. 
O exemplo é lamentável, se um indivíduo está portando um fuzil em público, ele deve ser imediatamente preso. Se isto não é feito, não é por falta de lei e sim por falta de polícia. Falta polícia. Sobra milícia. Fato: em São Paulo as operações deflagradas contra o PCC pela Polícia Civil foram executadas e os líderes condenados sem que um tiro fosse disparado. Prova de que inteligência e efetividade não exigem violência. Este projeto cria uma milícia oficial, talvez ela extermine organizações criminosas, outras milícias, mas, ao final, quem nos protegerá? E se os justiceiros oficiais resolverem unir-se a um dos grupos ou extorqui-lo? 
A degradação social em Estados onde polícia e crime se fundem em uma mesma dimensão poderia levar, por exemplo, a uma supermilícia criminosa. Com a eficiente possibilidade de matar por mera convicção de que algo pode acontecer, o que, se os protege, deixa indefesa a sociedade que será subjugada por um Estado Criminoso. Terão poder de vida ou morte sobre qualquer um, podendo justificar-se de qualquer forma. “Qui salvet ad lupum ovis hostiis promeretur”, “Quem poupa o lobo, sacrifica as ovelhas” nas palavras de Victor Hugo. 
Nem Mussolini e nem Hitler chegaram a tanto. Chegaremos nós?

preco

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JOTA

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