Renato José Cury

Caroline Lerner Castro

Victor S. Gomez de Segura

O Código de Processo Civil de 2015 (‘CPC”) surgiu com o objetivo não apenas de modernizar a legislação processual brasileira - que estava em vigor desde 1973 - mas principalmente para tentar dirimir imperfeições diariamente verificadas ao longo de 40 anos de vigência.
Um dos pontos altamente valorizados pelo CPC de 2015 consistiu no fortalecimento dos precedentes judiciais, o que se deu à luz do princípio da razoável duração do processo, garantia fundamental prevista no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal.
Talvez, a maior demonstração do espírito contido no CPC é o disposto em seu artigo 927, ao estabelecer que os juízes e os tribunais observarão, dentre outras, as decisões proferidas pelos Tribunais Superiores.
Esta tendência de fortalecimento das súmulas e precedentes vinculantes visa prestigiar o princípio da segurança jurídica, atribuindo uma maior coerência às decisões.
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Em outras palavras, o CPC visa evitar a chamada “loteria judicial”, em que o êxito do Autor depende exclusivamente da opinião do juiz a que o processo for distribuído, independentemente de haver uma orientação contrária vinda das instâncias superiores.
<blockquote class="jota-article__eye">Na realidade, a ideia da valorização dos precedentes judiciais no âmbito do sistema jurídico brasileiro se iniciou em 1963 com a criação da chamada “súmula da jurisprudência predominante no Supremo Tribunal Federal”.</blockquote>
O idealizador deste novo método de trabalho foi o Ministro Victor Nunes Leal, que identificou nesse mecanismo não só uma maneira de estabilização da jurisprudência, mas também uma ferramenta facilitadora aos operadores do direito, simplificando o julgamento de questões frequentes<a href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>. Mesmo com essa ferramenta, na prática não se viu ao longo das últimas décadas um esforço para uniformização dos precedentes, o que fez com que a redação do CPC de 2015 fosse enrijecida.
O fato é que independentemente da tendência corrente à valorização dos precedentes, uma recente pesquisa nacional denominada “Quem somos – A magistratura que queremos”, elaborada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (“AMB”) apontou que os magistrados não concordam com essas orientações.
A pesquisa foi capitaneada por Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho e Marcelo Baumann Burgos, sob a coordenação da Comissão Científica da Associação chefiada pelo Ministro Luis Felipe Salomão do Superior Tribunal de Justiça e buscou traçar um quadro amplo da magistratura brasileira.
Um dos aspectos questionados aos magistrados foi o seu grau de concordância com a regulação de suas decisões pelos Tribunais Superiores, mediante o sistema de súmulas e precedentes vinculantes.
Nesse contexto, 51,8% dos juízes de primeiro grau em atividade afirmaram que o magistrado deveria ter a prerrogativa de decidir sem se pautar necessariamente pelo sistema de súmulas e precedentes vinculantes.
E, dentre os juízes e desembargadores inativos, o percentual é ainda maior: 66% concordam com a afirmação de que os magistrados não precisam se orientar pela jurisprudência.
<blockquote class="jota-article__eye">Diante destes números, observa-se que ainda existe no âmbito da magistratura uma resistência ao sistema de precedentes vinculantes.</blockquote>
E tal resistência merece um olhar atento, vez que os magistrados são os responsáveis pela correta aplicação dos precedentes judiciais e, ao final do dia, pela entrega de soluções coerentes aos jurisdicionados.
É por tal razão que entendemos que as escolas brasileiras de magistratura devem reforçar sua atuação no sentido de conscientizar os magistrados a respeitar a força vinculante dos precedentes judiciais, sob pena de pôr em xeque toda essa evolução que tem se verificado.
Aliás, necessário se faz um fortalecimento, por parte de todos os operadores do direito, sejam advogados, promotores, defensores, juízes, desembargadores e ministros, da uniformização e estabilização da jurisprudência em nosso país, até mesmo conforme preceitua o artigo 926 do CPC.
Destaque-se que a adoção de um sistema de precedentes vinculantes não caracteriza afronta à independência funcional dos magistrados, preocupação que pode ter contribuído para que mais da metade dos magistrados tenham afirmado que deveriam poder decidir sem observância aos precedentes.
Isso porque, os magistrados podem – e devem – lançar mão dos institutos do distinguishing (distinção) e do overruling (superação) com o objetivo de afastar um precedente aparentemente aplicável e, consequentemente, decidir exclusivamente com base no seu livre convencimento.
Vale dizer, o próprio sistema de precedentes vinculantes possui ferramentas que realçam a força do princípio da persuasão racional do juiz ao decidir a causa.
O que não se pode, por outro lado, é ignorar esse sistema e autorizar que sejam proferidas rotineiramente soluções discrepantes para problemas idênticos apenas porque os magistrados assim desejam, destoando-se do espírito da lei.
O ordenamento jurídico tem que caminhar de forma sincronizada e harmônica, o que implica muitas vezes na relativização de conceitos e na quebra de paradigmas em prol de um bem maior, que no caso é a segurança jurídica (e, evidentemente, o próprio princípio da isonomia, por meio de decisões uniformes aos jurisdicionados).
Sendo assim, entendemos que a interpretação de que os precedentes judiciais caracterizam afronta à função judicante do magistrado é equivocada e merece ser revista, mormente com vistas ao intuito do CPC de dar segurança jurídica aos jurisdicionados.
Até porque, conforme palavras de José Alberto dos Reis, citado por Roberto Rosas<a href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>, “que adianta a lei ser igual para todos se for aplicada de modo diferente a casos análogos? Antes a jurisprudência errada, mas uniforme, do que a jurisprudência incerta. Diante de jurisprudência uniforme cada um sabe com o que pode contar; perante jurisprudência incerta, ninguém está seguro do seu direito”.
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<div id="sdfootnote1">
<a href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> “Por tudo isso, dizia o prefácio da primeira edição da Súmula que a sua finalidade ‘não é somente proporcionar maior estabilidade à jurisprudência, mas também facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das questões frequentes. Por isso, a emenda do Regimento (...) atribui à Súmula outros relevantes efeitos processuais’, como fossem: negar-se provimento ao agravo para subida de recurso extraordinário, não se conhecer do recurso extraordinário, não se conhecer dos embargos de divergência e rejeitar os infringentes, sempre que o pedido do recorrente contrariasse a jurisprudência compreendida na Súmula, ressalvando o procedimento de revisão da própria Súmula. Mais que isso, poderia o relator, em tal hipótese, mandar arquivar o recurso extraordinário, ou o agravo de instrumento, facultando à parte prejudicada interpor agravo regimental contra o despacho.” (LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF, in Revista de Direito Administrativo, nº 145, 1981, p.8)
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<div id="sdfootnote2">
<a href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> ROSAS, Roberto. “Jurisprudência. Uniformização. Súmula”. In: Direito processual (inovações e perspectivas): estudos em homenagem ao Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 2003, p.387
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Justice Gavel

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JOTA

O precedente judicial é uma afronta à independência funcional?

Os precedentes vinculantes na visão da magistratura

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