Bruno Aurélio

Uma das bandeiras do processo de retomada do desenvolvimento econômico é a edição de inúmeros projetos de infraestrutura, sejam eles em âmbito federal, estadual ou municipal. São esperados para os próximos anos investimentos em aeroportos, portos, rodovias, ferrovias, equipamentos de energia, saneamento básico, infraestrutura social etc...
Dada a crise nas contas públicas, os governos esperam que boa parte (se não a totalidade) dos novos investimentos sejam exclusivamente privados. Os contratos públicos estruturados de longo prazo, propriamente a concessão comum e as tão entoadas parcerias público-privadas, ganham mais e mais prestígio.
Esta política pública, mesmo não sendo nova ou inédita, é positiva, porém a expectativa estatal somente será alcançada se corrigidos equívocos da prática recorrente na estruturação destes modelos. Situamos o texto neste tópico. Sem ingressar em aspectos próprios da seara econômica, cujos dramas são profundos, esta coluna pretende a (re)apresentar aspectos jurídicos pontuais e determinantes à retomada interesse privado.
Cremos não trazer nenhuma novidade, mas acreditamos que a repetição de aspectos há muito entoados poderá, em algum momento, repercutir e permitir a revisão de equívocos de grande parcela das modelagens jurídicas até então “parâmetros” para projetos de infraestrutura. Agindo como repetidor de súplica conhecida, entendemos que retomada dos investimentos em infraestrutura dependerá da efetiva solidez jurídica destes projetos.
Como ponto de partida, é imperativo que os instrumentos contratuais e a conduta estatal assegurem “segurança jurídica” aos contratos. Os instrumentos devem ser elaborados de forma coerente e razoável, considerando, com efetiva clareza, as obrigações para as partes, bem como as consequências de seu descumprimento. Ainda que o Direito preveja prerrogativas ao Poder Público – mesmo que mitigadas em contratos dessa natureza, não é salutar a previsão de obrigações abstratas, pouco objetivas ou efetivas armadilhas semânticas que permitam ao agente estatal, quando conveniente, impor ônus e encargos diversos, desconhecidos ou superiores ao retorno econômico esperado pelo privado.
A competência para atendimento do interesse público segue sob a titularidade estatal. O privado, como instrumento, meio para a execução do dever público, deve executar com excelência o objeto de sua contratação, sendo cobrado para tal. Porém, para evitar solavancos de parte-a-parte, o instrumento contratual deve revelar efetivo equilíbrio entre os riscos e obrigações de cada signatário, confirmando equivalência com o retorno pretendido.
Especialmente com relação aos riscos, estes devem ser alocados de forma racional. Repetindo o mantra: o risco deve ser alocado para aquele que detém a aptidão para administrá-lo ou melhores condições econômicas ou técnicas de suportá-lo. Logo, cláusulas que visem, direta ou indiretamente, transferir “todos os riscos ao particular”, mesmo que aparentemente vantajosas ao Poder Público, apenas têm o condão de fragilizar a relação, sendo inócuas na prática. Expliquemos: caso um risco imprevisto se efetive e, por tal razão, posto sob a esfera do particular, prejudique o contrato, o dano do particular e a aplicação das piores punições pelo Estado não mitigarão, suspenderão ou extinguirão o dever público de manter a prestação do serviço ou o funcionamento da estrutura.
O equívoco da alocação gerará dois problemas: (i) o entrave com o atual contratado; e (ii) o dever de continuar com a prestação. Porém, o resultado será, em ambos, o mesmo: dispêndio de recursos públicos e prejuízo ao usuário do serviço ou da estrutura. Se assumido tal risco, restará ao Poder Público apenas remediar o prejuízo atual decorrente do evento de risco, mantendo a execução do serviço, respeitados o limite do possível, por aquele que já detém a expertise.
Um exemplo simplório ajuda-nos a ilustrar este fenômeno: de nada adianta transferir exclusivamente ao concessionário o risco para obtenção de licenças, penalizando-o pelo eventual atraso, sendo que compete ao Estado (muitas vezes o próprio ente contratante) a competência para emiti-las. O particular, além de refém da burocracia, é penalizado duas vezes pelo atraso na obtenção destes documentos: deixa de iniciar suas atividades pela ausência da licença e corre o risco de sofrer eventuais sanções contratuais. Seja este ou outro particular, as licenças serão necessárias e precedentes ao serviço, podendo o Estado assumir aquilo que poderá contribuir.
Outro ponto a se destacar é a necessidade em se garantir a adimplência e estabilidade financeira do contrato, com a previsibilidade de pagamentos e recebíveis especialmente nos contratos cujo Poder Público é fonte única ou exclusiva dos recursos. Os contratos de PPP permitem que o concedente oferte garantia ao pagamento, visando assegurar a existência de recursos para remuneração do particular a despeito de eventual redução de caixa ou desinteresse no adimplemento contratual (risco político).
Salvo algumas exceções, nota-se que as estruturas e modelos de garantia pública ainda são pouco hígidas ou eficazes na função de reduzir o risco de crédito estatal, transferindo ao particular o risco de inadimplência. Este risco resulta na reduzida atratividade do projeto e no aumento do custo público, uma vez que, se houver algum interessado, este repassará o alto preço do financiamento (se passível de ser concedido) ou a potencialidade de, em dado momento, não mais receber do Estado, mesmo tendo investido vultosos valores ou com a obrigação de manter a prestação de certo serviço até que o judiciário permita (ou ratifique) sua suspensão sem maiores penalidade.
Dito isto, como se espera que a iniciativa privada (ao menos os agentes sérios e comprometidos com a finalidade social e econômica da empresa que representam) se lance em projetos de magnitude diante da ausência/insuficiência de garantias prestadas pelo Poder Público? Como se almeja o sucesso ou redução do dispêndio público se o financiamento, se existente, terá um custo exorbitante e certamente repassado ao erário?
Considerando que o presente da infraestrutura é marcado pela escassez de financiamento, em muito ratificada pelo aumento crescente da inadimplência do Estado, é imprescindível a mudança imediata da postura estatal, afastados os mitos e dilemas criados pela burocracia, amparados em posições jurídicas pouco preocupadas com a realidade e que em nada contribuem para o avanço econômico e social do país. Entendemos ser fundamental, previamente a tentação do início voluntarioso da modelagem ou estruturação de instrumentos de licitação, a dedicação de tempo e recursos na constituição ou definição precedente de um sistema hígido de garantia pública aos projetos.
O terceiro e último ponto diz respeito aos instrumentos de coação do contratante e os limites de atuação das autoridades de controle que, cada vez mais, influem na constituição e execução destes contratos.
Algumas perguntas fundamentais devem ser respondidas previamente ao certame, tais como: (i) os instrumentos e o estudo de viabilidade técnico-econômico foram avaliados e há decisão das autoridades de controle previamente à licitação? (ii) esta decisão poderá ser revista no âmbito administrativo? (iii) quais os meios, conteúdo e parâmetros deverão ser observados pelos entes responsáveis pela fiscalização do contrato? (iv) quais as consequências de sua atuação?
A falta de previsibilidade ou de estabilidade na ação dos agentes estatais; a multiplicidade de atores opinantes; e o uso do poder extroverso do Estado não podem submeter o particular a um regime “opressor” o excessivamente punitivo. O sistema administrativo sancionador é, por natureza, pouco justo: o Estado aplica a penalidades administrativas e as julga. Ainda que sua atuação esteja pautada nos princípios que orientam a Administração, abusos são constantes e nosso judiciário nem sempre está preparado para julgá-los. Todas estas características resultam na precificação do risco do particular, afastando a atratividade ou deixando excessivamente custoso à Administração.
Pois bem, apontados alguns problemas e poucas soluções, qual a contribuição deste texto? Tentemos a seguinte: é imperativo que os modelos de contratação estatal superem os dilemas apontados mediante um enfrentamento real, razoável, coerente e desprendido de dogmas contraproducentes.
O sucesso da nova onda de projetos dependerá do planejamento cuidadoso e do enfrentamento dos problemas (que vão além dos poucos ora descritos) que atualmente assolam os contratos firmados nos últimos anos, sendo certo que o capital privado poderá ser atraído pelo Estado e ser positivo às pretensões públicas desde que a relação e a remuneração seja equilibrada, numa relação ganha-ganha.
Não sabemos qual é o efetivo interesse no sucesso dos programas de investimentos em infraestrutura, contudo, se os elementos apontados não forem cuidadosamente enfrentados, cremos que a pretensão pública será frustrada e frustrante para todos os reais interessados na retomada da economia e no desenvolvimento nacional.
O tema não é novo, muito menos inédito, mas já passamos da hora destas questões serem verdadeiramente enfrentadas.

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JOTA

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