Rafael Marcondes

A importância de uma compreensão mais ampla sobre o mundo virtual nunca foi tão fundamental como agora no Brasil, com o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/senado-federal">Senado</a> em vias de votar em plenário um texto que pode destravar um dos segmentos econômicos com maior volume de investimentos represados pela insegurança jurídica. Em números, estamos falando de um mercado que pode dobrar de tamanho, chegando a R$ 14 bilhões de faturamento em 2026.
Trata-se do <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/154931">PL 2796/2021</a>, que cria um marco legal para os jogos eletrônicos no Brasil. O projeto tramita há dois anos e em outubro de 2022 foi aprovado pela Câmara. Agora, está perto de sua aprovação definitiva no Senado. Mas há dúvidas naturais a respeito desse universo dos games, inclusive de origem geracional. Mais que isso, há possivelmente uma falta de percepção sobre os benefícios práticos que serão gerados pela regulamentação desse setor.
Uma das modalidades é o fantasy, jogo virtual que tem como pano de fundo esportes reais. É um mercado que já existe há décadas nos Estados Unidos e ganhou tração no Brasil a partir de um desejo comum a grande parte dos brasileiros: o de ser técnico de futebol. Quem nunca ouviu que todo brasileiro sonha ser o treinador da seleção canarinha?  Em se tratando de futebol, no país, todo torcedor tem uma opinião formada sobre o melhor time a ser escalado e, muitas vezes, discordam da opinião de quem está no comando do selecionado nacional. O fantasy, é verdade, não tem como pano de fundo apenas o futebol, pode se basear em diversas outras modalidades esportivas. No entanto, é o futebol que encanta os brasileiros.
No jogo virtual, os usuários se inscrevem em competições, de forma a tentar obter um somatório de pontos maior do que a de outros competidores. Todos os jogadores têm um mesmo “orçamento”, que deve ser manejado de forma a se montar, no caso das competições de futebol, um time com 11 jogadores e um técnico. No caso das plataformas pagas, todos os jogadores pagam um mesmo valor de inscrição.
A montagem do time espelha o mundo real. Ou seja, os jogadores dos clubes são selecionáveis. E cada um desses jogadores tem seu valor virtual, que deve ser observado pelos usuários na montagem de seus selecionados. Então, naturalmente um jogador que é o artilheiro do campeonato terá um valor maior do que aquele centroavante que está em jejum há nove rodadas.
O coração do jogo, portanto, é a montagem do time - um processo que envolve um peso muito grande da estratégia e da habilidade.
Isso fica mais evidente pelo fato de que a premiação só é obtida quando há um somatório de pontuações com base em diferentes variáveis. O jogador selecionado faz gol, ótimo. Mas se o resto do time montado não performar bem, aquela pontuação positiva do jogador que fez gol pode não servir de nada no somatório final e, com isso, não se obtém a premiação pretendida. Isso, por si só, desmonta qualquer influência de eventos aleatórios e, portanto, similaridades com o mercado de apostas. E, mais do que isso, um robusto estudo do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) já comprovou que fantasy é um jogo de estratégia e não de sorte e, muito menos, relacionado a apostas.
Entendida a mecânica de funcionamento do fantasy, há que se destacar os benefícios práticos que virão da aprovação do PL dos Games. Há três pilares no texto que identificamos como grandes avanços: a segurança jurídica, o impacto sobre o mercado de trabalho e as variadas aplicações dos games.
O aspecto da segurança jurídica está diretamente associado com um potencial tsunami de investimentos no Brasil. Os números falam por si. Nos Estados Unidos, há 80 milhões de praticantes de fantasy games, e apenas esse segmento gerou, em 2022, uma receita de US$ 8,4 bilhões. No Brasil, temos em torno de 30 milhões de praticantes, mas a receita gerada por essa atividade foi de (relativamente) míseros US$ 12 milhões. Sim, milhões - não bilhões.
Com os investidores tendo a segurança de que os fantasy games são reconhecidamente uma atividade lícita no Brasil, a gente poderia estar movimentando no país, sem dúvidas, recursos bilionários. Considerando o setor de games como um todo, a estimativa é de que a receita atual no Brasil, estimada em US$ 1,6 bilhão, passe para US$ 2,8 bilhões até 2026 com a aprovação do Projeto de Lei.
Esse benefício, vale dizer, não é exclusivo dos games ou do fantasy. Há inúmeros exemplos no país de setores que, com a devida segurança jurídica, destravam investimentos e dão um salto de crescimento, do saneamento básico à energia solar.
No caso do PL dos Games, a segurança jurídica também envolve maior segurança para os pais e responsáveis. O texto prevê que caberá ao Estado definir a faixa etária indicativa de cada jogo, portanto evitando que os filhos tenham acesso a conteúdos impróprios. São elementos necessários para a gente proteger e salvaguardar nossos jovens e nossas crianças.
No campo do emprego, a estimativa é de geração de mais de 30 mil postos de trabalho para o setor de games, sendo 6 mil apenas para o setor de fantasy. Mas, para além disso, o marco legal reduz a burocracia que também trava o setor. Programadores e desenvolvedores de games terão dispensa de licença para trabalhar e criar novos jogos.
O projeto de lei também trata do fomento a investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&amp;D). O Brasil tem carência de mão de obra para atender esse mercado, e resolver isso passa por qualificar esses trabalhadores. O Projeto de Lei trata da criação de cursos técnicos e oficinas profissionalizantes.
Esse aspecto é urgente. Os dados são estarrecedores: segundo a OCDE, mais de 7 milhões de jovens (entre 18 e 24 anos) no Brasil não estuda nem trabalha. O país fica atrás apenas da África do Sul em número de jovens nessas condições. A iniciativa do Estado em direção a essa população não só é essencial, como é mandamento constitucional estampado nos artigos 1º, IV (trabalho) e 205 (educação) da Constituição Federal. Investir no mercado de games é fazer um investimento com alto potencial de atrair essa parcela da população.
Por fim, com o marco legal os games deixam de ser vistos apenas como entretenimento e passam a ser vistos, formalmente, como ferramentas para, por exemplo, aumentar o engajamento no processo educacional e acelerar o aprendizado por parte dos alunos.
Eles também passam a servir como ferramentas de treinamento técnico, por poderem ser usados como simuladores. Os benefícios estão inclusive no campo da saúde. Games usados para fins terapêuticos têm apresentado resultados bem interessantes. No Hospital do Câncer de Barretos, crianças em tratamento de quimioterapia têm usado óculos de imersão virtual, que permitem que elas mudem seu foco de atenção para uma outra dimensão (virtual), mais positiva, enquanto passa pelo tratamento, que é doloroso e muitas vezes sofrido. Os resultados já têm indicado que as crianças que participaram desse projeto piloto têm reagido melhor ao tratamento e apresentado índices de cura à doença mais elevados.
Setores que buscam caminhar à margem do Estado são aqueles que tentam se manter sem regulamentação. Os games não querem isso. Presente na vida cotidiana de dezenas de milhões de brasileiros, essa indústria quer regras claras, tanto para que haja parâmetros definidos para o desenvolvimento de seus produtos de acordo com a lei brasileira quanto para que haja segurança para investimentos no setor. Estamos falando de crescimento do setor de tecnologia, de uma solução palpável para a triste realidade de termos mais de 7 milhões de jovens sem perspectivas de futuro. E, ao mesmo tempo, dar um salto de qualidade em setor com demanda reprimida gigantesca e que prospera no mundo todo. Há como ser contra isso?

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JOTA

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