Gabriel Bez Batti

Na semana passada, o governo federal <a href="https://einvestidor.estadao.com.br/ultimas/haddad-fala-juros-capital-proprio/">editou</a> o <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2384817">PL 4258/23</a> para extinguir os juros sobre capital próprio (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/jcp">JCP</a>), com o objetivo de aumentar a arrecadação e zerar o déficit das contas públicas no ano de 2024.
Porém, há argumentos de inconstitucionalidade, por violação aos princípios da renda líquida e da igualdade[1] e de política pública que desafiam o acerto do referido PL.
Nos próximos tópicos, analisaremos a validade de cada um desses argumentos.
<h3>Princípios da renda líquida e igualdade tributária</h3>
Impedir a dedução dos JCP não resulta na violação ao princípio da renda líquida (arts. 43 do CTN e 153 da CF). Com efeito, a renda é medida da capacidade contributiva que pressupõe os seus fatores positivos e negativos, ou seja, os custos relacionados com o auferimento do acréscimo patrimonial. 
A dedução dos JCP, por sua vez, tem por fundamento o custo de oportunidade, "entendida enquanto renúncia, pelo agente econômico, dos benefícios derivados de determinado investimento em função do potencial de lucro superior vislumbrado em aplicação distinta".[2]
Não se trata de despesa usual e necessária da atividade, mas de pagamento de valores aos sócios com o objetivo de remunerá-los pelo capital aportado.
Em sentido similar, mudando o que tem que ser mudado, o Carf já reconheceu que "custo de oportunidade" não pode ser deduzido do lucro comercial e, conseguintemente, da base tributável do IRPJ e da CSL (Acórdão 9101-005.787).
Por isso, negar a dedução dos JCP não resulta na violação ao art. 43 do CTN e inciso III do art. 153 da CF.
O professor Luís Eduardo Schoueri[3] defende que inviabilizar a dedução dos JCP pode violar o princípio da igualdade. Para o renomado professor, haveria tratamento desigual se duas empresas, localizadas no mesmo lugar, com igual número de empregados e que produzem o mesmo produto fossem tratadas de forma distinta tão somente em razão da origem do seu capital.  
Partindo-se dessa premissa, porém, também seria inconstitucional impedir a dedução dos dividendos pagos — pelo menos até o limite do custo de oportunidade do sócio.
Entendemos, com a devida vênia, que impedir a dedução do capital próprio não viola o princípio da igualdade, porque juros e dividendos têm naturezas distintas. Com efeito, os lucros pagos aos acionistas decorrem de transações entre sócio e sociedade, com efeitos meramente patrimoniais (PL) e não em resultado. Em contrapartida, os juros pagos pelo uso do capital de terceiros configuram-se despesas financeiras, com efeito em resultado e dedutíveis da apuração do lucro real e da base de cálculo da CSL.
Os registros em resultado, como os juros pagos, assinalam a eficiência da administração na condução operacional dos negócios da empresa. Trata-se, portanto, de medida de desempenho, conforme se extrai do item 4.71 do CPC 00. Pagamentos com base no capital próprio, porém, são o resultado, isto é, o fruto desse mesmo desempenho.
A distinção não é meramente contábil. De fato, há justificativas para impedir a dedução dos lucros pagos, e uma delas diz respeito ao seguinte aspecto: se o pagamento for realizado ao exterior, o Brasil deixará de tributar indiretamente (ao conceder a dedução) uma parcela do lucro que possivelmente será tributada no país do beneficiário do rendimento a alíquotas que, em geral, são maiores que a do IRF incidente no Brasil.
Tal efeito desvantajoso foi apresentado por Chenchinski e Avi-Yonah[4]. Segundo os referidos autores, a transferência de lucro por meio do pagamento de dividendos a beneficiários estrangeiros é provavelmente a principal razão pela qual nenhum país permite deduzi-los.
Uma alternativa para igualar os instrumentos de equity e debt seria negar a dedução dos juros pagos ao credor, mas tal possibilidade esbarra, a nosso ver, no princípio da renda líquida estabelecido no art. 43 do CTN e inciso III do art. 153 da CF.
<h3>Política tributária</h3>
Há especialistas e entidades que defendem a manutenção dos JCP por entenderem salutar a criação (ou manutenção) de instrumentos com o objetivo de igualar os efeitos fiscais entre equity e debt, já que os pagamentos decorrentes de instrumentos de dívida são dedutíveis para fins fiscais, enquanto os decorrentes de instrumentos de capital, não. 
Tem-se, assim, que um dos motivos para a criação dos JCP foi eliminar a distorção entre capital e dívida, com o objetivo de diminuir o endividamento das empresas no País.
De fato, as recentes crises financeiras e econômicas demonstraram que as consequências de uma alavancagem excessiva podem ser prejudiciais à economia, em particular no setor financeiro (um dos setores que mais pagam JCP no Brasil). 
Atente-se, ainda, que não há regras no Brasil que limitem o montante de juros que pode ser pago aos credores no País (exceto, é claro, as regras de DDL, que são falhas), mas apenas ao exterior (regras de subcapitalização previstas na Lei 12.249/10), o que torna o custo do empréstimo interno mais barato e, por consequência, mais acessível.
Como os argumentos jurídicos pela inconstitucionalidade de regra que impeça a dedução do capital próprio não são convincentes, entendemos que a decisão de extinguir, ou não, os JCP, é estritamente econômica.
Assim, a questão que deve ser analisada é se os JCP têm resultado, de fato, na redução do nível de endividamento das empresas brasileiras.
Nesse ponto, há dois estudos realizados pela FGV que tentam responder a referida questão: em um deles[5], constatou-se que as empresas que pagam mais JCP têm menores níveis de alavancagem e de dívida bruta por ativo. Em <a href="https://portalibre.fgv.br/sites/default/files/2023-03/textosdediscussao_estimativas-do-retorno-de-investimentos-sob-regimes-tributarios-alternativos_06032023.pdf">outro</a>, apurou-se que os JCP não são suficientes para influenciar a escolha na estrutura de capital das empresas porque o seu financiamento por meio de dívida recebe alto incentivo fiscal.
Percebe-se, assim, que não há estudos conclusivos acerca da importância dos JCP para reduzir o nível de endividamento das empresas brasileiras, o que resulta, a nosso ver, na necessidade de sua manutenção até que pesquisas mais conclusivas apontem que tal instrumento (JCP) não é útil para a finalidade que se propõe.
No mínimo, o governo brasileiro, ao propor o PL 4258, deveria apresentar esse estudo com base em dados empíricos da série histórica de formação bruta de capital nos períodos em que os JCP estavam ou não em vigor, com o objetivo de verificar o seu impacto na estrutura de capital das empresas.
Sem esses dados, é temerário extinguir os JCP e manter uma carga tributária corporativa alta (34%, e tal alíquota é superior às financeiras) — a alta tributação no nível das sociedades foi fundamental para que países como a Bélgica, por exemplo, adotassem o ACE. 
De fato, o aumento da carga tributária por meio do incremento da base tributária do IRPJ e da CSL, sem a diminuição das alíquotas desses tributos, trará efeitos prejudiciais óbvios à economia.
Diante da ausência de estudos mais conclusivos acerca da ineficácia dos JCP para reduzir as distinções entre debt e equity, tal instrumento deveria ser aperfeiçoado, e não extinto. 
<hr />
[1] LANG, Joachim. The Influence of Tax Principles on the Taxation of Income from Capital, in ESSERS, Peter e RIJKERS, Arie (orgs.). The Notion of Income from Capital. Amsterdam: IBFD. 2005, p. 15.
[2] SCHOUERI, Luís Eduardo. Juros sobre capital próprio: natureza jurídica e forma de apuração diante da 'Nova Contabilidade'. In: Roberto Quiroga Mosquera; Alexsandro Broedel Lopes. (Org.). Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos
[3] Ibidem, p. 183.
[4] CHENCHINSKI, Amir C.; AVI-YONAH, Reuven S. The case for Dividend Deduction. University of Michigan Public Law Working Paper n. 220. Michigan: University of Michigan, 2010, p. 6.
[5] AMARAL, José Bento. PIERI, Renan; SAMPAIO, Joelson; ARRUDA, José Maria. Análise empírica dos juros sobre capital próprio na estrutura de capital das empresas listadas na bolsa de valores.

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JOTA

Governo deveria apresentar estudo para verificar impacto da extinção na estrutura de capital das empresas

Os JCP devem ser extintos?

Governo deveria apresentar estudo para verificar impacto da extinção dos JCP (juros sobre capital próprio) na estrutura de capital das empresas