Angelo Prata de Carvalho

Os títulos de crédito do agronegócio compõem microssistema jurídico que ainda carece de sistematização dogmática, especialmente diante de sua íntima vinculação a políticas públicas de desenvolvimento do setor agrário e, por conseguinte, ao fortalecimento do agronegócio brasileiro enquanto mecanismo de geração e circulação de riquezas.
O incentivo ao crédito rural e às suas respectivas garantias corresponde a parte fundamental desse arcabouço de políticas estatais, na medida em que permite não somente o acesso a mecanismos mais eficientes de financiamento da produção agrária, como também confere segurança jurídica a transações fortemente marcadas pela incerteza.
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Dada a relevância econômica do agronegócio e, por conseguinte, a intensa demanda por políticas de desenvolvimento do setor, amplos programas governamentais – como é o caso das várias edições do Plano Safra – e mesmo institutos jurídicos inovadores – como se verifica com a Cédula de Produto Rural – surgiram com vistas a solucionar ou ao menos remediar dificuldades prementes do produtor rural brasileiro.
Na esteira do já conhecido posicionamento governamental de expansão e aumento da produtividade e rentabilidade do agronegócio brasileiro, a MP 897/2019 foi editada no intuito de estruturar instrumentos jurídicos teoricamente capazes de reduzir o custo do crédito no setor rural.
Nesse sentido, o objetivo principal da MP foi de fortalecer institutos e conceitos afetos ao crédito rural, notadamente mediante a estruturação de um sistema de garantias financeiras mediante a autorização de fundos de aval fraterno, a criação de um novo título de crédito – a Cédula Imobiliária Rural – baseado em garantia imobiliária protegida por patrimônio de afetação (outra novidade introduzida pela MP) e, ainda, a autorização de emissão de títulos do agronegócio na forma escritural.
Considerando a iminência da instituição da comissão mista para apreciação do texto do governo, o conteúdo da MP deverá passar por reflexão ampla, que tenha por objetivo final não somente a proteção do produtor, mas também a manutenção da higidez do sistema já existente de garantias e títulos de crédito do agronegócio, sob pena de um setor já carente de segurança jurídica e simplificação do acesso ao crédito ver-se refém de complexidade ainda maior do que a já existente.
Talvez o maior exemplo de instituto jurídico inovador da MP 897/2019 seja o já afamado Fundo de Aval Fraterno – que não por acaso está posicionado no art. 1º e seguintes do ato normativo –, mecanismo de garantia subsidiária de operações de crédito realizadas por instituições financeiras que decorre de demanda de longa data do setor produtivo.
Tais fundos são estruturados por produtores rurais que, com vistas a garantir sua liquidez em eventuais contratempos, avalizam-se entre si (razão pela qual o fundo também pode ser denominado de “aval cruzado”). Os produtores, assim, em grupos de no mínimo dois e no máximo dez, integralizam recursos em troca de cotas primárias. Em seguida, a instituição credora e eventualmente outra instituição garantidora integralizam recursos para adquirir cotas secundárias e terciárias. Dessa maneria, a possibilidade de instituição de garantia dessa espécie traz consigo a promessa de reduzir o custo do crédito e conferir maior poder de barganha aos produtores perante instituições financeiras e agroindústrias.
Apesar de se tratar de inovação no setor agrário, Fundos de Aval já existem com a finalidade de garantir subsidiariamente – isto é, ao lado de outras garantias – financiamentos a pequenas empresas, como ocorre com o Fampe (Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas), gerido pelo SEBRAE, que surgiu diante da constatação empírica da dificuldade de pequenos empresários obterem garantias reais ou fidejussórias para acesso a financiamentos bancários.
Ademais, em projetos piloto realizados a nível municipal já implementaram Fundos de Aval Fraterno no intuito de garantir operações no meio rural, em experiências com resultados verdadeiramente interessantes: em lugar de ficarem relegados à negociação fora do sistema financeiro por preços pouco convidativos, adquirem maior poder de barganha e competitividade ao ver abertas vias de acesso ao crédito bancário por taxas de juros mais baixas. Alguns exemplos de Fundos de Aval Fraterno na agricultura podem ser encontrados nos municípios de Poço Verde/SE, Umuarama/PR, (que remontam à década de 1990), Araioses/MA, no Distrito Federal, dentre outros.
<blockquote class="jota-article__eye">Ocorre que os exemplos municipais supramencionados guardam a característica de, por força de lei, serem compostos por recursos públicos, seja oriundos de aportes realizados diretamente pelo Estado, seja decorrentes de aportes de bancos públicos.</blockquote>
Apesar de o Ministério da Agricultura informar que o BNDES já dispões de cinco bilhões de reais para apoiar renegociações de dívidas garantidas por Fundos de Aval Fraterno, o texto originário da Medida Provisória não impõe qualquer obrigatoriedade quanto à participação de bancos públicos ou do poder público propriamente dito – como ocorre, por exemplo, em determinadas leis municipais como a de Itabaiana/SE, que expressamente estabelece que a origem dos recursos será o Banco do Nordeste, ou na lei que estabelece o Fundo de Aval do Distrito Federal, segundo a qual os valores virão de receitas decorrentes de taxas do próprio fundo, das aplicações por ele realizadas, de instituições financeiras de fomento, de repasses governamentais, dentre outros.
Parece claro que a intenção da MP 897/2019 não é a de criar um único fundo sustentado por recursos públicos, mas de facultar a criação de fundos específicos de pequeno porte organizados de maneira difusa e privada. Não obstante, a natureza eminentemente privada dos recursos que compõem tais fundos levanta uma série de preocupações justamente em virtude do elemento de descentralização que os qualifica.
Nesse sentido, em se tratando de aval, presume-se que seriam aplicáveis as normas de teoria geral de títulos de crédito relacionadas a esse instituto, como é o caso da ausência de benefício de ordem para essa garantia (característica que a difere, por exemplo, da fiança). Diante disso, não parecem claras as consequências da instituição de “avais cruzados” dentro de uma entidade sem personalidade jurídica própria (ou disposição normativa que produza efeito semelhante) que, por conseguinte, não seria capaz de impedir o atingimento do patrimônio de algum de seus cotistas.
Não se está a defender, vale notar, a participação onipresente e indiscriminada do Estado nas garantias de toda e qualquer operação de financiamento rural, mas sim a mínima prestação de assistência por parte do Estado para que se efetive redução substancial no custo do crédito.
Assim, para além de subvencionar direta ou indiretamente iniciativas como essas – o que decorre do próprio imperativo de promoção ao desenvolvimento nacional e de incentivo ao setor agrário –, é de rigor que o Estado forneça arquitetura jurídica capaz de conferir segurança e previsibilidade aos agentes que potencialmente se beneficiarão dos Fundos de Aval Fraterno. Espera-se, com isso, que tal instituto seja mais uma ferramenta de garantia de direitos ao setor produtivo nacional e, em última análise, de impulsionamento do desenvolvimento.

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JOTA

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