Rennan Thamay

Vanderlei Garcia Junior

Aristóteles Moreira Filho

Alessandra Okuma

Em continuidade à sequência de artigos sobre a “tese do século”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, nosso desafio aqui é analisar a aplicação do precedente fixado no RE nº 574.706 aos contribuintes que estão sujeitos ao regime de substituição tributária do imposto estadual, o denominado ICMS-ST.
A conhecida decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) fixou a tese de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para efeito de incidência do PIS e da Cofins”. Esse precedente, no regime de repercussão geral, originou-se de lide que envolvia uma empresa comercial importadora, que está sujeita ao recolhimento do ICMS na sistemática usual de débitos e créditos.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>De acordo com a posterior orientação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no Parecer SEI Nº 7698/2021/ME, a Receita Federal do Brasil deve respeitar a decisão do STF e deixar de constituir créditos tributários relativos à inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e Cofins, nos termos do art. 19-A, III e § 1º da Lei nº 10.522/2002.
Como consta do referido parecer, os contribuintes têm o direito a recuperar os valores do ICMS destacado nas notas-fiscais a partir de março de 2017, independentemente de medidas judiciais. Todos os contribuintes que pagaram PIS e Cofins com a inclusão do ICMS podem, portanto, se valor da compensação administrativa de seu crédito.
Louvável a atuação da Procuradoria-Geral que garantiu a eficácia à decisão do STF de modo isonômico: todos em idêntica situação terão o mesmo tratamento jurídico.
No entanto, ainda paira considerável insegurança sobre a situação de inúmeros contribuintes que também pagam o ICMS, mas que estão sujeitos ao regime de substituição tributária. Essa técnica de arrecadação tem como finalidade a praticabilidade e, por isso, deveria se ater a produtos cuja cadeia de comercialização é muito pulverizada, para facilitar a fiscalização do cumprimento da obrigação tributária.
Originalmente, o regime de substituição tributária do ICMS atingia apenas alguns produtos: cimento, combustíveis, lubrificantes, cigarros, materiais elétricos, motocicletas, automóveis, tintas e vernizes, refrigerante, cervejas, chope, água e gelo.
Hoje, a lista do anexo I do Convenio ICMS 142/18 abrange 25 categorias de produtos: autopeças, bebidas alcoólicas, cervejas, chopes, refrigerantes, águas, cigarros, cimentos, combustíveis, lubrificantes, energia elétrica, ferramentas, lâmpadas, materiais de construção, materiais de limpeza, materiais elétricos, medicamentos, papéis, plásticos, produtos cerâmicos e vidro, pneus, produtos alimentícios, produtos de papelaria, produtos de perfumaria e higiene pessoal, cosméticos, produtos eletrônicos, eletroeletrônicos e eletrodomésticos, rações para animais, sorvetes, tintas e vernizes, veículos automotores e mercadorias comercializadas no sistema porta-a-porta.
Basicamente, a maioria dos produtos que têm uma cadeia de distribuição pulverizada, com venda direta ao consumidor, fica sujeita ao regime de ICMS-ST.  São muito os contribuintes que atuam nesses segmentos e que se encontram em uma situação de incerteza em relação à aplicação do precedente do STF.
A substituição tributária prospectiva ou “para frente” é técnica de arrecadação na qual o substituto deve pagar antecipadamente o imposto devido em sua operação própria e nas sucessivas, desobrigando os demais contribuintes do recolhimento. O substituto tributário não arca com o encargo econômico do imposto, mas repassa-o no preço do produto.
Temos duas relações jurídicas distintas e com efeitos próprios, sendo:
<ul>
<li>o substituto, que é o “agente arrecadador” do ICMS-ST, paga o imposto por toda cadeia subsequente e inclui o valor na nota-fiscal de venda, cobrando-o do substituído. Para o substituto, o ICMS destacado na nota-fiscal é excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins, nos termos do art. 12, §4 do Decreto-lei 1598/77, na redação da Lei 12.973/2014;</li>
<li>o substituído, que arca com o ônus do ICMS-ST, cujo valor compõe seu faturamento e é incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins.</li>
</ul>
O ICMS-ST se incorpora no valor total da nota-fiscal e, compondo o custo da mercadoria revendida, será incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins devidos pelo contribuinte substituído, usualmente o comerciante atacadista ou varejista, que adquire a mercadoria para posterior revenda.
À primeira vista, pode-se afirmar que o precedente do STF no nº 574.706 não se aplica imediatamente aos contribuintes que pagam o ICMS no regime de substituição tributária.
De fato, o julgamento do STF na “tese do século”, com repercussão geral, analisou o caso concreto de uma empresa comercial importadora, que paga o ICMS na sistemática geral de débitos e créditos, não se sujeitando ao recolhimento do ICMS ST. A tese enunciada pelo tribunal, contudo, de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para efeito de incidência do PIS e da Cofins”, não distingue entre as modalidades de cobrança previstas para o imposto estadual.
<blockquote class="jota-article__eye">Essa preocupação se estende aos múltiplos casos julgados país afora, muitos dos quais produziram decisões que, reproduzindo em boa medida o enunciado definido pelo STF para o Tema 69 de repercussão geral, não se referem especificamente às diversas modalidades de arrecadação do ICMS.</blockquote>
Nesse contexto, impõe demarcar que os limites de eficácia da coisa julgada estão vinculados ao pedido e à causa de pedir da ação judicial, como apontou Enrico Tullio Liebmann<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Os fatos narrados pelo autor devem ser coerentes com sua causa de pedir. E o pedido da ação judicial vai indicar o objeto da tutela jurisdicional, do qual o Poder Judiciário não poderá se afastar (art. 492 do CPC).
Nesse contexto, a manifestação de vontade que dá forma e conteúdo à pretensão deduzida em juízo ganha particular relevância para a demarcação da amplitude do direito conferido pela decisão judicial que determina a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Aqui nos referimos, obviamente, ao ato postulatório inicial.
Para o particular que, como contribuinte substituído, se sujeita, em todas as suas operações, ao regime de substituição tributária do ICMS, o questionamento judicial da inclusão do imposto estadual na base de cálculo do PIS e da Cofins há de almejar, lógica e necessariamente, a exclusão do ICMS-ST.
De forma semelhante, o contribuinte que formaliza a sua pretensão consignando, no seu pedido e na sua causa petendi, a exclusão do ICMS-ST como o escopo da tutela jurisdicional pleiteada, colabora na definição do objeto litigioso do processo de tal forma que a decisão que concede “a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins” há de se referir não apenas ao decote do imposto estadual recolhido pelo regime normal, mas também àquele exigido via substituição tributária “para frente”.
Fato é que os fundamentos que levaram o STF a decidir pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins são premissas que levam à conclusão de que os contribuintes do ICMS-ST, quando substituídos, também devem ter sua pretensão acolhida pelo Poder Judiciário.
Primeiro, porque o ICMS e o ICMS-ST são o mesmo imposto, cuja regra matriz de incidência está no art. 155 da Constituição Federal. A única diferença é a técnica de arrecadação, que centraliza a cobrança em no início da cadeia, como medida de praticabilidade.
Como regra geral, os tributos devem ser aplicados com observância dos princípios da generalidade, impessoalidade e não discriminação, ou seja, com isonomia e com regime igual para todos os que se encontram em situações equivalentes (art. 150, II da CF). A distinção em relação à cobrança do imposto não altera sua natureza jurídica (fato gerador e base de cálculo) e nem é critério discriminante que autorize tratamento desigual aos contribuintes do imposto<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Segundo, porque ao julgar o RE 574.706 o Supremo Tribunal Federal concluiu que o ICMS deve ser excluído da base de cálculo do PIS e Cofins, pois não é receita do contribuinte, mas dos estado competente para arrecadá-lo. O mesmo rationale justifica a exclusão do ICMS-ST. O ICMS-ST não é receita e nem faturamento porque não integra o patrimônio do substituído. É imposto que foi retido pelo substituto tributário (o fornecedor) e recolhido antecipadamente aos cofres do Estado competente, pelos fornecedores, que operam como agentes arrecadadores, sendo o imposto destacado nas notas fiscais emitidas<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Terceiro, porque em relação ao substituído, a parcela do ICMS-ST não gera créditos de PIS e Cofins no regime não cumulativo, como já decidiu o STJ (AgInt nos EDcl no REsp 1881576 / SC, rel. min. Mauro Campbell Marques, j. 15.03.2021, DJe 18.03.2021). O substituto, por sua vez, exclui esse imposto na apuração das referidas contribuições.
O substituto vende as mercadorias com destaques na nota-fiscal do ICMS próprio (de sua operação) e calcula o valor do ICMS ST de acordo com a margem de valor agregado (MVA) que estima o preço das operações posteriores.
O substituído, por sua vez, paga antecipadamente o ICMS de todas as operações e esse imposto, do qual não pode se creditar, irá compor o custo das mercadorias adquiridas e, consequentemente, seu faturamento, servindo como base de cálculo para o PIS e a Cofins.
Assim sendo, ao adquirir as mercadorias, o contribuinte substituído paga o ICMS de todo o ciclo econômico da mercadoria, do produtor/importador/industrial até o consumidor final. Esse valor vem destacado nas notas-fiscais de aquisição e impacta diretamente a base de cálculo do PIS e da Cofins devida pelo substituído, que sequer pode aproveitar os créditos usuais da não cumulatividade.
Como se vê, o contribuinte substituído aufere receitas que estão oneradas pelo ICMS de toda a cadeia, o qual, na esteira da decisão do STF, não poderia compor a base de cálculo do PIS e da Cofins.
O princípio da unidade da Constituição e a coerência do sistema jurídico<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> impõem uniformidade da jurisprudência para evitar contradições e conflitos. Partindo-se do conceito de receita/faturamento, a conclusão lógica e harmônica com a decisão do STF na “tese do século” é de que o ICMS-ST também deve ser excluído da base de cálculo do PIS e Cofins devidos pelo substituído.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: &lt;https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/limites-da-modulacao-dos-efeitos-pelo-stf-em-materia-tributaria-18062021&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> LIEBMAN, Enrico Tullio. DINAMARCO, Cândido Rangel (Trad.). Manual de direito processual civil. 2. ed.  Rio de janeiro: Forense, 1985, v. 1, p. 150.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> TRF 3ª Região, 4ª Turma,  ApelRemNec – 5011693-74.2018.4.03.6100, rel. desembargador Federal Andre Nabarrete Neto, julgado em 26/05/2020, Intimação via sistema DATA: 27/05/2020
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> TRF 3ª Região, 4ª Turma,  ApelRemNec – 5000372-64.2017.4.03.6104, rel. desembargador federal Marcelo Mesquita Saraiva, julgado em 19/05/2020, Intimação via sistema DATA: 28/05/2020; TRF 1, 8 T, Ac 1000315-11.2017.4.01.3311, rel. desembargador federal Marcos Augusto de Sousa, j. 14.12.2020, DJ 10.02.2021; TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv – 5000055-52.2020.4.03.6107, rel. desembargador Federal Toru Yamamoto, julgado em 28/05/2021, Intimação via sistema DATA: 01/06/2021; TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv – 5002291-02.2019.4.03.6110, rel. desembargador federal Nery da Costa Junior, julgado em 27/04/2021, DJEN DATA: 04/05/2021; TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv – 5000607-72.2020.4.03.6121, rel. desembargador Federal Luis Carlos Hiroki Muta, julgado em 04/03/2021, Intimação via sistema DATA: 09/03/2021; TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI – 5013306-28.2020.4.03.0000, rel. desembargador Federal Antonio Carlos Cedenho, julgado em 21/08/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 26/08/2020; TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI – 5026726-37.2019.4.03.0000, rel. desembargador federal Cecilia Maria Piedra Marcondes, julgado em 21/02/2020, e – DJF3 Judicial 1 DATA: 02/03/2020).
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> LUHMANN, Nicklas. Sistema jurídico y dogmatica jurídica. Madrid: Centro de Estudios constitucionales, 1983.

Fotos produzidas pelo Senado

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JOTA

Análise da aplicação do precedente fixado aos contribuintes sujeitos ao regime de substituição tributária

Os efeitos da tese do século em relação ao ICMS-ST

Análise da aplicação do precedente fixado aos contribuintes sujeitos ao regime de substituição tributária