Anderson Luiz Alves de Araujo

O artigo 18 da Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, permite ao empregador suspender, por até quatro meses, o contrato de trabalho para qualificação do empregado, sem a concessão da Bolsa de Qualificação Profissional pelo Governo Federal. Todavia, o referido dispositivo foi revogado pelo artigo 2º da Medida Provisória nº 928, de 23 de março de 2020.
Apesar disso, após vigerem pelo prazo constitucional de sessenta dias, prorrogado por igual período, as duas normas perderam eficácia, já que não foram convertidas em lei pelo Congresso Nacional. Nesse contexto, este estudo pretende analisar os efeitos da revogação, total ou parcial, de uma medida provisória por outra, conforme a legislação, a jurisprudência e a doutrina.
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A medida provisória é um ato normativo primário, excepcional no quadro da separação dos poderes, editado pelo Presidente da República em matérias relevantes e situações urgentes, e sujeito à condição resolutiva (CAVALCANTE FILHO, 2015, p. 188). É ato normativo primário, pois o seu fundamento de validade está na Constituição Federal (CF, art. 59, V). Ademais, possui caráter excepcional no quadro da separação dos Poderes, porquanto sua edição pelo Presidente da República é exercício de função atípica (legislativa) pelo Poder Executivo. Por fim, sujeita-se à condição resolutiva, porque perde a eficácia, desde a edição, se é rejeitada pelo Congresso Nacional (CF, art. 62, § 3°) (CAVALCANTE FILHO, 2015, p. 188/189).
Assim, são efeitos imediatos da edição da medida provisória: (i) inova o ordenamento jurídico (ADI nº 293-MC); (ii) provoca o Congresso Nacional a instaurar o devido procedimento de conversão em lei (ADI nº 293-MC); e (iii) suspende a eficácia da legislação ordinária pretérita em sentido contrário (TÁCITO, 1989, p. 56).  Nota-se que a publicação dessa espécie normativa não revoga automaticamente a legislação anterior com ela incompatível.
Logo, se a medida provisória revogadora é rejeitada, expressa ou tacitamente<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, pelo Congresso Nacional, a norma que estava suspensa recobra a sua vigência. Contudo, caso a medida provisória revogadora seja aprovada e convertida em lei, ocorre, enfim, a revogação da legislação incompatível com a nova lei publicada. Corrobora isso a valiosa lição de Pinto Ferreira (1992, p. 293):
 “A medida provisória possui vigência e eficácia imediatas, mas destas não resulta a revogação dos atos legislativos com ela conflitantes ou incompatíveis. Ela possui eficácia temporal limitada (...), tendo efeitos paralisantes e não revogatórios em face das leis que lhe são anteriores e conflitantes. Caso não se opere a conversão legislativa, fica restaurada a eficácia jurídica dos diplomas legislativos suspensos, afetados pela medida provisória.”
Nesse sentido também é a jurisprudência da Suprema Corte brasileira, consoante as transcrições a seguir:
“Medida provisória não revoga lei anterior, mas apenas suspende seus efeitos no ordenamento jurídico, em face do seu caráter transitório e precário. Assim, aprovada a medida provisória pela Câmara e pelo Senado, surge nova lei, a qual terá o efeito de revogar lei antecedente. Todavia, caso a medida provisória seja rejeitada (expressa ou tacitamente), a lei primeira vigente no ordenamento, e que estava suspensa, volta a ter eficácia.” (ADI nº 5.709, ADI nº 5.716, ADI nº 5.717 e ADI nº 5.727)
“Como qualquer outro ato legislativo, a medida provisória é passível de ab-rogação mediante diploma de igual ou superior hierarquia. (...) A revogação da medida provisória por outra apenas suspende a eficácia da norma ab-rogada, que voltará a vigorar pelo tempo que lhe reste para apreciação, caso caduque ou seja rejeitada a medida provisória ab-rogante. Consequentemente, o ato revocatório não subtrai ao Congresso Nacional o exame da matéria contida na medida provisória revogada. (ADI nº 2.984 MC)
“Já se firmou a jurisprudência desta Corte (assim, nas ADI 1.204 MC, 1.370 MC e 1.636 MC) no sentido de que, quando medida provisória ainda pendente de apreciação pelo Congresso Nacional é revogada por outra, fica suspensa a eficácia da que foi objeto de revogação até que haja pronunciamento do Poder Legislativo sobre a medida provisória revogadora, a qual, se convertida em lei, tornará definitiva a revogação; se não o for, retomará os seus efeitos a medida provisória revogada pelo período que ainda lhe restava para vigorar.” (ADI nº 1.665 MC)
Portanto, a medida provisória não revoga o ato legislativo anterior com ela incompatível, mas apenas suspende a eficácia dele. Logo, se ela não é convertida em lei, restaura-se automaticamente a força normativa do diploma legal com ela colidente. Nessa hipótese, quando antagonismo está em um ato da mesma espécie legislativa, a norma antiga recupera a produção dos seus efeitos jurídicos pelo tempo residual, a partir da rejeição, expressa ou tácita, da recente.
Consequentemente, em 20 de julho, encerrado o prazo de vigência da Medida Provisória nº 928, cessou-se a suspensão dos efeitos do artigo 18 da Medida Provisória nº 927. Desde então, as regras nele previstas acerca da interrupção temporária do contrato de trabalho para qualificação do empregado voltaram a viger. Afinal, embora ultimada a vigência dos outros dispositivos da Medida Provisória nº 927, o referido artigo deve vigorar pelo prazo remanescente de cento e dezenove dias. Isso, porque ele teve eficácia apenas por um dia, enquanto os demais dispositivos constantes daquela norma vigeram pelo prazo constitucional de sessenta dias, prorrogado por igual período.
Por fim, o desfecho diverso ocorrerá apenas se o artigo 18 da Medida Provisória nº 927 for revogado por lei ou outra espécie normativa de hierarquia superior nesse período restante, já que seria inconstitucional<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> a edição de nova medida provisória com tal finalidade. Dessa forma, estão equivocadas as informações contidas nos sítios eletrônicos do <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/141145">Congresso Nacional</a> e do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm">Planalto</a> acerca do encerramento da vigência do aludido dispositivo, porquanto não observam o entendimento consagrado na doutrina e na jurisprudência.
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<h3>Referências bibliográficas</h3>
ADI nº 293-MC, rel. min. Celso de Mello, j. 6-6-1990, P, DJ de 16-4-1993.
ADI nº 1.665 MC, rel. min. Moreira Alves, j. 27-11-1997, P, DJ de 8-5-1998.
ADI nº 2.984 MC, rel. min. Ellen Gracie, j. 4-9-2003, P, DJ de 14-5-2004.
ADI nº 5.709, ADI nº 5.716, ADI 5.717 e ADI 5.727, rel. min. Rosa Weber, j. 27-3-2019, P, DJE de 28-6-2019.
CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Processo Legislativo Constitucional. 2ª edição. JusPodivm. Salvador, 2016.
DINIZ, Vania Fernandes. Medidas Provisórias: sua especificidade precária e a infringência de direitos adquiridos. Revista de Informação Legislativa. Ano 34, nº 136. Brasília, 1997.
PINTO FERREIRA, Luiz. Comentários à Constituição brasileira. Saraiva. São Paulo, 1992.
TÁCITO, Caio. Medidas provisórias na Constituição de 1988. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 90, p. 50/56, abr./jun. 1989.
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<h3>Notas de rodapé</h3>
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A rejeição tácita da medida provisória ocorre após o transcurso do seu prazo de vigência, sem a devida deliberação do Congresso Nacional.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> “É inconstitucional medida provisória ou lei, decorrente de conversão de medida provisória, cujo conteúdo normativo caracterize a reedição na mesma sessão legislativa, de medida provisória anterior rejeitada, de eficácia exaurida por decurso do prazo ou que ainda não tenha sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro do prazo estabelecido pela Constituição Federal.” (ADI nº 5709, ADI nº 5716, ADI nº 5717 e ADI nº 5727).

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JOTA

Um estudo sobre o artigo 18 da Medida Provisória nº 927/2020


Os efeitos da revogação de uma medida provisória por outra

Um estudo sobre o artigo 18 da Medida Provisória nº 927/2020