Bruno Blum Fonseca

Beatriz de Freitas Alves Vicente

Ingrid Fischer Carvalho

Muito tem se falado nos últimos anos que o avanço tecnológico e o desenvolvimento da inteligência artificial substituirão muitas atividades humanas. À medida que as máquinas se tornam mais inteligentes, realizam novas tarefas, o que desencadeia o aumento da automação em vários setores. Ainda assim, não se deve temer o desenvolvimento da automação, pois acredita-se que surgirão novas espécies de trabalho, com maior valorização das capacidades exclusivamente humanas, como a criatividade e a empatia.
Inclusive, esse é um dos argumentos que confronta a teoria de uma substituição humana total, que diz respeito ao aspecto criativo do ser humano e sua capacidade de criar – o que seria impossível para uma <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ia">inteligência artificial</a>, como defendem algumas teorias. Contudo, as IAs generativas ascenderam trazendo a possibilidade de criação de textos, imagens e músicas por inteligências artificiais, por meio do aprendizado de máquinas (machine learning) e de uma base de dados.
Hoje já se tem muitos exemplos práticos do uso das IAs generativas no setor artístico, como o retrato “The Next Rembrandt”, desenvolvido por um grupo de museus e pesquisadores holandeses, que, com a ajuda de uma inteligência artificial, criaram uma obra de arte com as mesmas características das obras de Rembrandt Harmenszoon van Rijn, por meio da análise de milhares de obras do artista.
Há exemplos também em outras áreas, como no jornalismo: o jornal Washington Post possui o “Heliograf” e a revista Forbes conta com a “Bertie”, sistemas de inteligência artificial que automatizam a criação de artigos por meio da compilação de dados e realizam o gerenciamento de conteúdo para identificar tendências em tempo real, sugerir melhorias para manchetes e identificar imagens relevantes, auxiliando os jornalistas na execução de seus trabalhos.
Não apenas na seara de produção textual e na criação de fotos e imagens, as IAs generativas são capazes também de criar sons e músicas, como a “Deep Mind”, inteligência artificial do Google que gera músicas a partir de gravações de áudio.
Com isso, existem muitas discussões jurídicas sobre a tutela dessas criações, dada à, até então, falta de regulamentação específica e à crescente judicialização da produção autoral robótica.
Um primeiro e complicado desafio que já se impõe diz respeito às bases de dados usadas para treinar e alimentar esses modelos de IA. Centenas de milhares de obras encontram-se inseridas nessas bases, muitas delas protegidas por direitos de propriedade intelectual, de modo que se questiona se a inserção de obras protegidas em bases de IAs generativas seria, em si, uma violação de direitos.
Sobre o tema, já se tem notícia de IAs que retornaram conteúdo muito similar ao de obras protegidas, em alguns casos podendo até ser reconhecida a assinatura do artista “plagiado”. Nesse plano, teriam os autores o direito de recusar ou contestar a inserção da obra nessas bases?
O plano seguinte de questionamento está na autoria/titularidade dos conteúdos gerados pela máquina. De um lado, encontram-se casos em que a máquina é usada apenas como suporte para a criação humana, ou seja, a obra é criada pelo ser humano, com maior ou menor grau de intervenção/apoio da IA. Nesse cenário, argumenta-se que a autoria/titularidade pertence ao(s) humano(s) envolvido(s), em analogia ao que se pensa das obras produzidas com uso de câmera fotográfica, câmera de gravação, filmadoras etc.
Sobre o tema, o Tribunal Distrital de Nanshan, na China, decidiu no caso Shenzhen Tencent v. Yingxun pela proteção de direitos autorais de artigo financeiro produzido com um sistema de inteligência artificial, entendendo que a criação do artigo ocorreu em quatro fases: acionamento e coleta de dados, escrita, verificação e distribuição, sendo que em todas essas fases houve intervenção humana, de modo que foi reconhecida a tutela do direito autoral da empresa por trás da IA que desenvolveu o artigo.
Contudo, em outros casos a máquina é quem “cria” determinado conteúdo, bastando um simples comando humano. Hipótese em que a corte chinesa, no Tribunal da Internet de Pequim, entendeu que os relatórios informacionais produzidos por um sistema de inteligência artificial não devem ser protegidos por direitos autorais, já que a legislação pressupõe um autor necessariamente humano.
O direito autoral no Brasil é regulado pela <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm">Lei 9.610/98</a>, claramente contrária à visão da IA como autora de uma obra, uma vez que, em seu artigo 11, afirma: “Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica”, sendo excepcionada a atribuição de autoria às pessoas jurídicas, conforme o parágrafo único do mesmo artigo.
Vale destacar que, para o ordenamento jurídico brasileiro vigente, as IAs não são pessoas físicas nem jurídicas, de modo que não podem ser consideradas autoras, como o caso estrangeiro da “Selfie do Macaco”, em que se discutiu sobre a possibilidade de um macaco ser o autor da “selfie” tirada por ele próprio, concluindo que, mesmo que o animal tivesse tirado as fotos por ação independente e autônoma, não haveria nenhuma violação de direitos autorais, pelo fato de animais não possuírem legitimidade legal para tanto, o que poderia se aplicar por analogia às IAs.
Enquanto não se pacificam os entendimentos, a solução adotada pelo mercado passa pela elaboração de documentos jurídicos para regular, contratualmente, o regime autoral aplicável. Partindo da premissa de que a plataforma detentora da IA possui legitimidade para dispor sobre os direitos envolvidos nas obras criadas por ela, alguns documentos jurídicos disciplinam o regime de licenciamento ou até de cessão de direitos para os usuários, discriminando os limites de uso e dos direitos. Já outras plataformas partem da premissa oposta, com o direito originalmente na mão dos usuários, sendo então licenciado ou cedido para a empresa.

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JOTA

Enquanto entendimento não é pacificado, solução do mercado passa por regular contratualmente regime autoral aplicável

Os direitos autorais das obras criadas por IAs generativas

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