Lucas Cavalcante

Mais uma vez as questões fiscais voltam à pauta nacional por meio das discussões sobre <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/reforma-tributaria">reforma tributária</a>. Em um cenário de recessão econômica e de mudança de governo, o aprimoramento do sistema tributário reaparece como uma busca de justiça fiscal e reequilíbrio das contas públicas, mas também é indevidamente utilizado como bandeira política. 
Em que pese a urgência e a necessidade da reforma do sistema tributário, a mudança constitucional/legislativa que está em discussão por si só não é capaz de representar o avanço necessário que o país tanto precisa em termos de relação fisco-contribuinte, devendo-se atentar para alguns outros diversos fatores. 
No contexto brasileiro, de certo modo, é até esperado que, inicialmente, a reforma provoque crescimento do contencioso tributário. Percebe-se que faz parte do processo de “acomodação” das mudanças normativas tributárias, um teste perante o Poder Judiciário, especialmente pelo STF, sendo, muitas vezes, um processo longo e demorado.  
Além disso, não obstante haja uma profunda alteração, o sistema tributário ainda terá que lidar com a conclusão de demandas relativas a antiga legislação pendente de pacificações nos tribunais pátrios, de modo que a gestão do contencioso tributário é tão importante quanto à discussão sobre a unificação de tributos ou a tributação de dividendos.  
O Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) contratou um <a href="https://www.etco.org.br/wp-content/uploads/Estudo-Desafios-do-Contencioso-Tributario-ETCO-EY.pdf">estudo da auditoria independente EY</a> para diagnosticar os problemas do contencioso tributário no Brasil. Dentre as conclusões, o estudo, ao analisar as demonstrações financeiras de companhias de capital aberto, identificou uma alta relevância de demandas tributárias, representando mais que o dobro dos litígios nas esferas cível e trabalhista. Em alguns casos, os valores chegam a ultrapassar o próprio valor de mercado da companhia.
Mais recentemente, foi <a href="https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2023/03/21/grandes-empresas-questionam-na-justica-r-559-bi-em-tributos.ghtml">noticiado que grandes empresas questionam na justiça brasileira R$ 559 bilhões em tributos</a>. Do valor total sob contingência (em discussão judicial) das empresas analisadas, cerca de 74,3% se concentram em discussões tributárias. Sob uma perspectiva internacional, essas disputas no Brasil pesam 17 vezes para as empresas do que no exterior.
Esse cenário decorre de alguns problemas crônicos que, independentemente da reforma tributária, as companhias, mais especificamente diretores, executivos e demais profissionais relacionados com área deverão estar preparados para fazer uma adequada gestão.  
Primeiro, destaca-se a necessidade de condução estratégica de processos de grande valor por longos períodos até se chegar a uma decisão final definitiva.  
A questionável tentativa de aprimoramento do sistema processual, por meio do aumento do limite da alçada do Carf previsto na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1160.htm">MP 1160/2023</a>, mais <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/problemas-praticos-do-limite-de-alcada-no-carf-06032023">sofreu críticas do que elogios</a> pela suposta celeridade processual.
É imprescindível uma rotina permanente de reavaliação de provisões das contingências tributárias, tendo em vista oscilações de jurisprudências, influenciadas até mesmo pela discussão acerca do voto de qualidade. Um contribuinte que teve a “sorte” de ter seu caso julgado durante a vigência da Lei 13.988/2020 pode ter tido um considerável benefício financeiro em detrimento de outros pela simples circunstância de não terem chegado a tempo de se beneficiar da episódica legislação. 
Ainda em termos de segurança jurídica e previsibilidade, o baixo nível de coerência e integridade da jurisprudência é algo que dificulta a adequada gestão do contencioso tributário. É evidente a baixa de padronização dos entendimentos dentro dos próprios órgãos fiscais, ou quando as delegacias de julgamento, os órgãos de solução de consulta e os auditores da fiscalização não observam adequadamente os entendimentos do Carf. 
Outras vezes a divergência ocorre entre o Judiciário e os órgãos administrativos de julgamento, situações que devem ser analisadas adequadamente pois interferem diretamente nas estratégias a serem adotadas pelas companhias em casos de planejamento tributário e aproveitamento de créditos. 
Em termos de processo judicial, destaca-se o desafio da aceitação de garantias menos onerosas aos contribuintes, como carta-fiança e seguro garantia, que são necessárias para viabilizar o adequado devido processo legal.  
No campo da conformidade fiscal, a profusão normativa tributária, materializada pelo excesso normas infralegais, com a dificuldade de se obter uma resposta rápida e assertiva em sede de consulta fiscal elevam os custos de adequação à legislação, sendo um dos fatores que dificultam o ambiente de negócios no país.  
Não se pode deixar de destacar o <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/as-novas-regras-de-representacao-fiscal-para-fins-penais-11122018">frequente recurso a estratégias penais de responsabilização</a> de sócios, diretores, administradores e representações para fins penais com fins eminentemente arrecadatórios junto às recorrentes sanções políticas como meios indiretos de cobrança tributária. 
Dentre outros diversos pontos, vale ainda destacar dois fatos recentes que tiveram fortes impactos negativos nesse contexto. 
O STF, por meio do julgamento dos Temas 881 e 885, entendeu por relativizar a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/coisa-julgada">coisa julgada</a> em matéria tributária. Em resumo, caso um contribuinte tenha obtido uma decisão definitiva para deixar de pagar algum tributo e em seguida o Supremo reconheça a constitucionalidade da cobrança, a coisa julgada individual tem seus efeitos cessados. 
Sem adentrar no mérito do julgamento, apesar de a decisão buscar resguardar a isonomia e a livre concorrência entre contribuintes, trata-se de uma decisão delicada e inédita no sistema processual brasileiro, que afetou relevantes garantias constitucionais, mas que, apesar disso, sequer mereceu a modulação dos seus efeitos. Modulação essa utilizada em excesso pelo STF quando em favor do fisco.
O outro fato refere-se à promulgação de duas emendas à Constituição (EC 114 e 113) no final de 2021, que frustraram a expectativa financeira de diversos contribuintes que aguardavam a devolução de tributos recolhidos indevidamente reconhecidos por decisão judicial.  
Apesar de aguardarem pacientemente nas filas dos tribunais, alguns contribuintes tiveram que amargar a não devolução desses valores e ainda permanecem aguardando uma solução definitiva. 
Por outro lado, deve-se reconhecer que houve um considerável avanço em prol da consensualidade na relação tributária, a instituição da transação, os negócios processuais, o desenvolvimento da conformidade fiscal, todavia, infelizmente, essas iniciativas ainda representam pouco no oceano do intrincado sistema tributário. 
Em suma, ainda que com eventual aprovação de reforma tributária, os desafios de gestão do contencioso tributário permanecerão por um razoável período do futuro no contexto brasileiro. As estratégias, decisões e formas de fazer negócio ainda devem levar em conta todos os aspectos destacados e muitos outros que não couberam neste texto.

tributário

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JOTA

Apesar de avanços em prol da consensualidade, iniciativas ainda representam pouco no oceano do intrincado sistema tributário

Os desafios da gestão do contencioso tributário

Apesar de avanços em prol da consensualidade tributária, iniciativas ainda representam pouco no oceano do contencioso tributário