Pandemia

Os crimes tributários cometidos em época de coronavírus serão perdoados?

Discussão desde já ou a questão será enfrentada nos procedimentos criminais vindouros a apurar crimes contra a ordem tributária

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É tese consolidada na jurisprudência pátria que a existência de elementos que comprovem a dificuldade econômica de uma empresa possibilita o reconhecimento judicial de inexigibilidade de conduta diversa e justifica a exclusão da punição do eventual crime tributário.

Se o “dono” da empresa deixa de recolher tributos à Fazenda Estadual ou ao Fisco Federal, por conta de uma comprovada grave crise econômica, é possível que não seja punido pelo crime correlato contra a ordem tributária. Nesse caso, o Estado reconhece que pagamentos de funcionários, fornecedores e de outras dívidas “essenciais” são prioritários ao pagamento de tributos, não podendo exigir do empresário que assim opta uma conduta diversa (do não pagamento tributário).

Certamente, nessas situações em que um empresário submetido a uma persecução penal alega dificuldades financeiras para justificar uma evasão fiscal, tende a ser ponderado pelo Poder Judiciário se em seu caso concreto ocorreu “apenas” uma inadimplência de pagamentos ou se ocorreram atos fraudulentos para afastar as mãos do Fisco, situação em que o Estado tende a ser muito menos condescendente.

Ou seja, vale muito a análise do caso concreto, corroborada por prova documental ou conjecturas de conhecimento amplo e inquestionáveis. E o caso concreto que invade a realidade empresarial e impacta as relações econômicas, de modo geral, hoje, é a pandemia do novo coronavírus.

Assim, com o reconhecimento estatal do estado de calamidade, não demorou para que, na esfera do direito tributário, inaugurasse decisão judicial na qual se lança mão de uma teoria de direito administrativo, fato do príncipe, para justificar a intervenção judicial excepcional nas relações jurídicas entre o fisco e seus contribuintes e assim permitir à determinada empresa a suspensão ou diferimento do recolhimento de  tributos federais, por três meses – tempo que se projeta a manutenção do isolamento horizontal.

A decisão em questão foi proferida pela 21ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, nos autos de nº 1016660-71.2020.4.01.3400, exarando entendimento que muito provavelmente será estendido à esfera estadual, notadamente com relação ao ICMS.

Se um Juiz de Direito analisa a situação específica de uma empresa, no contexto da crise atual, e permite-lhe a suspensão do recolhimento de valores aos cofres públicos, não parece existir qualquer possibilidade de divergência com relação aos reflexos dessa decisão na esfera penal.

No entanto, surgem duas hipóteses que devem ser objeto de reflexão. É que, mesmo com o diferimento do recolhimento dos tributos, uma hora a conta chega. E se o fôlego dos três meses não tiver sido suficiente para suportar as dificuldades financeiras e tais empresas se tornarem inadimplentes? Por outro lado, e com relação às empresas que sequer chegarem a demandar do Poder Judiciário essa moratória, mas que deixem de cumprir com seus compromissos tributários neste trimestre? Alcançará a essas duas situações, o poder punitivo do Direito Penal? Ou se entenderá que a culpabilidade criminal pela inadimplência tributárias nesses dois respectivos contextos será isentada por inexigibilidade de conduta diversa?

Vale ter em vista que os efeitos do isolamento horizontal são previsíveis. Se as portas das empresas não abrem, não há receita. Sem receita, há dificuldade para honrar os salários dos empregados e pagamento dos fornecedores. E assim a roda gira. Apresentaria a situação de pandemia que enfrentamos um estado de presunção geral para graves dificuldades financeiras? Ou terá, em eventual situação futura, cada empresa por si comprovar seu particular estado crítico para afastar os efeitos criminais de seus inadimplementos tributários?

A situação é nova em vários sentidos. Mas não afasta a conveniência de discussão desde já, ou será inevitavelmente enfrentada nos procedimentos criminais vindouros a apurar crimes contra a ordem tributária. Na dúvida, é a conduta tomada na crise — os esforços despendidos para gerenciá-la hoje, as opções conscientes de cortes de despesas, as consultorias jurídicas para melhor planejamento e os próprios ajuizamentos dos pleitos tributários — que fará toda diferença.