Rafael Alves das Neves
Procurador da UERJ. Especialista em Direito Administrativo pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ.
Na clássica cena de Os Caçadores da Arca Perdida, Indiana Jones chega ao coração de um templo antigo, onde encontra o ídolo de ouro que procura. O arqueólogo observa atentamente o tesouro à sua frente e estima o seu peso. Com todo o cuidado, troca o objeto dourado por um saco de areia. Mas o erro de cálculo ativa o milenar sistema de segurança e o herói precisa fugir do desmoronamento do prédio e da gigantesca bola de pedra que selará a sua saída.
Traçando um paralelo com a Administração Pública, a sequência acima se assemelha à atividade de estimativa do valor da contratação. Tal qual Indiana Jones, o gestor público precisa olhar para o bem ou serviço do qual necessita e, com os conhecimentos à mão, descobrir o seu justo peso em ouro, segundo padrões de mercado.
Do contrário, corre o risco de ver a licitação fracassar, caso todas as propostas sejam desclassificadas por superarem o limite de preço estipulado no edital, ou, na hipótese oposta, de lesar os cofres públicos, adjudicando o objeto por preço acima do valor real de mercado.
A adequada pesquisa de preço concretiza, portanto, não apenas o princípio da economicidade, mas também o do planejamento[1]. É através dela que o Estado verifica se possui reservas orçamentárias suficientes e se planeja para realizar a contratação[2], alocando de forma apropriada os recursos disponíveis.
Instrumentaliza, em última análise, o direito fundamental à boa administração.
Por essas razões, constitui um dos pilares da licitação eficiente, ao lado do projeto básico ou termo de referência bem construído.
Contudo, a Lei nº 8.666/93 é lacunosa quanto ao procedimento a ser observado pelo gestor público para estimar o preço da contratação, fazendo menções genéricas, por exemplo, à determinação, sempre que possível, de submissão a condições semelhantes às do setor privado e de se balizar pelos preços praticados nas contratações públicas (art. 15, III e V).
Num primeiro momento, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) acolheu, como exigência mínima, a obtenção de três orçamentos de fornecedores distintos (Acórdão nº 3.026/2010-Plenário, Acórdão nº 4.013/2008-Plenário, Acórdão nº 1.547/2007- Plenário), o que veio a se tornar a praxe na Administração Pública[3].
Entretanto, o posicionamento do TCU evoluiu no sentido de que a pesquisa não deveria se limitar a consultas diretas a empresas privadas. Caberia à Administração buscar fontes adicionais de parâmetro, como contratações similares do mesmo e de outros órgãos públicos, portais oficiais de referência e sítios eletrônicos especializados (Acórdão 1604/2017-Plenário, Acórdão 718/2018-Plenário e Acórdão 713/2019-Plenário).
No estado do Rio de Janeiro, Tribunal de Contas estadual (TCE-RJ) sumulou o entendimento de que a pesquisa de preços precisa ser ampla e diversificada, não devendo se limitar à cotação de potenciais fornecedores, respeitadas as limitações do objeto a ser contratado (Súmula nº 02 TCE-RJ).
Em decisão divulgada no volume nº 01/2020 do seu Boletim de Jurisprudência, o TCE-RJ reiterou a irregularidade da estimativa baseada apenas em consultas ao setor privado, ainda que não tenha sido comprovada a existência de sobrepreço (Processo TCE-RJ nº 230.042-1/14).
No âmbito normativo, a IN nº 5/14, hoje substituída pela IN nº 73/20, estabeleceu os parâmetros a serem utilizados pela União, priorizando-se a busca no painel de preços do governo federal e em contratações similares de outros entes públicos.
Por sua vez, a recém-publicada nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21), ao contrário da antecessora, ocupou-se em disciplinar a composição da pesquisa de preços.
De acordo com o art. 23 do novo diploma, o “valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto”.
Para licitações de bens e serviços em geral, o §1º do mesmo artigo elenca critérios objetivos e exige a utilização, combinada ou não, de preços encontrados em: painel disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP); contratações similares da Administração Pública; dados de pesquisa publicada em mídia especializada; consulta direta a no mínimo três fornecedores; base nacional de notas fiscais eletrônicas, entre outros.
Nesta quadra, é importante ressalvar que a competência da União para legislar sobre normas gerais em matéria de licitações e contratos (Constituição Federal, art. 22, XXVII) não invalida a possibilidade de instituição de outros sistemas de custos pelos demais entes federativos [4]. Com efeito, tal previsão é assegurada pelo §3º do art. 23 da nova lei, desde que a contratação não envolva recursos da União.
Também foi positivada a necessidade de observar, nas contratações diretas, a forma estabelecida para a pesquisa nos §§1º, 2º e 3º do art. 23. Na sua impossibilidade, o §4º permite ao contratado demonstrar a compatibilidade do preço através da apresentação de notas fiscais, emitidas em razão de contratações semelhantes, ou por outro meio idôneo. Tal prescrição adquire especial relevância na hipótese de inexigibilidade de licitação fundada na exclusividade do fornecedor (art. 74, I).
Embora a Lei nº 14.133/21 incorpore elementos da IN nº 73/20 e da jurisprudência do TCU, uma de suas principais inovações é a criação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).
Segundo o art. 174 da Lei, o PNCP é o sítio eletrônico oficial destinado à divulgação obrigatória e centralizada dos atos por ela exigidos, e abrigará plataforma eletrônica para realização de contratações, podendo ser utilizado, facultativamente, por estados, municípios e pelo Distrito Federal[5].
O PNCP será gerido por um Comitê Gestor interfederativo (§1º) e deverá oferecer, entre outras funcionalidades, sistema de registro cadastral unificado e painel de consulta de preços, banco de preços em saúde e acesso à base nacional de notas fiscais eletrônicas (§3º).
Uma vez implementado e, se bem administrado, representará importante ferramenta à disposição do gestor público.
E, mesmo diante da vedação da aplicação combinada do novo e do antigo regime de licitações e contratos (art. 191), bem como da temporária ausência do PNCP, nada impede que, por razões de boas práticas, sejam adotados os parâmetros do art. 23 da nova legislação em licitação cuja fase interna se encontra já em curso, ou disciplinada pela Lei nº 8.666/93 por opção do gestor, no biênio subsequente à publicação da Lei nº 14.133/21.
Em suma, deve a Administração buscar fontes amplas e diversificadas para estimar o preço justo da licitação que pretende realizar, sob pena de prejuízo ao erário e à eficiência da licitação.
Para isso, recomenda-se adotar os parâmetros elencados na jurisprudência dos tribunais de contas, na Lei nº 14.133/21 e outros que lhes forem acrescidos pelas legislações estaduais e municipais no exercício da competência concorrente. Em especial, faz-se necessário considerar os preços de outras contratações públicas, abandonando a cultura de se consultar apenas três fornecedores.
No cinema e na licitação, o público sempre torce por um final feliz.
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[1] O art. 5º da Lei nº 14.133/21 reforçou o dever de planejamento ao inseri-lo no rol dos princípios que regem as licitações públicas.
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 8.666/93. 18ª ed., ver., atual. e amp. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 226.
[3] FERREIRA, Camila Cotovicz. Pesquisa de preços de acordo com a orientação do TCU. Disponível em: <https://www.zenite.blog.br/pesquisa-de-precos-de-acordo-com-a-orientacao-do-tcu/>. Acesso em 12 de abril de 2021.
[4] Em 2019, o Estado do Rio de Janeiro editou o Decreto nº 46.642, que regulamenta a fase preparatória da licitação na administração estadual e exige a observância cumulativa dos parâmetros elencados no §1º do seu art. 20, como preços de referência constantes do Sistema Integrado de Aquisições do Estado do Rio de Janeiro (SIGA), portais de compras de governo e contratações públicas similares, entre outros, salvo impossibilidade devidamente justificada (§2º).
[5] JUSTEN NETO, Marçal. Portal Nacional de Contratações Públicas (arts. 174 a 176 da Nova Lei de Licitações). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 166, dezembro de 2020, disponível em: <http://www.justen.com.br>. Acesso em 12 de abril de 2021.