Letícia Ribeiro

Rafaella Medina Peres

A Constituição Federal prevê, entre os direitos trabalhistas, "a duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva".
Dessa forma, como regra geral, qualquer trabalho que desrespeite esses patamares pode ser considerado como extraordinário. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por sua vez, contém uma série de regramentos adicionais, aplicáveis aos empregados de atividades privadas.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Pela legislação trabalhista brasileira, compete ao empregador a fiscalização da jornada de trabalho de seus empregados e a remuneração de eventual trabalho extraordinário realizado, na forma da lei e normas coletivas aplicáveis.
Contudo, a própria CLT prevê que as disposições relativas à duração do trabalho não se aplicam a determinados grupos de empregados: os que exercem atividade externa incompatível com a fixação de jornada, os que ocupam cargo de confiança ou que atuam em regime de teletrabalho. Tais profissionais, como consequência, não sofrem o controle de jornada e, portanto, não fazem jus ao recebimento de horas extras.
Especificamente em relação aos trabalhadores externos (art. 62, I da CLT), que desenvolvem suas atividades fora do âmbito da empresa e não se sujeitam ao controle de jornada, vale lembrar que os tribunais já assentaram o entendimento de que o mero desenvolvimento das atividades fora das dependências do empregador não enquadra o empregado automaticamente na exceção do controle de jornada.
A ausência de controle está inteiramente associada à impossibilidade de fiscalização da jornada pelo empregador e não ao desempenho das atividades em caráter externo.
Dessa forma, há ausência de controle quando o empregador não dispõe de meios para identificar o tempo efetivamente dedicado pelo empregado em prol da empresa, na medida em que o caráter externo de suas atividades permite que elas sejam desenvolvidas de acordo com a conveniência do próprio empregado, nos dias e horários de seu interesse ou necessidade. Essa é a realidade de alguns profissionais, como, por exemplo, representantes comerciais e trabalhadores em domicílio.
Com o surgimento de novas tecnologias e a contínua transformação das relações de trabalho, a discussão a respeito da possibilidade de controle de jornada por meio da utilização de celulares e outros dispositivos móveis vem sendo cada vez mais objeto de ações trabalhistas ajuizadas por trabalhadores externos que pleiteiam o pagamento de horas extras.
<blockquote class="jota-article__eye">É certo que o simples fato do empregado portar celular ou qualquer outro equipamento para a realização de suas atividades externas não pode ser entendido como uma forma de controle de jornada.</blockquote>
Afinal, à luz das relações de trabalho modernas, seria fantasioso cogitar o desempenho de atividades profissionais sem esses devices, sejam eles fornecidos pela empresa ou mesmo de uso pessoal do empregado.
O entendimento em sentido contrário – ou seja, que o fato do empregado portar celular durante o desempenho de suas funções implica automaticamente no controle de jornada – sugere que a disposição da CLT nesse sentido seria uma letra morta da lei, inaplicável às relações de trabalho atuais.
De forma análoga, a Súmula 428 do Tribunal Superior do Trabalho prevê que o uso de instrumentos telemáticos ou informatizados, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso. Dessa forma, é razoável concluir que a utilização de equipamentos tecnológicos na execução do trabalho, por si só, não retrata o controle de jornada.
Em novembro de 2020, a 2ª Turma do TST deferiu o pagamento de horas extras a um representante comercial que desenvolvia suas atividades em caráter externo, por entender que a empresa controlava indiretamente sua jornada por meio de celular fornecido para o desempenho de suas atividades.
Ao analisar as provas produzidas no processo, as instâncias inferiores constataram que o empregado utilizava o aparelho portátil para "dar baixa" no sistema da empresa nas visitas que realizava ao longo do seu dia de trabalho, entendendo, contudo, que tal aspecto não poderia ser tido como controle de jornada.
No entendimento divergente do TST, por sua vez, apesar da impossibilidade de controle efetivo de horário, o celular fornecido pela empresa seria suficiente para caracterizar a possibilidade de controle de jornada de forma indireta.
Na decisão, a ministra Maria Helena Mallemann destacou que "a intervenção de smartphones na dinâmica da organização do trabalho é indiscutível avanço que decorre do desenvolvimento global na última década, com reflexos tanto na qualidade da execução quanto no controle das tarefas do empregado. Neste passo, verifica-se a existência do controle de jornada indireto para afastar o enquadramento na exceção do art. 62, I da CLT".
A valoração das provas produzidas em processos que envolvem essa temática deve ocorrer com muita cautela pelos Tribunais, já que o cerne desta questão é justamente verificar se o empregador detém, ou não, meios hábeis à realização do controle efetivo de jornada à distância. Para tanto, é imprescindível a realização de uma análise ampla de todo o acervo fático-probatório produzido pelas partes.
Não raras são as decisões proferidas pela Justiça do Trabalho que, equivocadamente, condenam empresas ao pagamento de horas extras e intervalares aos trabalhadores externos em desacordo com o conjunto fático-probatório produzido nas demandas.
Trilhando o entendimento do TST, as decisões judiciais costumam ser amparadas na mera possibilidade de controle indireto de jornada em razão da utilização de equipamentos tecnológicos pelos empregados. Não obstante, tais decisões acabam por ignorar o fato de que os referidos equipamentos tecnológicos, muitas vezes, sequer se prestam ao controle de jornada.
Atualmente, diversas empresas fornecem equipamentos tecnológicos aos seus empregados para facilitar a execução de suas atividades e, nesses casos, tais aparelhos são mera ferramenta de trabalho.
A partir da sua utilização, os empregados podem organizar sua rotina, trocar e-mails e mensagens com os demais membros de sua equipe e, a depender da forma de execução do trabalho, acrescentar informações relevantes acerca de suas atividades no sistema utilizado pela empresa. Em síntese, a funcionalidade dos dispositivos nessas condições não se molda ao controle de jornada, mas à própria execução das atividades laborais.
Até mesmo o simples fato de "dar baixas" nas visitas realizadas no sistema da empresa, expressamente referido na decisão proferida pelo TST, por si só, não pode ser considerada como fonte fidedigna de controle de jornada já que, a princípio, as informações imputadas pelos empregados nos sistemas dos aparelhos móveis não são passíveis de conferência pelo empregador.
Em outras palavras, a prestação de informações de forma unilateral pelos empregados não é compatível com o instituto do controle de jornada previsto pela legislação.
Outras decisões condenatórias possuem como fundamento o fato de que os aparelhos móveis contam com a presença de GPS, o que permitiria ao empregador ter conhecimento da localização exata do empregado em tempo real e, portanto, controlar sua jornada de forma indireta.
Contudo, vale lembrar que a função de GPS dos aparelhos pode ser facilmente desabilitada pelos próprios empregados, o que fragiliza a possibilidade de controle.
Além disso, e ainda que a função de localização seja mantida em funcionamento, a depender do porte empresarial, não seria razoável admitir a existência de controle de jornada para toda a população trabalhando externamente. Some-se a esse aspecto o fato de que o funcionamento do GPS depende de sinal de operadora telefônica ou internet, nem sempre disponível em todas as localidades que os empregados exercem suas funções.
Nesse sentido foi o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, ao reconhecer a impossibilidade de controle de jornada de entrevistador que realizava atividades externas (pesquisa de campo para os clientes do Ibope de 2013 a 2018) portando tablet com GPS, o qual era utilizado para o preenchimento de relatórios diários a respeito das atividades realizadas.
Na referida decisão, o TRT reconheceu que os relatórios mencionados eram preenchidos manualmente pelo próprio profissional, o que não caracteriza o controle de jornada uma vez que inexistem meios hábeis para verificar se os horários nestes constantes eram de fato os cumpridos pelo empregado.
Além disso, considerou que é de conhecimento público e notório que nos sistemas informatizados que dispõem de GPS, a ativação da funcionalidade é realizada pelo próprio usuário do equipamento.
Como pontuado pelo Tribunal, "entender o contrário seria o mesmo que declarar que todo o trabalhador que trabalhasse externamente e possuísse como ferramenta de trabalho o notebook, celular, tablet ou ainda, que tivesse acesso à internet, sofreria controle de jornada do empregador".
Nesse contexto, o empregado levou a discussão ao conhecimento do TST, que, em decisão prolatada em dezembro do ano passado, não conheceu do recurso de revista interposto, sob o entendimento de que a decisão da segunda instância não se constitui como uma violação à ordem jurídica vigente.
Tendo em vista as diversas decisões que vem sendo proferidas pela Justiça do Trabalho, empregadores devem reunir provas contundentes e capazes de evidenciar a efetiva impossibilidade de controle de jornada para mitigar os riscos das altas condenações em horas extras e seus reflexos.
Importante destacar que tais elementos probatórios vão além da inclusão de cláusulas específicas em contratos de trabalho prevendo a ausência de prefixação de jornada, ou mesmo da anotação da CLT em CTPS e demais documentos contratuais.
É imprescindível preservar elementos fáticos, presentes no caso concreto, que demonstrem a efetiva impossibilidade do controle de jornada em virtude da atividade pelo empregado, sob pena de, em pleno século 21, o aparelho celular se assemelhar, no olhar da Justiça do Trabalho, ao antigo relógio mecânico de ponto.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://youtu.be/b9z7dDRHnrg

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JOTA

Possibilidade de controle de jornada por meio de celulares vem sendo cada vez mais objeto de ações trabalhistas

Os avanços tecnológicos e o controle da jornada de trabalho

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