Galtiênio da Cruz Paulino

A Constituição Federal, no art.  5º, inciso XLIII, estabelece que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.”
Em 2016, o crime de terrorismo foi regulamentado expressamente no ordenamento nacional por meio da Lei n. 13.260/2016, que conceitua o referido delito no caput do art. 2º como a “prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.
O elemento subjetivo geral do citado tipo penal é o dolo, composto por dois elementos especiais do injusto. O primeiro é a motivação, que se restringe a questões de “xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. O segundo é o fim especial de agir, que compreende a “finalidade de provocar terror social ou generalizado”.
A motivação do crime de terrorismo é a circunstância elementar subjetiva, antecedente à prática delitiva, que impulsiona o agente à prática do crime. No Brasil, a motivo para a prática do crime de terrorismo se restringe às razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. Eventual ampliação do referido rol pelo intérprete não é admitida no Direito Penal, que não aceita analogia in malam partem, em razão de adotar a legalidade e a tipicidade estrita<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
O Projeto de Lei nº 2016/2015, que deu ensejo à Lei n. 13.260/2016, previa, em sua redação original, a motivação política como uma das causas do crime de terrorismo. Contudo, a referida motivação foi suprimida e, em contrapartida, foi acrescentado o §2º ao referido dispositivo, o qual estabelece que o “disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei”. Ou seja, o legislador afastou claramente as situações fundadas em motivação política da incidência do tipo penal de terrorismo.
Mesmo existindo tratados internacionais ratificados pelo Brasil que consideram a motivação política como causa de terrorismo, como é o caso da Convenção Internacional sobre a Supressão de Atentados Terroristas com Bombas, a Convenção Internacional para Supressão do Financiamento do Terrorismo e a Convenção Internacional para a Supressão de Atos de Terrorismo Nuclear, não há tipicidade penal por terrorismo por motivação política, possível enquadramento dos atos do dia 8 de janeiro de 2023.
Nesse mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal, em casos de previsões criminais em tratados dos quais o Brasil faz parte, mas que não havia regulamentação idêntica em nosso ordenamento jurídico, entendeu não ser possível a tipificação penal em tais hipóteses, sob pena de violação ao princípio da legalidade<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
De certa forma, há uma omissão indevida do legislador ao retirar a motivação política do conjunto de causas para a pratica de um crime de terrorismo, considerado, em sua essência, um crime político<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> <a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, visto que o crime de terrorismo possui como um dos bens jurídicos tutelados a organização político-jurídica do Estado, atinente aos crimes políticos.
De todo modo, mesmo o crime de terrorismo em sua essência e diante dos tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte podendo ser praticado por motivação política, não é possível, em nosso ordenamento jurídico, a prática do delito em questão com base na ventilada motivação, sob pena de violação de todo o arcabouço protetivo, de natureza penal, inerente aos direitos e garantias fundamentais presentes nas ordens interna e internacional.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Código Penal – “Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Constituição Federal – “Art. 5, inciso XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;”
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Nesse sentido vide a ADI N. 4.414/AL, relativo `organização criminosa.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Enquadrados por Pontes de Miranda como os delitos praticados “contra a ordem política da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios”.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Nesse sentido vide https://vladimiraras.blog/2017/03/20/terrorismo-e-crimes-politicos/.

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