Christian Lohbauer

O agronegócio brasileiro responde por cerca de 22% do PIB do país, é responsável por aproximadamente 43% das exportações e por 1 em cada 5 postos de trabalho. Os dados são do Centro de Estudos Aplicados (Cepea), da Esalq/USP. De acordo com o IBGE, no primeiro trimestre de 2020, o agronegócio foi o único dos grandes setores do PIB nacional que não sofreu retração ­– registrou um crescimento de 0,6% no período. Um levantamento feito pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) indicou que o Valor Bruto da Produção (VBP) deste ano atingirá R$ 728,6 bilhões, um aumento de 11,8% sobre o resultado de 2019, maior cifra em reais da história do setor. Mais: em 2020, a colheita de grãos superou as 250 milhões de toneladas, maior safra brasileira de todos os tempos.
Qual o significado desses números superlativos e como o país chegou até esse cenário? Os dados comprovam, em suma, que o agronegócio é essencial para a economia nacional. Já o é nestes tempos de pandemia, e na pós-pandemia será ainda mais essencial e terá contribuição fundamental para a retomada de empregos e geração de riquezas.
Essa condição do agronegócio foi alcançada com muito trabalho. Há cinco décadas o Brasil era mero importador de alimentos. Só passou a ser um dos principais exportadores mundiais por conta – entre outros fatores, como clima e solo – das pesquisas e tecnologias empregadas no campo. As políticas de crédito agrícola e os incentivos fiscais, em que se enquadra o Convênio ICMS 100/1997, também são essenciais. Ressaltando-se que o convênio reduz a tributação interestadual não apenas para os agrotóxicos, mas, também, para sementes, mudas, fertilizantes e outros insumos.
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<h3>IMPACTO DE R$ 16 BILHÕES</h3>
O impacto da extinção do Convênio 100/97 sobre os custos variáveis de produção para as principais culturas (soja, milho, cana, café, laranja, maçã, trigo, arroz e algodão) produzidas no país é estimado em R$ 16,1 bilhões. Por tipo de insumo utilizado, observa-se que os maiores custos adicionais seriam despendidos nos defensivos agrícolas, com um total de R$ 6,7 bilhões, o que representa aproximadamente 42% do total de custos adicionais a ser arcados pelos produtores rurais.
Esses dados mostram que a extinção do convênio afetaria a rentabilidade das culturas de modo considerável e poderia até inviábilizá-las em alguns casos, como o do arroz. Somado a isso, o impacto do fim do convênio na carga tributária da cadeia produtiva é estimado em R$ 40 bilhões, o que repercutiria negativamente nos níveis de inflação e na balança comercial.
A análise dos benefícios econômicos para o Brasil e da competitividade internacional do agronegócio já seria suficiente para um resultado favorável à manutenção do Convênio ICMS 100/97 no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 pelo STF. A redução tributária não pode ser vista como mero subsídio. Trata-se de um investimento racional, estudado e calculado num dos setores mais relevantes da nossa economia.
<h3>BENEFÍCIOS PARA O CONSUMIDOR</h3>
E o consumidor? O que ele ganha com a manutenção do convênio? A população continua com a garantia de alimentos mais baratos na mesa, algo que decorre dos ganhos em produtividade. Desde meados da década de 1970, ano a ano, ocorre uma queda real de cerca de 5%, em média, nos preços dos alimentos.
Ah, soja e milho, duas de nossas principais culturas, não são alimentos, diriam alguns. São sim. Dados da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e do Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sindirações) mostram que, das cerca de 115 milhões de toneladas da safra 2018/19 de soja, 33 milhões de toneladas viraram farelo e foram usadas majoritariamente na ração animal – sendo 15 milhões de toneladas para o consumo interno. Aves, carne bovina, leite, ovos, peixes e porcos fazem parte da alimentação do brasileiro.
Na indústria alimentícia, por exemplo, o grão de soja é usado como matéria-prima para a produção de chocolates, temperos e massas. Outro segmento de produtos alimentícios que aproveita a soja é o de bebidas prontas – leite e sucos de frutas à base do grão. Isso sem falar da lecitina de soja, usada como emulsificante em salsicha, sorvete e barras de cereais, entre outros produtos, e do óleo de soja, cuja produção, em 2019, foi de 8,7 milhões de toneladas – e cerca de 15% serve de matéria-prima para a produção de óleo comestível.
Com o milho, ocorre algo parecido. Das cerca de 100 milhões de toneladas produzidas ano passado, 42 milhões foram empregadas em ração animal, e 2 milhões destinadas ao consumo humano direto. Dados do Sindirações e da Associação Brasileira das Indústrias do Milho (Abimilho).
<h3>O CAMPO IDEALIZADO</h3>
A imagem romantizada que algumas pessoas têm da agricultura soa anacrônica e deveras curiosa. Aquela cena em que o agricultor com a sua terrinha, meio hectare de pés de alface, um laguinho e meia dúzia de galinhas pode alimentar o mundo com segurança é fantasiosa. Muitas vezes, a população urbana, que desconhece a realidade do campo, é a principal propagadora desse imaginário. É falsa a premissa de que o uso de agrotóxico é dispensável.
A agricultura, como atividade econômica relevante, requer produtividade. Não somente pelos ganhos financeiros, mas, também, por razões ambientais e de segurança alimentar. Em 2050, o planeta terá quase 10 bilhões de habitantes. O Brasil é um dos principais países a ter de suprir essa demanda que vai surgir. Terá de aumentar a produção agropecuária em 40%. Isso sem ampliar a área de cultivo.
O sucesso no campo, num país de clima tropical úmido como o Brasil, sujeito a uma infinidade de pragas, depende de muitos fatores – entre eles, o uso de defensivos agrícolas. O país é um dos que produzem mais alimentos com menos aplicação de defensivo agrícola no mundo. Figura em 13.º lugar, levando-se em conta o volume de produção agrícola. Nessa análise, Itália, França, Espanha, entre outros países europeus, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Argentina usam mais agroquímicos do que o Brasil.
Os defensivos contribuem para que possamos produzir mais em uma mesma área de cultivo, evitando, consequentemente, o desmatamento de novas áreas para plantio. A redução drástica no uso desses produtos diminuiria a produção agrícola em cerca de 50%. Ou seja, seria necessário praticamente dobrar a área cultivada para a produção atual, com a incorporação de terras hoje cobertas por floresta. Haveria elevação nos preços dos alimentos, das fibras e da agroenergia. Ao empregar defensivos, ajudamos a diminuir o desperdício de alimentos, pois a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) estima que a produção agrícola mundial sofre perdas anuais de 20% a 40% por conta das pragas.
<h3>A QUÍMICA FAZ MAL?</h3>
Ok, interessante. Mas defensivos são produtos químicos. Fazem mal à saúde. A química por si só, como se sabe, não prejudica o ser humano. Seu uso inadequado, sim. Isso pode nos afetar. Ao contrário do que é propalado, a aprovação de agrotóxicos pelo governo continua seguindo as mesmas regras rigorosíssimas estabelecidas há décadas. A partir de sua descoberta, uma nova molécula com potencial para uso agrícola leva, em média, oito anos para chegar ao mercado.
Nenhum produto é autorizado para uso sem a comprovação de que não é cancerígeno, teratogênico e mutagênico, conforme os critérios exigidos pelos órgãos governamentais. Os defensivos passam por estudos voltados para a sua interação com a água, o solo e o ar, incluindo volatilidade, potencial de persistência e biodegradabilidade. São estudos de bioconcentração em peixes, plantas, aves e insetos.
Como afirma o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), qualquer defensivo utilizado na proteção de cultivos, seja na produção orgânica ou convencional, pode deixar resíduos inadequados se não forem seguidas as boas práticas e as regras de dosagem e aplicação. Por isso, o que influi na produção de um alimento saudável são as boas práticas adotadas pelo agricultor, independentemente de ser uma produção orgânica, convencional, hidropônica, agroflorestal etc.
É preciso enfatizar, segundo o Sindiveg, que as recomendações de aplicação dos produtos são claras e devem ser utilizadas nas culturas agrícolas somente com a autorização de um engenheiro agrônomo, que prescreve a receita agronômica, uma exigência legal para a compra de todo e qualquer agrotóxico que existe desde 1989.
A estabilidade dos preços internos dos agrotóxicos, com a manutenção do Convênio 100, não significa usá-los em maior quantidade. Não se justifica usar mais agrotóxico porque está “mais barato”. Não é essa a lógica. Mantê-lo acessível significa levar tecnologia para mais produtores. Com isso, aumentar a produtividade de suas terras e, consequentemente, elevar seus rendimentos. As empresas do setor agropecuário investem continuamente em pesquisas para produzir moléculas cada vez mais sofisticadas e eficientes, que exigem menor volume de aplicação e se degradam mais rapidamente.
<h3>REFERÊNCIA EM RECICLAGEM</h3>
A adoção de práticas sustentáveis na agricultura é uma preocupação constante. O Brasil utiliza apenas 7,6% de seu território com lavouras e 65% do país continua recoberto por matas nativas. Vale lembrar que sustentabilidade não se trata apenas de deixar florestas intactas. O ser humano e a sua viabilidade econômica também fazem parte do conceito.
A agricultura nacional u sistemas integrados de produção, florestas plantadas, plantio direto na palha, Manejo Integrado de Pragas (MIP) etc. O uso da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), cada vez mais difundido, está presente em cerca de 14,6 milhões de hectares.
Em relação aos defensivos, o Brasil é referência mundial na reciclagem de embalagens de agrotóxicos. Todo produtor rural brasileiro que faz uso de defensivos químicos tem a obrigação de devolver as embalagens vazias desses produtos nas unidades do Sistema Campo Limpo, como é chamado o programa de logística reversa que funciona em todas as regiões do país. Segundo o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV), 94% das embalagens plásticas primárias de defensivos agrícolas comercializadas no Brasil são recolhidas pelo instituto e encaminhadas para as 11 recicladoras parceiras do sistema.
<h3>OS RISCOS DO CONTRABANDO</h3>
Um sério problema que o agronegócio tem de enfrentar é o contrabando e o mercado paralelo de agroquímicos. Estima-se que 20% do mercado nacional, que movimenta US$ 10 bilhões por ano, esteja nas mãos de grupos criminosos que produzem ou transportam ilegalmente produtos químicos e os revendem por valor abaixo do custo e sem nenhum tipo de proteção para os agricultores. Além desse grupo, a prática prejudica também o meio ambiente, o comércio exterior e os consumidores.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), produtos de proteção à colheita falsificados e ilegais são responsáveis ​​por 3 milhões de pessoas envenenadas e mais de 200 mil mortes por ano, especialmente entre os agricultores de países em desenvolvimento que têm pouco conhecimento de seu uso. A provável elevação dos preços, caso ocorra a extinção do Convênio 100, poderia alimentar ainda mais esse mercado do contrabando.
Por último, vale relembrar que a Lei n.º 7.802, de 11 de julho de 1989, considera também como agrotóxico produtos e agentes biológicos. O Bacillus thuringiensis (Bt), por exemplo, um biodefensivo considerado um agrotóxico segundo a legislação brasileira, é uma bactéria capaz de combater com êxito as lagartas do gênero Helicoverpa, que causaram significativo estrago na safra 2012/13 de soja, tomate, milho e algodão. Ou seja, a extinção do Convênio ICMS 100/1997, entre outros danos aqui apresentados, poderia prejudicar os defensivos biológicos, setor que registra 321 produtos no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e já é empregado em cerca de 20 milhões de hectares dos quase 80 milhões plantados no país.
É isso que a sociedade quer? O prejuízo de uma das atividades mais importantes do Brasil por conta de uma imagem idealizada e irreal do agronegócio? Tomara que não.

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JOTA

Eventual extinção do Convênio 100 pode prejudicar os consumidores e a produção mundial de alimentos

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