Começa nesta terça-feira (9) no STF um julgamento colegiado fundamental para o futuro da nossa democracia. Apreciando ação ajuizada pelo PSOL (ADPF 854), a Ministra Rosa Weber concedeu medida cautelar suspendendo a execução das chamadas “emendas de relator” no orçamento federal. A decisão foi submetida ao plenário virtual do Supremo, que deve decidir a matéria até o final desta quarta-feira (10).
As “emendas do relator” correspondem a uma espécie de “orçamento secreto”. O relator da lei orçamentária tem a prerrogativa de separar muitos bilhões de reais para atender a pleitos de parlamentares, que lhe indicam gastos que desejam realizar. A efetiva liberação dos valores, em cada caso, depende de decisão do Poder Executivo. Não há transparência sobre quem solicitou os recursos, nem exigência de que os gastos se adequem a critérios de equidade e eficiência, que deveriam pautar toda utilização de verbas públicas em uma república democrática.
Nesse modelo antirrepublicano, recebem vultosos recursos os parlamentares que apoiarem o governo. E a sociedade nem mesmo fica sabendo quem são os deputados e senadores aquinhoados, pois há total opacidade no procedimento. É um expediente recentemente instituído, de que o governo se utiliza para comprar apoio parlamentar, com gasto de cifras bilionárias. Não à toa, o esquema vem sendo chamado de “Bolsolão”.
Diversas denúncias foram divulgadas mostrando como esses recursos estavam sendo usados em “tenebrosas transações”, para gastos injustificáveis, notadamente a aquisição de tratores por preços superfaturados – o “tratoraço”. Apenas na véspera da votação da emenda constitucional do calote nos precatórios, o governo liberou quase R$ 1 bilhão para pagamento de emendas do relator – leia-se, para “recompensar” parlamentares alinhados.
É fundamental que o STF ponha fim à essa prática institucional espúria e inconstitucional. Não se trata de ativismo judicial, ou de intervenção do Supremo na esfera própria do Legislativo. Afinal, o papel institucional do STF é ser o guardião da Constituição, e o “orçamento secreto” viola gravemente a Carta de 1988, em especial o princípio republicano.
Tal princípio reclama não apenas transparência e publicidade no trato da coisa pública, como também que os recursos estatais sejam empregados com equidade e eficiência, de forma coerente com políticas públicas que estejam sendo implementadas. Verbas públicas são escassas, e não pertencem aos governantes de ocasião, mas à sociedade. Por isso, os recursos orçamentários não podem ser utilizados como moeda de troca, para premiar os parlamentares que apoiem o governo, sem qualquer consideração sobre equidade e eficiência dos gastos. Especialmente em momento de grave crise econômica, em que aumentam a fome e a miséria no país.
O governo Bolsonaro tem uma agenda de destruição da democracia. Se tiver condições políticas para isso, ele aprova emendas constitucionais e leis que podem desfigurá-la. O seu sonho é passar no Congresso boiadas contra os direitos humanos, o meio ambiente, as minorias, a imprensa, as instituições de controle. Manter as “emendas do relator” é fortalecer o seu poder de destruição.
Há um certo consenso de que a forma mais eficaz de prevenção e combate à corrupção é por meio do desenho adequado das instituições e de seus procedimentos. É difícil conceber prática que mais estimule a corrupção – inclusive no seu sentido jurídico-penal – do que o “orçamento paralelo”. Por tudo isso, aqueles que realmente se preocupam com a democracia e com combate a corrupção não podem transigir nessa matéria. Não há “meio-termo” possível quando a República está em jogo.