Thamires Ferreira Mourão

O Open Banking é uma iniciativa do Banco Central do Brasil de propor a criação de um sistema que tem como principal objetivo o compartilhamento de dados e serviços entre as instituições financeiras participantes, por meio de integrações tecnológicas via APIs (Application Programming Interfaces).
De acordo com a proposta do BC, consolidada na edição da Resolução Conjunta CMN-BACEN nº 01/2020, ao aderir ao Open Banking, o correntista de uma determinada instituição terá a possibilidade de acessar as condições dos produtos e serviços ofertados por outras instituições que não só aquela com a qual ele originalmente possui relacionamento, o que promete oportunizar maior transparência ao cliente em relação às suas contratações e maior competitividade ao mercado financeiro.
A Lei Geral de Proteção de Dados (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm">LGPD</a>) é o diploma legal em vigor responsável por regulamentar todas as atividades de tratamento de dados pessoais no território brasileiro, ou seja, todos os serviços que, de forma direta ou indireta, tratem dados pessoais, precisam se adequar à lei.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias"><img class="aligncenter cta-tributos size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/cta-jota-pro-tributos.png" width="688" height="688" /></a>
A LGPD também estabelece, em seu artigo 7º, dez bases legais distintas que o controlador pode utilizar para o tratamento de dados pessoais. Isso porque todo tratamento de dados pessoais precisa ser fundamentado em uma base legal. Sendo assim, no contexto do tratamento dos dados pessoais no Open Banking, naturalmente as instituições participantes precisariam observar a LGPD e qual a base legal mais adequada.
Nota-se, no entanto, que no caso do Open Banking, não foram as instituições participantes, atuantes como controladoras dos dados pessoais, que escolheram a base legal que melhor justificaria o tratamento desses dados, mas sim o próprio BC. O Banco Central determinou, por meio da Resolução Conjunta CMN-BACEN nº 01/2020, que as instituições receptoras dos dados deverão, de forma prévia ao compartilhamento dos dados, obter o consentimento (art. 7, inciso I da LGPD) do titular.
Não resta dúvidas de que a Diretoria Colegiada do BC, mesmo diante das limitações de sua competência regulatória, buscou observar a LGPD ao determinar as diretrizes de proteção de dados na implementação do Open Banking, inclusive quando definiu o consentimento como a base legal a ser utilizada pelas instituições participantes para o tratamento dos dados pessoais, tais como os referentes (i) ao cadastro do titular e de seus representantes; (ii) às transações; e (iii) ao encaminhamento de propostas de operação de crédito.
Mas não só isso. O BC foi além da LGPD ao estabelecer requisitos próprios e mais rígidos em comparação à referida lei para validação do consentimento, como por exemplo, determinar o seu prazo de validade de 12 meses, com exceção de alguns serviços para os quais têm como prazo de validade a data de encerramento das transações; e fixar prazos para atendimento do pedido de revogação do titular de até um dia para os serviços de iniciação de pagamento e de forma imediata para os demais casos.
Para iniciar uma discussão sobre a base legal elegida pelo Banco Central, é importante fazer um exercício rápido para explorar o papel alternativo de outras bases legais, tais como o legítimo interesse, uma das bases mais flexíveis da LGPD.
Para determinar a base legal do legítimo interesse, identificam-se quais são os interesses em jogo — no caso do Open Banking, o interesse do BC em promover integração tecnológica entre produtos financeiros de diversas instituições; e o manifestado interesse do titular dos dados em comparar serviços e produtos financeiros para encontrar aqueles que lhe sejam mais vantajosos, além de verificar como está sendo realizado todo o ciclo de tratamento dos seus dados pelas instituições participantes; avalia-se se os dados tratados são somente aqueles necessários para atingir a finalidade informada ao titular — no caso, tratar-se-ia apenas os dados necessários para identificar e se comunicar com titulares que poderiam estar interessados nos produtos; e avaliar-se-ia se o tratamento não violaria os direitos e liberdades individuais do titular.
Uma vez avaliados estes três pontos, já seria possível pensar em utilizar da base do legítimo interesse para o tratamento dos dados no âmbito do Open Banking, dispensando-se, assim, o consentimento do titular.
Em fevereiro de 2020, foi publicada pelo BC a Carta Circular nº 4.006, que dispõe sobre o arranjo de pagamentos instantâneos denominado Pix, utilizado por grande parte dos cidadãos brasileiros.
Assim como o Open Banking, o Pix também se fundamenta na troca de informações via APIs, por meio das quais as instituições financeiras se comunicam com a base do Banco Central. No entanto, a Resolução nº 1, de 12 de agosto de 2020, que instituiu o Pix e aprovou o regulamento que disciplina o funcionamento do Pix à época em que a LGPD já havia sido sancionada, não estabeleceu a base legal que deveria ser utilizada pelas instituições financeiras, que acabaram por adotar bases legais mais flexíveis para o tratamento de dados relacionados ao Pix, tais como o legítimo interesse, que se confirmaria pela instituição financeira quando da decisão do titular de cadastrar uma chave e utilizar tal meio de pagamento.
É forçoso destacar que, ao contrário do que prevê o inciso XXIII do art. 55-J da LGPD, o Open Banking não contou com uma avaliação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) no que se refere ao estabelecimento das diretrizes para proteção de dados pessoais, já que quando da publicação da Resolução Conjunta CMN-BACEN nº 01/2020, a ANPD ainda não havia sido constituída pelo governo federal.
De acordo com o citado inciso, compete à ANPD articular-se em conjunto com as autoridades regulatórias públicas para exercer suas competências em setores específicos de atividade econômicas e governamentais sujeitas a regulamentação.
É inquestionável que a edição da Resolução Conjunta CMN-BACEN nº 01/2020 aponta para um grande marco no ordenamento jurídico brasileiro de reconhecimento profundo da autodeterminação informativa, que se traduz no direito do titular de decidir o uso dos seus dados pessoais durante todo o tratamento de dados realizado no contexto do Open Banking.
Por outro lado, é preocupante que o Banco Central determine requisitos mais rígidos para as instituições participantes do que a própria LGPD, tendo em vista que esse alto ônus de conformidade pode estar intimamente relacionado ao alto risco de descumprimento, principalmente quando pensamos em conflito entre normas. A título de exemplo, enquanto autoridades de proteção de dados requerem a manutenção de dados mínimos por parte das instituições financeiras, instituições antitruste, por sua vez, podem requerer o contrário.
Um projeto de imensa inovação do setor financeiro como o Open Banking, que visa o controle dos titulares sobre os seus dados pessoais alinhado aos melhores padrões tecnológicos de segurança e eficiência jurídica, exigiria, no mínimo, intenso diálogo entre a ANPD, o Banco Central, o Cade e outras autoridades ligadas ao setor, como a Secretaria Nacional do Consumidor.
E desse diálogo só me parece ser possível avançar no projeto do BC se os procedimentos e mecanismos definidos forem possíveis de cumprimento pelas instituições participantes, de forma a permitir uma maior compatibilidade entre o necessário protagonismo dos titulares de dados pessoais e as agendas de inovação e mobilidade digital que prometem beneficiar esses mesmos titulares na tomada de decisões, sem prejuízo da salvaguarda dos princípios fundamentais trazidos pela LGPD, como finalidade, adequação, transparência, necessidade e não discriminação.

open banking pix-min

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Um projeto de imensa inovação do setor financeiro exigiria, no mínimo, intenso diálogo entre ANPD, BC, Cade e outras autoridades

É preocupante que o BC seja mais rígido que a LGPD no Open Banking

Um projeto de imensa inovação do setor financeiro como o Open Banking exigiria, no mínimo, intenso diálogo entre ANPD, BC e outras autoridades