Maria Fernanda Sirotheau

Em mais um capítulo das buscas por uma solução multilateral aos desafios da tributação da economia digital, o Comitê de Especialistas em Cooperação Internacional em Matéria Tributária da ONU apresentou nesta quinta-feira, 6 de agosto de 2020, uma proposta de atualização e alteração de seu modelo de tratado tributário bilateral para abranger as receitas decorrentes da prestação de serviços digitais por não-residentes<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Como decorrência dos apontamentos realizados durante a 20ª sessão do Comitê – ocorrida entre os dias 22 e 26 de junho<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> –, a proposição de inclusão do artigo 12B objetiva legitimar a competência tributária do Estado onde estão localizados os consumidores dos respectivos serviços digitais.
<a href="http://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos"><img class="aligncenter wp-image-259015 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos.jpeg" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
O novo artigo 12B prevê a tributação das receitas decorrentes de serviços denominados “serviços digitais automatizados”, ou seja, com mínima atuação humana por parte do prestador. Desta forma, estariam abrangidas pelo novo dispositivo as atividades de: publicidade online; intermediação via plataforma online; serviços de rede social; cloud computing; serviços de conteúdo digital e serviços de ensino online.
De maneira diametralmente oposta à abordagem da OCDE, a alteração apresentada pela ONU – baseada na premissa de simplificação do sistema tributário internacional e adequação à dificuldade no recolhimento de tributos dos países em desenvolvimento – não apresenta qualquer limitação, seja a nível de transações, necessidade de um estabelecimento permanente, ou baseado em uma eventual presença digital significativa.
A decisão da ampliação da competência tributária do Estado da fonte, sem limitação, foi realizada em consonância com as previsões dos artigos 10, 11, 12 e 12A do tratado, que tratam respectivamente de dividendos, juros, royalties ou receita de serviços técnicos. Desta forma, a alíquota apropriada seria acordada entre ambos os Estados contratantes.
A proposta apresentada, significativamente mais abrangente, legitima o Estado de mercado a tributar na fonte os pagamentos transfronteiriços decorrentes de serviços digitais de duas formas:
<ul>
<li>tributação com base na receita bruta dos serviços, a uma alíquota acordada entre os Estados contratantes, ou</li>
<li>tributação baseada no lucro líquido, aplicando uma fórmula de repartição de receitas que atribui – se disponível – 30% dos lucros líquidos decorrentes de serviços digitais automatizados ao Estado da fonte.</li>
</ul>
De acordo com os comentários apresentados pelo Comitê, a potencial dupla tributação decorrente da nova abordagem seria dirimida com base no artigo 23 do modelo de tratado, que dispõe sobre os métodos de eliminação da dupla tributação via crédito tributário ou isenção.
Como forma de dirimir eventuais conflitos, o próprio artigo apresenta em seu parágrafo quarto a definição do termo “receita de serviços digitais automatizados”, o qual seria utilizado para indicar qualquer pagamento realizado por qualquer serviço fornecido pela internet ou por uma rede eletrônica que exija um mínimo envolvimento humano do prestador de serviços.
Resta ainda expressamente ressaltado que a receita visada não inclui aquelas decorrentes de “serviços técnicos” nos termos do artigo 12A, evitando a dupla qualificação de serviços digitais.
Referida ressalva retira a possibilidade de negociação da tributação dos serviços de publicidade online com base no artigo 12A, como o serviço “Google Ads” (antigo AdWords) fornecido pela Google, ainda que se reconheça que a gigante digital oferece um componente técnico de colocação específica de anúncios com base em um banco de dados dos usuários – diferindo da simples venda de um espaço publicitário.
Apesar de se distanciar do modelo atualmente em discussão pelo “Quadro Inclusivo” (Inclusive framework) da OCDE, a proposta acaba por apresentar os mesmos impasses já apontados pelos Estados Unidos em relação a uma tributação potencialmente discriminatória contra as empresas americanas, podendo ainda representar um possível repasse de custos aos consumidores, com o aumento do preço dos serviços fornecidos por não-residentes, além de impedir investimentos no território em decorrência de uma alíquota efetiva maior que o creditamento estrangeiro permitido pela legislação interna de cada Estado.
Atualmente, a proposta aguarda análise pelo Subcomitê de Economia Digital, antes de retornar ao Comitê de Especialistas completo para aprovação das modificações.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.un.org/development/desa/financing/sites/www.un.org.development.desa.financing/files/2020-08/TAX%20TREATY%20PROVISION%20ON%20PAYMENTS%20FOR%20DIGITAL%20SERVICES.pdf">https://www.un.org/development/desa/financing/sites/www.un.org.development.desa.financing/files/2020-08/TAX%20TREATY%20PROVISION%20ON%20PAYMENTS%20FOR%20DIGITAL%20SERVICES.pdf</a>&gt;. Acesso em 06 de agosto de 2020.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.un.org/development/desa/financing/events/20th-session-committee-experts-international-cooperation-tax-matters">https://www.un.org/development/desa/financing/events/20th-session-committee-experts-international-cooperation-tax-matters</a>&gt;. Acesso em 06 de agosto de 2020.

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