Grupo de Pesquisa sobre Jurisprudência do TIT do NEF/FGV Direito SP

Este artigo tem por escopo a análise da jurisprudência do TIT acerca da tributação incidente nos serviços de fornecimento de alimentos a bordo de aeronaves (catering) e sobre os serviços aeroportuários auxiliares (handling).
Nos julgados pesquisados, segundo a Fiscalização, seria devido o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre a operação global de fornecimento de alimentos a bordo de aeronaves (catering) e sobre os serviços aeroportuários auxiliares (handling).
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias"><img class="aligncenter cta-tributos size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/cta-jota-pro-tributos.png" width="688" height="688" /></a>
O contribuinte, por sua vez, sustenta que se tratam de serviços distintos e autônomos, sendo que o ICMS incidiria apenas sobre o serviço de catering e o handling estaria no campo de incidência do  Imposto Sobre Serviços (ISS), de competência municipal.
Diante destas premissas, passemos a demonstrar, por meio de alguns julgados, o entendimento esposado pelas Câmaras Julgadoras do TIT até o momento:
<h3>Precedentes das câmaras julgadoras do TIT</h3>
AIIM nº 3.074.928-1 (julgamento: 20/04/11, publ. 11/05/11):
Segundo o voto condutor da então 15ª Câmara:
“Portando deduz-se que os valores cobrados referem-se não ao fornecimento de alimentação, mas sim aos serviços acima descritos, como defende a recorrente. 
As notas de entrega ou 'delivery' notes foram juntadas e nelas se observa que os serviços de handling foram identificados por códigos, os quais foram esclarecidos pela recorrente (fls. 9101 e 9102). Não obstante as falhas apontadas pela d. Representação Fiscal às fls. 9701/9072 (descrição em banco ou código inteligível) tem-se que a discussão se circunscreve aos serviços prestados para o fornecimento de refeições em aeronaves nacionais e de bandeira estrangeira aportadas no país (...).”
AIIM nº 3.040.215-3 (julgamento: 21/06/13, publ. 24/06/13):
De acordo com o voto condutor da então 10ª Câmara Julgadora:
“Examinando ainda todas as circunstâncias, resta claro a este julgador que o serviço de catering difere do serviço de handling. No que se refere ao primeiro, resta clara a incidência de ICMS. Quanto ao segundo, por tratarem-se nitidamente de serviços auxiliares prestados as companhias aéreas em razão de operarem em determinado aeroporto, em nosso território, esses são nitidamente serviços e, portanto, não sofrem a incidência do ICMS e sim do ISS.”
Tais julgados se revelaram favoráveis à tese do contribuinte, no sentido que o ICMS somente incide sobre o serviço de fornecimento de alimentos (catering), sendo que os serviços auxiliares aeroportuários seriam passíveis de incidência do ISS.
Saliente-se que, em face destes acórdãos, a Fazenda do Estado de São Paulo interpôs recursos especiais, os quais restaram não conhecidos pela Câmara Superior do TIT.
Abaixo transcrevemos trecho de julgado prolatado pela 12ª Câmara Julgadora, em que, diferentemente dos casos antes mencionados, decidiu pela incidência do ICMS sobre a totalidade das operações. Vejamos:
AIIM nº 4.027.383-0 (julgamento: 06/06/14, publ. 24/06/14) - 12ª Câmara Julgadora:
“Neste sentir e considerando que a totalidade dos serviços prestados pela autuada tiveram por finalidade a viabilização da prestação do serviço de fornecimento de refeições a bordo de aeronaves (catering) para a qual foi contratada, a autuada deveria ter oferecido à tributação pelo ICMS o valor total dos serviços prestados. 
Dado que a autuada ofereceu à tributação pelo ICMS apenas parte dos valores dos serviços prestados, incorreu na infração que lhe foi corretamente imputada pelo fisco, devendo responder por sua conduta antijurídica (...).”
Esta decisão foi objeto de recurso especial interposto pelo contribuinte, cujo julgamento, ocorrido em 29/09/2021 perante a Câmara Superior, passamos a detalhar.
<h3>Julgamento pela câmara superior</h3>
Inicialmente, o I. juiz relator apresentou voto pelo não conhecimento do Recurso Especial, sob o entendimento de que os paradigmas trazidos pelo contribuinte não se prestariam ao dissídio jurisprudencial, além do fato de que a análise do mérito demandaria o reexame probatório, vedado nesta etapa processual.
Aludido entendimento restou vencido pela maioria dos Julgadores da Câmara Superior, de forma que os autos retornaram ao relator, que, no mérito, deu provimento ao recurso especial, conforme trechos abaixo destacados:
“Entendo assistir razão à recorrente, quando afirma que seus serviços de handling são definidos como serviços 'auxiliares portuários', porque estão essencialmente ligados à atividade das companhias aéreas e dos aeroportos. São atividades intimamente relacionadas às atividades de aviação civil, sujeitas à disciplina própria dada no artigo 102 do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86) e pela regulamentação pertinente expedida pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), notadamente como detalhada na Resolução ANAC nº 116 de 20/10/2009, que dispõe sobre os serviços auxiliares ao transporte aéreo (...)."
Uma vez caracterizados tais serviços de handling como serviços “auxiliares aeroportuários”, temos que na lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 consta o item 20.02 – serviços aeroportuários, utilização de aeroporto, movimentação de passageiros, armazenagem de qualquer natureza, capatazia, movimentação de aeronaves, serviços de apoio aeroportuários, serviços acessórios, movimentação de mercadorias, logística e congêneres.
Como se depreende de tal item, é possível enquadrar o “carregamento e descarregamento de aeronaves com alimentos, bebidas e outros materiais de comissaria de bordo, com utilização de equipamentos da própria autuada, transporte da cozinha industrial para as aeronaves e posterior retorno” na citada “movimentação de mercadorias, logística e congêneres”, do item 20.02 acima transcrito.
Também a “limpeza” de bens utilizados nessas atividades, arrumação e estocagem de bens e produtos das companhias aéreas: trolleys (carrinhos), louças, talheres, pegadores, conchas, pinças de gelo etc” se enquadram, no meu sentir, nas descrições e “armazenagem de qualquer natureza” e “serviços acessórios.(...)’
O i. relator concluiu que há subsunção dos serviços prestados a título de handling ao subitem 20.02 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003, estando sujeitos à incidência do ISSQN, de competência municipal.
Houve pedido de vista com a prolação de voto em sentido diverso, conforme trechos abaixo transcritos:
“Como de sabença, na conformidade da disciplina do artigo 155, §2º, IX, “b”, da CRFB, quando se cuidar das chamadas operações mistas, como seria potencialmente a hipótese dos autos, o ICMS 'incide sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos municípios.”
E, mais uma vez dos autos, a falta de autonomia dos serviços prestados (apreendido como fato jurídico constituído pelas provas), inclusive combinada com o fato jurídico de que, à época das operações questionadas, a d. Recorrente não apresentava outra atividade econômica, que não a do CNAE principal: 56.20-1/01 (Serviços de catering, bufê e outros serviços de comida preparada) evidencia a inexistência de serviços prestados compreendidos na competência tributária municipal, denotando a verdadeira identidade tributável – entendo para o período de 2009 a 2010 – de fornecimento de alimentação (evidente obrigação de dar e não de fazer), sujeitando-se, assim, à incidência do ICMS, nos termos mesmos da disciplina do artigo 2º, II, da Lei Estadual nº 6.374/89 (fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias por qualquer estabelecimento, incluídos os serviços que lhe sejam inerentes)(...).”
Prevaleceu o provimento do recurso especial, pelo placar acirrado de 8 x 7 votos, sendo que um dos juízes (representante dos contribuintes) se declarou impedido, não participando da votação.
Por oportuno, salientamos que o voto condutor vencedor (I. relator) mencionou precedente judicial do TJ/RJ, cuja ementa aqui se reproduz:
“EXECUÇÃO FISCAL. ICMS. SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ALIMENTOS (CATERING) EM VÔOS AÉREOS COM BANDEIRA ESTRANGEIRA. EMBARGOS. PROCEDÊNCIA. OPERAÇÃO EM QUE PREPONDERA A INCIDÊNCIA DE ISS. LEI ESTADUAL 2.657/95, ARTIGO 2º, INCISO I. REGRA GENÉRICA. INAPLICÁVEL À OPERAÇÃO COMPLEXA ESPECÍFICA. 
Não se mostra razoável a cobrança d ICMS sobre a operação onde prepondera a prestação de serviços já tributados a título de ISS por outro ente da federação.
<ol>
<li>Não se pode aplicar regra genérica a respeito de fornecimento de alimentação à empresa que exercer atividade econômica e específica, que envolve tributação federal, estadual e municipal no desenvolvimento natural de sua atividade principal.</li>
<li>A cada ente tributário deve ser pago o tributo que incide sobre a atividade de sua competência tributária.</li>
</ol>
Sentença mantida. Recurso improvido.” 
 (Apelação Cível nº 0065257-28.2004.8.19.0001 (2006.001.20912), TJ/RJ, 17ª Câmara Cível, Des. Rel. Marcos Alcino de Azevedo Torres, 31/08/2006).
Verifica-se, pois, que este julgado tratou de situação similar, ocasião na qual se entendeu, por maioria de votos, que as prestações de serviços de handling encontram-se no campo de incidência do ISS, de competência municipal.
<h3>Conclusão</h3>
Diante do cenário aqui reportado, observa-se que o entendimento acerca da matéria é bastante conflitante junto às Câmaras Julgadoras do TIT. Apesar de a questão ter sido julgada recentemente pela Câmara Superior, que deu provimento ao Recurso Especial interposto pelo contribuinte, determinando que na prestação de serviços a título de handling incide o ISS e não o ICMS, o que, aliás, nos parece pertinente, podemos ainda assim afirmar que este pronunciamento não está pacificado, pois o resultado foi obtido por maioria apertada de votos e houve declaração de impedimento de um dos juízes – decisão que pode não se repetir, considerando as próximas alterações de composição da Câmara.
Por fim, de acordo com nosso levantamento, trata-se de julgado único até o momento realizado pela Câmara Superior, a qual não havia conhecido de outros Recursos Especiais, impossibilitando o pronunciamento acerca do mérito naqueles processos.
Por ora, apesar de evidentemente não possuir este julgado caráter vinculante na seara administrativa, pode indicar uma sinalização a favor do contribuinte, representando um forte precedente para outros casos similares que vierem, por ventura, a ser julgados junto ao TIT/SP.
Autores: 
Rodrigo Helfstein 
Luzia Corrêa Rabello
Coordenação: 
Eurico Marcos Diniz de Santi 
Eduardo Perez Salusse 
Lina Santin 
Dolina Sol Pedroso de Toledo 
Kalinka Bravo

lukas-souza-5KRFOTnpnnY-unsplash

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Câmara Superior do TIT-SP cancela AIIM lavrado com exigência de ICMS sobre a totalidade das operações 

Observatório do TIT: ICMS x ISS na alimentação a bordo de aviões

Câmara Superior do TIT-SP cancela AIIM lavrado com exigência de ICMS sobre a totalidade das operações