Grupo de Pesquisa sobre Jurisprudência do TIT do NEF/FGV Direito SP

Não é segredo que a temática “responsabilidade tributária” é muito debatida no âmbito do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tit">Tribunal de Impostos e Taxas (TIT)</a>.
Para se ter uma ideia, o JOTA, na coluna “Observatório do TIT”, já publicou sete artigos sobre esse tema. Três trataram da responsabilidade tributária do adquirente em operações posteriormente declaradas inidôneas<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Outros dois abordaram a responsabilidade supletiva do adquirente de mercadoria na ocasião de o remetente não recolher o tributo de forma antecipada no regime de substituição tributária<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. O sexto tratou, além da responsabilidade supletiva, da responsabilidade solidária do adquirente que não participa do fato gerador do ICMS<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Já o mais recente discorreu sobre a responsabilidade solidária do advogado por débito de cliente<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
O presente artigo tratará sobre a responsabilidade tributária do fornecedor na hipótese de remessas de mercadorias a destinatário diverso do indicado na nota fiscal, objeto de recente julgamento pela Câmara Superior do TIT.
Em linhas gerais, a autoridade fazendária iniciou o procedimento administrativo em face de uma empresa que, em 2014, teria remetido mercadorias a destinatário diverso daquele indicado nas notas fiscais.
Ao final desse procedimento, concluiu que o suposto destinatário nunca esteve em atividade no local indicado como seu endereço. Também considerou que se encontrava em andamento o processo administrativo objetivando a nulidade da inscrição estadual dessa empresa e que, por isso, essa se encontrava suspensa perante a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz/SP).
Diante da inexistência do estabelecimento destinatário, foi lavrado o AIIM 4120306-9 para a cobrança de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/icms">ICMS</a> do fornecedor à alíquota de 18% sobre o produto “farelo de soja” e à alíquota de 7% sobre o produto “cesta básica”, remetidos ao suposto destinatário diverso daquele constante da nota fiscal, nos termos do art. 127 do RICMS/00.
Foi aplicada, ainda, a multa prevista no art. art. 85, III, “b” da <a href="https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1989/lei-6374-01.03.1989.html">Lei 6.374/89</a>, de 40% do valor da operação, decorrente da falta de identificação do destinatário das mercadorias.
Ao apresentar a defesa administrativa, a autuada defendeu que houve erro de acusação e de capitulação legal, pois considerou que a narrativa mais acertada à infração acometida seria a de emissão de documento fiscal consignando a declaração falsa quanto ao estabelecimento de destino da mercadoria (art. 527, IV, “b”, do RICMS).
Também defendeu que haveria robusta prova documental que comprovaria a veracidade das operações realizadas e a sua boa-fé. Complementou que a acusação de que as mercadorias teriam sido remetidas a destinatário diverso daquele indicado nas notas fiscais não teria sido comprovada em momento algum pela autoridade fazendária. Ressaltou, ademais, que, durante o período das operações, o destinatário se encontrava “ativo” e que a responsabilidade pelo transporte das mercadorias seria desse, tendo em vista que as mercadorias foram vendidas sob a cláusula FOB.
Como a autuação foi mantida integralmente pela autoridade julgadora, a autuada fornecedora interpôs recurso ordinário, distribuído para a 2ª Câmara Julgadora do TIT, sob relatoria do IImo. Christian Pierre Sandrini, o qual foi desprovido na parte em que foi conhecido.
O voto vencedor, do relator, acompanhado pelo IImo. João Marcelo Vasconcellos de Oliveira, considerou que não se verificaria a suposta nulidade da autuação por erro na acusação e capitulação legal da penalidade.
Considerou, ainda, que a alegação da boa-fé não produziria efeitos para esse tipo de acusação fiscal. Para ele, os termos da Súmula 509 do STJ não poderiam ser aplicados porque o seu alcance se restringiria ao adquirente de boa-fé que teria se creditado de ICMS em operação lastreada por nota fiscal posteriormente declarada inidônea, situação distinta do caso em análise.
Também ressaltou que é fato notório que as mercadorias deixaram efetivamente o estabelecimento do fornecedor e que foram destinadas a outro destinatário, por ser impossível o seu envio para o local indicado nas notas fiscais. Asseverou, ademais, que não se mostra necessária, para fins de imputação dessa acusação fiscal, a indicação, pelo fisco, de onde as mercadorias foram entregues.
A conclusão daquele julgamento, portanto, foi que, independentemente da boa-fé e inexistência de dolo por parte da autuada (fornecedora), recai a ela a responsabilidade tributária prevista no art. 136 do CTN, já que não conseguiu comprovar que a remessa das mercadorias tenha sido feita no endereço indicado nas notas fiscais em questão.
É importante acentuar que o voto vista, proferido pelo IImo. José Orivaldo Peres Júnior, diferentemente do entendimento supramencionado, considerou que, apesar de o caso sob análise não versar sobre hipótese de creditamento de ICMS inerente a notas fiscais posteriormente declaradas inidôneas, a infração por remessa de mercadoria para destinatário diverso se submete perfeitamente à jurisprudência do STJ, em especial ao REsp 1.148.444/MG (repetitivo), que deu origem à Súmula 509 daquela Corte Superior.
Com base em tal raciocínio, o IImo. José Orivaldo Peres Júnior passou a analisar o conjunto probatório e concluiu que esse demonstra que as operações efetivamente ocorreram e, com base nisso, proveu o recurso.
Cumpre esclarecer que a IIma. Liana Carine Fernandes de Queiroz, que proferiu o voto de preferência, somente não acompanhou o entendimento supramencionado porque entendeu que não haveria prova suficiente para comprovar a veracidade das operações, apesar de ter reconhecido a possibilidade de aplicação da Súmula 509 do STJ na situação posta para análise.
Com a chegada do caso à Câmara Superior do TIT devido à interposição de recurso especial pela autuada, esse foi distribuído para o IImo. Alberto Podgaec (relator).
Ao realizar o cotejo analítico dos paradigmas apontados pela autuada a fim de averiguar o conhecimento do recurso, o relator considerou que somente a alegação quanto ao erro de acusação poderia ser apreciada pela Câmara Superior, por apresentar divergência quanto ao processo DRT-06 4085069/15.
O cerne da discussão apreciada pela Câmara Superior, portanto, foi a verificação da adequada capitulação legal, ou seja, se estaria correta a aplicação da multa de 40% do valor da operação prevista no art. 85, III, “b”, da Lei 6.374/89 (“remessa ou entrega de mercadorias a destinatário diverso do indicado no documento fiscal equivalente”), ou se a mais adequada seria a de 30% prevista no art. 85, IV, “b”, da Lei 6.374/89 (“emissão de documento fiscal que consigne declaração falsa quanto ao estabelecimento de origem ou de destino da mercadoria”).
Em que pese o recurso tenha sido conhecido apenas nessa parte, foi desprovido por unanimidade de votos, nos termos do acórdão publicado em 16 de março de 2022.
O fundamento utilizado pelo relator foi o de que o acórdão paradigma citado no recurso especial foi posteriormente reformado pela Câmara Superior, ocasião em que essa, por maioria de votos, considerou correta a aplicação da multa decorrente da remessa de mercadoria a destinatário diverso daquele indicado na nota fiscal e que, por isso, não poderia se falar em erro na indicação da capitulação legal.
Para o relator, enquanto a norma prevista no art. 85, VI, “b”, da Lei 6.374/89 pressupõe uma declaração falsa quanto ao estabelecimento de origem/destino e isso independe da entrada/saída de mercadorias, a norma prevista no art. 85, III, “b”, da Lei 6.374/89 não exige a identificação do real destinatário, cabendo ao contribuinte trazer provas para ilidir a presunção relativa de que as mercadorias foram entregues ao destinatário distinto daquele indicado na nota fiscal.
Tudo indica, portanto, que o posicionamento da Câmara Superior sobre esse tema está se consolidando, pois, o atual entendimento é unânime no sentido de que é adequada a aplicação da multa prevista no art. 85, III, “b”, da Lei 6.374/89, e de que cabe ao contribuinte comprovar que as mercadorias realmente foram entregues ao destinatário constante da nota fiscal.
Autoria:
Danilo Andrade Bertagnoli de Figueiredo<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
Coordenação:
Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Lina Santin
Kalinka Bravo
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/observatorio-do-tit-operacoes-inidoneas-19092019">A responsabilidade tributária do adquirente em operações inidôneas</a>, escrito por Daniela Cristina Ismael Floriano; <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/observatorio-do-tit-o-interesse-comum-na-responsabilizacao-tributaria-solidaria-08102020">O “interesse em comum” na responsabilização tributária solidária</a>, escrito por Sulamita Szpiczkowski Alayon;  <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/observatorio-tit-nota-inidonea-icms-03102019">Responsabilidade solidária em operações com nota inidônea</a>, escrito por Dolina Sol Pedroso de Toledo.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/observatorio-tit-camara-superior-24012019">Câmara Superior não surpreende</a>, escrito por Lina Santin; <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/observatorio-do-tit-reponsabilidade-tributaria-supletiva-e-a-exigencia-do-icms-st-06112020">Responsabilidade tributária Supletiva e a exigência do ICMS-ST</a>, escrito por Vanessa Rodrigues Domene.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/observatorio-tit-responsabilidade-tributaria-2-04112021">Câmara Superior contraria STJ em temas de responsabilidade tributária</a>, escrito por Danilo Andrade Bertagnoli de Figueiredo.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/tit-afasta-responsabilidade-solidaria-de-advogado-por-debito-de-cliente-13012022#:~:text=Observat%C3%B3rio%20do%20TIT%3A%20Responsabilidade%20solid%C3%A1ria%20de%20advogado%20por%20d%C3%A9bito%20de%20cliente&amp;">Responsabilidade solidária de advogado por débito de cliente</a>, escrito por João Henrique Salgado Nobrega.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Advogado. Graduado em Direito (Mackenzie). Pós-graduado em Direito Tributário (FGV). Membro da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB/SP de Pinheiros.

Dinheiro, Real Moeda brasileira

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Câmara Superior analisa caso envolvendo acusação de remessa de mercadoria para destinatário diverso da nota fiscal

Observatório do TIT: Responsabilidade tributária do fornecedor

Câmara Superior analisa caso envolvendo acusação de remessa de mercadoria para destinatário diverso da nota fiscal. Clique para saber mais.