Tributário

Observatório do TIT: decadência dos créditos do ativo imobilizado

Mudança de entendimento da Câmara Superior quanto ao termo inicial da contagem do prazo decadencial

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Crédito: Iano Andrade/CNI

No âmbito do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT/SP, o presente artigo tem por escopo analisar a questão relativa ao prazo decadencial do crédito de ICMS decorrente da aquisição de bens destinados ao ativo imobilizado. Nesse contexto, nossa análise recai sobre o acórdão proferido pela Câmara Superior no AIIM 4.119.504-8, em 21 de outubro de 2021, no qual foi negado provimento ao Recurso Especial interposto pelo contribuinte, por apertada maioria (9 x 7), em relação à parte conhecida.

O cerne da discussão diz respeito ao termo inicial da contagem do prazo decadencial, se da data de emissão da Nota Fiscal pelo fornecedor do adquirente ou da data fixada para registro do crédito do ativo imobilizado, que se verifica em 48 meses sucessivos. Ou seja, o dies a quo eleito pelo legislador para que a autoridade administrativa efetue o lançamento do crédito tributário.

A controvérsia tem por fundamento, por um lado,  a regra geral do parágrafo único do artigo 23 da Lei Complementar 87/96, que limita o direito de utilizar o crédito de ICMS ao prazo de cinco anos contados da data de emissão do documento fiscal e, por outro, a disposição do artigo 20, § 5º, I e VII, da LC 87/96, que determina que a apropriação dos créditos de bens destinados ao ativo permanente “será feita à razão de um quarenta e oito avos por mês, devendo a primeira fração ser apropriada no mês em que ocorrer a entrada no estabelecimento”, com o cancelamento do saldo remanescente ao final do quadragésimo oitavo mês.

Na redação original do art. 20, § 5º c/c art. 21, §§ 5º, 6º e 7º, da LC 87/96, os créditos de ICMS decorrentes do ativo imobilizado deveriam ser integralmente escriturados no momento de sua aquisição. Somente com a Lei Complementar 102/2000, a redação do § 5º do art. 20 da LC 87/96 foi alterada para que tais créditos fossem apropriados à fração de 1/48, revogando-se a regra de creditamento imediato com eventuais estornos a posteriori, visando atender ao princípio da não cumulatividade.

Há de se ter em mente, portanto, que a redação do art. 23, parágrafo único, da LC 87/96, que prevê a apropriação do crédito no curso de 5 anos contados da emissão do documento fiscal, é anterior à modificação constante na LC 102/2000.

Essa contextualização é pertinente, considerando que a posição anteriormente adotada pela Câmara Superior foi alterada com o julgado em análise (AIIM 4.119.504-8), como se passa a demonstrar.

No referido caso, dentre outros lançamentos que foram posteriormente quitados, a contribuinte foi autuada, no item II.5, por creditar-se indevidamente ao lançar determinada Nota Fiscal sem o devido registro fiscal no Controle de Créditos de ICMS do Ativo Permanente (CIAP) e no item II.6, por apropriar-se de crédito do imposto relativo à entrada de ativo imobilizado no estabelecimento quando não mais poderia fazê-lo. Nossa análise, como ressaltado anteriormente, restringe-se exclusivamente ao último item do lançamento.

A Sétima Câmara Julgadora negou provimento ao Recurso Ordinário da contribuinte, após o voto vista do Juiz Marco Aurélio Watanabe Zancopé, por entender, quanto à decadência, que o crédito de ICMS na aquisição de bens destinados ao ativo imobilizado apenas poderá ser aproveitado no prazo de 5 anos contado da emissão do documento fiscal.

O voto vista restou vencedor com o entendimento de que (i) o fato gerador do direito de tomada de créditos é a emissão da nota fiscal, nos termos do art. 23, parágrafo único, da LC 87/96, (ii) a regra constante no art. 20, § 5º da LC 87/96 que prevê o creditamento do imposto na fração de 1/48 a partir da entrada no estabelecimento, deve ser entendida como limitação à eficácia do direito a esses créditos (apropriação) e não como fato gerador do direito ao crédito; e (iii) o saldo remanescente do crédito deve ser cancelado ao final do 48º mês, nos termos do art. 20, § 5º, VII, da LC 87/96.

Por outro lado, de acordo com o voto vencido do Juiz Relator Alexandre dos Santos Dias, o Recurso Ordinário da contribuinte deveria ser parcialmente provido, uma vez que o cômputo do prazo decadencial do crédito oriundo do ativo fixo, na esteira dos acórdãos anteriormente proferidos pela Câmara Superior nos processos DRT-3-221405/10 (AIIM 3.128.405-0) e DRT-12-80578/10 (AIIM 3.126.835) em favor da mesma contribuinte, tem início na data em que é realizado o lançamento de cada uma das 48 parcelas na escrita fiscal, sucessivamente, a partir da entrada do bem no estabelecimento.

Os citados acórdãos da Câmara Superior foram, inclusive, utilizados como paradigmas no Recurso Especial interposto pela contribuinte. Nas suas razões recursais, a contribuinte destacou o entendimento adotado pelo voto condutor no processo DRT-3-221405/10 de que há exceção ao cômputo do prazo de lançamento de créditos, de acordo com a Lei Complementar 102/01 que introduziu regra especial relativa ao creditamento do ICMS oriundo da aquisição a bens do ativo em quarenta e oito vezes, a partir da data da entrada do bem no estabelecimento.

No entanto, a decisão da Câmara Superior, dessa vez, foi em sentido contrário.

Segundo o voto inicial do Relator, Juiz Marcelo Amaral Gonçalves de Mendonça, “o parágrafo único do art. 23 da Lei Complementar nº 87/96 determina que o direito ao crédito se extingue decorridos 5 anos da data da emissão do documento, sem trazer qualquer exceção relativa a bens do ativo permanente, tratado em artigo anterior da mesma norma (artigo 20).” Dessa forma, negou provimento ao recurso especial com relação ao item II.6 do lançamento, sendo tais razões acolhidas, por apertada maioria, ao final.

Em voto vista, o Juiz Alberto Podgaec divergiu do entendimento acima, “eis que a C. Câmara Superior, conforme indicado nas decisões paradigmáticas exaradas nos processos DRT-03 221405/10 e DRT-12 80578/10, que tratam do mesmo contribuinte e de infração similar, corroboram o procedimento adotado pela Autuada” (grifamos). Assim, adotou as mesmas razões do voto proferido pelo Juiz Alexandre dos Santos Dias nesse processo, ainda que vencido, dispostas a seguir:

“(…) sendo o ICMS tributo sujeito à lançamento por homologação, ou seja, aquele pelo qual a autoridade fiscal, tomando conhecimento da atividade exercida pelo Contribuinte, expressamente a homologa, não faz sentido que prazos decadenciais já estejam em curso em momentos anteriores ao da atividade que ainda virá a ser praticada pelo Contribuinte, ou seja, nos caso desses autos, não faz sentido, por exemplo, que o prazo decadencial de uma hipotética parcela nº 24/48 já esteja em curso logo após o momento da entrada do bem destinado ao ativo permanente no estabelecimento do adquirente, isso porque, em relação a essa hipotética parcela nº 24 sequer há lançamento a ser analisado, homologado ou glosado pelo Fisco.

O mesmo em relação a todos os demais lançamentos, pois o Fisco não tem como adivinhar, logo de início, quais os valores serão lançados pelo contribuinte, sobretudo porque o cálculo de cada parcela a ser creditada ainda dependerá de apuração das operações tributadas em confronto com as não tributadas do período de cada apuração.

Assim, concordando com o posicionamento adotado pela unanimidade dos juízes que atuaram nos julgamentos paradigmas realizados pela C. Câmara Superior deste E. TIT (fls. 53.681/53704), de que o prazo decadencial, para cada uma das 48 parcelas previstas em lei para tomada de crédito de ICMS na aquisição de bens do ativo imobilizado, tem início na data em que cada uma das parcelas é lançada na escrita fiscal do Contribuinte, concluo não ter ocorrido a decadência nos moldes que que constam da acusação do item ‘II.6’, motivo pelo qual, sendo esse o motivo que conduziu à lavratura de referido item do AIIM, voto no sentido de o cancelar”.

No mesmo sentido, o voto vista do Juiz Edison Aurélio Corazza ressaltou que o direito aos créditos decorrentes da aquisição de ativo imobilizado nasceram com a Lei Complementar 102/2000. Assim, o termo inicial para a apropriação do crédito de ativo imobilizado na proporção de 1/48 se dá, para a primeira parcela, a partir da entrada do bem no estabelecimento, para a segunda parcela, no mês subsequente, e assim sucessivamente, até completar a 48ª parcela.

Considerando a apertada margem da decisão proferida pela Câmara Superior no AIIM 4.119.504-8, algumas reflexões se fazem necessárias:

  • Um dos fundamentos do voto vencedor foi o de que o direito ao crédito nasce na emissão da nota fiscal do fornecedor do ativo imobilizado, sendo que sua utilização em 1/48 seria apenas uma limitação da eficácia do direito ao crédito (apropriação), o que justificaria a contagem do prazo de decadência desde a emissão da nota fiscal, e não a cada período sucessivo dos 1/48. Todavia, considerando que não será admitido o creditamento das parcelas que restam para completar o quadriênio, caso o bem do ativo permanente for alienado antes do período de 48 meses (art. 20, § 5º, LC 87/96), talvez não exista um prévio direito ao crédito no momento da aquisição, mas uma simples expectativa de direito, que será materializada somente a cada parcela do 1/48.
  • Vale aprofundar a reflexão, ainda, sobre os fundamentos do quanto decidido nos acórdãos paradigmáticos apresentados, ou seja, se a regra especial trazida com LC 102/2000, alterando a LC 87/96 para estabelecer uma limitação temporal para a tomada de crédito nas aquisições de ativo imobilizado em parcelas de 1/48, teria também deslocado o início da contagem do prazo decadencial na mesma proporção, dentro de uma interpretação sistemática da LC 87/96. Seria possível argumentar que se trata, de fato, de regra de exceção e assim deve ser tratada ao analisar a aplicação do prazo decadencial previsto no parágrafo único do art. 23 da LC 87/96?
  • Por fim, a partir da alteração do entendimento da Câmara Superior nesse particular, sobretudo, levando em consideração que as decisões foram proferidas para o mesmo contribuinte, o impacto dessa mudança nos tributos incidentes sobre operações continuadas, como é o caso do ICMS, deve ser considerado. A existência de decisões divergentes sobre o mesmo tema acarreta ausência de segurança jurídica e previsibilidade das decisões, trazendo à sociedade falta de confiança nos ideais de estabilidade e credibilidade no ordenamento jurídico. Não significa que as decisões sejam imutáveis, mas vale refletir se a alteração drástica na jurisprudência não precisaria vir acompanhada de uma justificativa plausível, atrelada a mudanças na própria legislação ou na própria sociedade, gerando efeitos prospectivos (possível modulação).

CONCLUSÃO

Como se verifica, o prazo decadencial dos créditos oriundos da aquisição de bens do ativo fixo é um assunto polêmico que divide o posicionamento dos Juízes do Tribunal de Impostos e Taxas, cabendo maiores reflexões futuras.