Grupo de Pesquisa sobre Jurisprudência do TIT do NEF/FGV Direito SP

Neste artigo, analisaremos os conflitos de entendimento que envolvem julgados mais recentes da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tit">Câmara Superior do TIT</a> em relação ao <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/icms-entenda-os-aspectos-fundamentais-13052021">ICMS</a>, em sua materialidade que tributa a prestação de serviços de comunicação.
O grande problema em relação à base de incidência do chamado “ICMS Comunicação” nasce no fato de a Constituição Federal não definir nem o que é serviço e nem o que é comunicação. A Lei Complementar do ICMS (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp87.htm">LC nº 87/96</a>), que deveria fazê-lo, tampouco avança nessa tarefa.
As mudanças tecnológicas havidas após 1988 (TV por assinatura, internet, VoIP, banda larga, streaming, etc.) ampliaram as dificuldades de interpretação em relação ao ICMS Comunicação. Assim, pode o imposto tributar todos esses novos fenômenos comunicacionais ou a ele ligados?
A esse respeito, não há consenso entre o entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante e aquele da Fazenda Pública paulista. Para demonstrar isso, trouxemos à análise o julgamento, na Câmara Superior do TIT, em 15/02/2022, do Processo DRT/5 nº 4.107.124-4.
A acusação fiscal do item 1 desse processo cobra o imposto sobre o valor de locação de equipamentos (roteador). O item 2 cobra o ICMS sobre o valor relativo a gerenciamento, monitoramento, suporte, extensão de serviço, segurança de rede e correlatos (“Virtual Private Network” (VPN) e “telehousing”), que, no entender da fiscalização, seriam “imprescindíveis à fruição dos serviços de comunicação prestados e, portanto, parte integrante deles”. O terceiro e último item cobra multa regulamentar, porque o contribuinte emitiu nota fiscal de serviço da Prefeitura de São Paulo, relativas a prestações onerosas de serviços de serviços de comunicação, como se sujeitas ao ISSQN, ao invés de emitir Notas Fiscais de Serviços de Comunicação (NFSC), modelo 21.
Em seu voto, a juíza relatora, Maria do Rosário Pereira Esteves, cancelava as acusações fiscais dos itens 1 e 2 e mantinha aquela do item 3.
Em seu arrazoado para decidir sobre os dois primeiros itens, a ilustre relatora citou precedentes jurisprudenciais do mesmo TIT, mas também do Poder Judiciário, e especificamente do STJ. A “ratio decidendi” consiste no fato de que a locação de equipamentos, como modens ou roteadores, são “atividades-meio”, que “não se confunde com a prestação da atividade fim processo de transmissão (emissão ou recepção) de informações de qualquer natureza, esta fim, passível de incidência pelo ICMS”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Em relação ao item 2, a ilustre juíza relatora trouxe dois precedentes do próprio TIT. As razões para decidir seguiram a mesma linha de raciocínio empregada em relação à acusação fiscal do item 1, fundamentada na jurisprudência do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">STJ</a>, a saber: “os serviços acessórios de atividade meio preparatórios, acessórios e complementares aos serviços de comunicação, considerados serviços de valor adicionado (SVA), o gerenciamento e monitoramento, suporte, segurança de rede e VPN (Virtual Private Network) não se confundem com serviços de comunicação propriamente dito”.
A acusação fiscal do item 3 foi mantida porque, conforme a relatora, além de os paradigmas trazidos pelo contribuinte não se prestarem ao confronto da necessária divergência jurisprudencial (o que impediria o seu conhecimento para análise do mérito), as prestações de serviço em tela corresponderiam a fatos geradores distintos daqueles do item 2.
Em voto de vista, o juiz Edison Aurélio Corazza acompanhou integralmente a juíza relatora. Para tanto, trouxe outras decisões do STJ e do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tjsp">TJSP</a> e complementou os argumentos da relatora. O voto de vista reforça o entendimento de que prestação de serviço de comunicação e locação de equipamentos (item 1 do AIIM), bem como os serviços arrolados no item 2, seriam “prestações distintas” daquela de serviço de comunicação, “cujas receitas são auferidas em momentos diversos, escrituradas em diferentes contas contábeis e com preços diferenciados. Não há simultaneidade ou continuidade entre o resultado de uma e de outra prestação”.  Neste sentido, “Equipamentos desligados geram para a contribuinte receita de locação sem a correspondente receita da prestação do serviço de comunicação”. Da mesma forma, as atividades de segurança da rede, para evitar invasões de terceiros, ocorrem em momentos não necessariamente coincidentes com a comunicação. Logo, a Fazenda Pública estaria tentando tributar “atividades distintas, cuja realização se dá em momentos temporais diversos, o que não cabe face ao princípio da Tipicidade Fechada”.
Em sentido contrário aos dois votos relatados, sagrou-se vencedor, por 11 a 5, o voto de vista do juiz Marco Antônio Veríssimo Teixeira, que expressou o raciocínio que consistentemente vem sendo empregado pela Fazenda Pública paulista em julgamentos sobre o tema do ICMS Comunicação.
Para embasar suas razões, o ilustre juiz com vista baseia-se, em essência, na Resposta à Consulta Tributária nº 17.971/2018, na Decisão Normativa CAT nº 05 de 02/12/2004, e em decisões do próprio TIT. A linha condutora do raciocínio vai no sentido de que a disponibilização (com ou sem locação) de equipamentos e serviços como o gerenciamento de rede não se caracterizam simplesmente como atividades preparatórias, no sentido de preliminares ou suplementares, à ocorrência de um serviço de comunicação, mas, de fato, “integram e acompanham todo o processo da prestação do mesmo serviço, tornando possível o processo de comunicação e compondo uma só obrigação de fazer, correta a exigência fiscal”. Esse voto de vista, como razão para decidir, toma emprestada a seguinte expressão contida num dos julgados por ele citados: “serviço de gerenciamento de redes é inerente ao serviço de comunicação prestado pela recorrida, sob pena de a própria comunicação não se estabelecer ou ter sua qualidade reduzida a níveis inaceitáveis, em se tratando de grandes volumes de tráfegos ou de redes complexas”. Outra citação importante, feita por este juiz com vista, é o seguinte trecho da Decisão Normativa CAT nº 05/2004: “a hipótese de incidência do ICMS sobre as prestações de serviços de comunicação não se restringe à transmissão de comunicação. Ela se estende a todas as hipóteses do inciso III do art. 2º, da LC n.º 87/96: geração, emissão, recepção, transmissão, retransmissão, repetição e ampliação de comunicação de qualquer natureza. (…) o contrato de prestação de serviço de comunicação engloba o fornecimento de equipamentos e redes necessários à sua execução e, consequentemente, valores recebidos a esses ou outros títulos devem fazer parte da base de cálculo do ICMS”.
O voto vencedor não trouxe decisões judiciais com o entendimento por ele adotado. Há citações doutrinárias, mas a título de “obiter dictum”, não propriamente corroborando sua razão para decidir. E há a seguinte citação de Marco Aurélio Greco: “prestador [do serviço de comunicação] é aquele que fornece não apenas aqueles meios necessários ao transporte das mensagens, mas também aqueles que tornam possível a instauração de uma relação comunicativa, tais como interfaces, dispositivos, equipamentos etc. Assim, presta serviço de comunicação quem fornece o 'ambiente de comunicação””<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
O confronto das duas correntes de interpretação demonstra que há bons argumentos em ambas as posições: aquela esposada pelo voto da juíza relatora, dra. Maria do Rosário, e pelo voto em vista do dr. Corazza, que acompanha a posição doutrinária e judicial dominante, e aquela de outro voto em vista, do dr. Teixeira, que se sagrou vencedor por maioria e que reflete o pensamento fazendário sobre o tema. Registre-se que o voto vencedor segue o entendimento que vem sendo predominante na Câmara Superior do TIT há muitos anos. Trata-se do conhecido embate entre as correntes “ampliativa” e “restritiva” que há três décadas atormenta os operadores do Direito no tema.
A Fazenda Pública paulista, digna representante da “corrente ampliativa”, segue firme no entendimento de que o valor cobrado a título de locação de equipamentos deve compor a base de cálculo do ICMS Comunicação. O mesmo ocorre em relação a serviços complementares (que podem também ser chamados de preliminares, suplementares ou acessórios), que são aqueles objeto da acusação fiscal do item 2 do julgado em análise (gerenciamento, monitoramento e segurança de rede, VPN, etc), usualmente  classificados como Serviços de Valor Adicionado.
Para André Mendes Moreira, um dos principais doutrinadores a respeito de ICMS Comunicação, a Lei Geral das Telecomunicações, ao definir “telecomunicação”, em 1997, não modificou o conceito de serviço “comunicação” constante da CF/88 e da LC nº 87/96. Em verdade, a definição nela trazida teria por finalidade apenas sua regulamentação. Logo, conclui ele, somente os serviços de telecomunicação nos quais efetivamente ocorre a “comunicação” é que poderiam sofrer a incidência do ICMS<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Outros serviços ligados às telecomunicações, como habilitação de celulares (e aí poderíamos incluir os serviços do mencionado item 2 do julgado em análise), devem ficar fora da incidência do ICMS Comunicação. Como bem apontado no voto em vista do dr. Edison Corazza, tais serviços podem ser prestados em momento distinto da ocorrência da prestação de serviço de comunicação. Podem, inclusive, nem serem essenciais à esta última, apenas lhe conferem maior confiabilidade e segurança.
A locação de equipamentos, por sua vez, também não deve sofrer a incidência do ICMS Comunicação. As limitações de espaço nos impedem de tecer maiores considerações a respeito. Por isso, ficamos apenas com a excelente síntese sobre o tema que faz André Mendes Moreira: “resta insofismável a conclusão de que a locação de equipamentos não é fato gerador do ICMS-comunicação, seja porque não é sequer serviço, seja porque é atividade preparatória, que não envolve prestação de serviço de comunicação (mas apenas cessão de direito de uso de equipamento)”<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
O mesmo autor acrescenta que a locação seria mesmo dispensável quando o usuário já dispuser do equipamento, ou quando opta por sua compra, tal como pode comprar um aparelho de telefonia celular ou de televisão, e nem por isso se diga que deixa de ocorrer a prestação de serviço de comunicação por um terceiro.
Logo, afigura-nos que não deve prevalecer a “corrente ampliativa”, embora se deva, de outro lado, mitigar algumas posições mais radicais de alguns componentes da “corrente restritiva”, como a exigência da ocorrência da bilateralidade (ou bidirecionalidade) entre emissor e receptor para legitimar a incidência do ICMS Comunicação. Por óbvio que a bilateralidade não é requisito indispensável para caracterizar a ocorrência de uma relação comunicativa (a exemplo do rádio e TV, que, todavia, gozam de imunidade), mesmo entendimento de André Mendes Moreira: basta que haja emissor, receptor, meio, mensagem e código.
Em conclusão, consideramos que conviria ser revista a posição interpretativa que até aqui tem sido vencedora na Câmara Superior do TIT, vinculada à chamada “corrente ampliativa”, consistente em incluir, na base de cálculo do ICMS Comunicação, todo e qualquer serviço ou atividade (a exemplo da locação de equipamentos ou do gerenciamento de rede) acessórios à prestação de serviço de comunicação. Primeiramente, porque lhe falta respaldo constitucional e legal<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, como ficou demonstrado. Depois, porque estará fatalmente condenada à sucumbência, caso os processos da espécie que ainda hoje são decididos contrariamente aos contribuintes no Tribunal de Impostos e Taxas paulista sejam levados aos tribunais superiores.
Autor:
José Eduardo de Paula Saran<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>
Coordenação:
Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Lina Santin
Kalinka Bravo
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> REsp 1.176.753/RJ.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> GRECO, Marco Aurélio. Internet e Direito. 1ª ed.: Dialética, 2000, p. 124
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> MOREIRA, André Mendes. A tributação dos serviços de comunicação. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2016, p. 190.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> MOREIRA, op. cit., p. 294.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> A melhor interpretação do inciso III do art. 2º da LC nº 87/96 não permite a amplitude que a Fazenda Pública lhe quer dar.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Advogado. Pesquisador do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT – NEF-FGV/SP. Doutorando em Direito Financeiro na USP. Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP; ex-juiz do TIT/SP (2004-2021); ex-Auditor Tributário da SEFAZ/SP (1990-2022).

ICMS Comunicação

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JOTA

Disputas interpretativas em relação à prestação de serviço de comunicação

Observatório do TIT: A incidência do ICMS Comunicação

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