Raphael Carvalho

Na última semana, o Plenário da Câmara dos Deputados iniciou o processo de votação da reforma política contida na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 182 de 2007 [1], à qual encontram-se apensadas outras 52 PECs e mais algumas dezenas de emendas apresentadas na Comissão Especial de Reforma Política [2].
Entretanto, a expectativa de alterações relevantes no sistema eleitoral não se concretizou. A discussão sobre sistemas eleitorais tem a ver com a compreensão e definição do conjunto de regras relacionadas ao voto. Essas regras definem as opções de voto disponíveis ao eleitor e como esses votos serão convertidos em mandatos parlamentares. Por isso, as fórmulas eleitorais desempenham importante variável na definição das estratégias eleitorais adotadas pelos partidos, candidatos e eleitores.
Entre os diversos modelos de sistema eleitoral [3], a proposta que previa a introdução do sistema eleitoral majoritário conhecido como “distritão” certamente foi a que mais canalizou as energias do debate na Câmara dos Deputados. O “distritão” é um modelo de sistema eleitoral puramente majoritário para as eleições de Deputado Federal, Deputado Estadual, Deputado Distrital e Vereador.
Na prática, cada Estado seria considerado um grande distrito eleitoral ou “distritão”, para fins de preenchimento dos cargos de Deputado Federal e Deputado Estadual. Da mesma forma, cada Município seria considerado um único distrito eleitoral, nas eleições para Vereadores. Em ambos os casos, seriam eleitos os candidatos individualmente mais votados, dentro do número de vagas disponíveis para cada Estado ou Município, independentemente do partido político e da coligação partidária.
Embora os seus defensores apontassem o “distritão” como um sistema mais justo e simples – pois os mais votados seriam eleitos e não haveria transferência de votos entre candidatos –, a comunidade de cientistas políticos e estudiosos se posicionou contra esse modelo. Em manifesto publicado no portal eletrônico da Associação Brasileira de Ciência Política, mais de duzentos cientistas políticos e sociólogos afirmaram que o “distritão” representaria um retrocesso institucional, por induzir o personalismo eleitoral e, consequentemente, reduzir a importância dos partidos políticos [4]. Além disso, alertaram para o fato de que milhares de votos seriam desconsiderados, uma vez que somente os votos dados nos candidatos mais votados teriam influência no resultado eleitoral, diferentemente do que ocorre hoje com o somatório de votos entre candidatos de um mesmo partido ou coligação.
Diante de tantas incertezas e resistências, o “distritão”, que atualmente é utilizado apenas em quatro países (Afeganistão, Jordânia, Picairn e Vanuatu), foi rejeitado pela maioria dos Deptuados/as. Ao todo, foram 267 votos contra e 210 favoráveis. Por todas as razões apontadas no parágrafo anterior, muitos políticos e especialistas comemoraram a rejeição do “distritão” como uma vitória, diante da possibilidade real de retrocesso institucional que a aprovação desse modelo representaria. Além do distritão, foram rejeitadas também as propostas de introdução do sistema distrital misto de inspiração alemã – por 369 votos contrários e 99 favoráveis – e do sistema proporcional de lista fechada adotado em países como a Espanha e Portugal – por 402 votos contrários e 21 favoráveis –, embora não houvesse expectativa real da aprovação de nenhuma dessas duas propostas.
Rejeitados esses três modelos de sistema eleitoral, o Plenário passou a analisar as seguintes possibilidades de aperfeiçoamento do atual sistema de eleições proporcionais: i) o fim das coligações e; ii) a instituição de cláusula de desempenho.
A proposta de fim das coligações prevê que cada partido político concorra sozinho pelas vagas em disputa. Dessa forma, não haveria mais soma nem transferência de votos entre partidos políticos coligados no processo de alocação das cadeiras parlamentares.
Os críticos das coligações argumentam que as atuais alianças eleitorais são passageiras e que, portanto, não representam uma efetiva aliança programática. De acordo com essa crítica, tais coligações têm como principais objetivos o aumento do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão dos partidos que disputam os cargos majoritários e permitir que partidos menores consigam eleger ao menos um representante impulsionado pelo quociente eleitoral da coligação. Argumentam também que a transferência de votos entre candidatos de partidos distintos, mas que estejam ocasionalmente em uma mesma coligação eleitoral, é uma distorção do voto originário do eleitor.
Por sua vez, os defensores das coligações entendem que esse mecanismo é importante para garantir a representação política de minorias presentes nos partidos de menor porte, que normalmente não atingiriam o quociente eleitoral dentro dos Estados.
Ao fim do debate, a proposta de fim das coligações foi rejeitada pelos Deputados/as, com 236 votos contrários e 206 favoráveis, em sinal claro da pouca ressonância entre os debates desenvolvidos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, que havia aprovado o fim das coligações meses antes com 62 votos a favor e apenas 03 contrários [5]. Contudo, cabe ressaltar que, de acordo com o noticiado na imprensa [2], a rejeição da proposta do fim das coligações foi influenciada por acordos políticos que relacionavam essa votação ao apoio de propostas concorrentes de sistema eleitoral.
Outro importante tema debatido na semana passada foi a instituição de cláusula de desempenho para partidos políticos. A cláusula de desempenho nada mais é do que o estabelecimento de um percentual mínimo de votos para que um partido político conquiste uma cadeira no Legislativo. Esse tipo de cláusula está presente em cerca de 2/3 dos países que adotam o sistema proporcional de lista [7]. No Brasil, as proposições de cláusula de desempenho normalmente buscam limitar também o acesso gratuito ao rádio, à televisão e ao fundo partidário.
Na prática, o principal objetivo das proposições de cláusula de desempenho é conferir maior governabilidade ao sistema político, a partir da redução do número de partidos políticos com representação no Legislativo. Os defensores dessa proposta alegam que o atual quadro de fragmentação partidária do país – em que 28 partidos estão representados na Câmara dos Deputados – dificulta a identificação programática dos eleitores com os partidos políticos. Além disso, afirmam que esse quadro de pulverização partidária também compromete a formação de maiorias estáveis e, consequentemente, inviabiliza o andamento dos debates, a definição de agendas, a priorização de políticas e a formação de consensos acerca das matérias em tramitação no Legislativo.
Por sua vez, os críticos das políticas de cláusulas de barreira sustentam que esse mecanismo tende a reduzir a representatividade das minorias e dos partidos pequenos, que nem sempre conseguiriam um agregado nacional de votos superior às cláusulas propostas.
Apesar da crítica recorrente à fragmentação do sistema partidário brasileiro – que é considerado um dos mais pulverizados do mundo –, a proposta de cláusula de barreira apresentada e aprovada na Câmara dos Deputados não será capaz de melhorar esse quadro. Isso porque o texto regulamenta apenas o acesso a recursos do fundo partidário e ao tempo de rádio e televisão. Não estabelece, porém, um percentual mínimo de votos necessários para que determinado partido conquiste o direito a ocupar uma vaga no Congresso Nacional, como ocorre na maioria dos países que adotam essas cláusulas.
Além de não estabelecer uma votação mínima como pré-requisito para o funcionamento parlamentar, a solução adotada é pouco restritiva na distribuição dos recursos do fundo partidário e do tempo de rádio e televisão, uma vez que estabelece como condição para acesso a simples eleição de um candidato do partido a Deputado Federal ou Senador.
A título de ilustração, considerando os resultados das eleições de 2014, nenhum dos 28 partidos políticos atualmente com representação na Câmara dos Deputados seria afetado por essa medida, o que demonstra o baixo potencial da cláusula de desempenho aprovada em contribuir efetivamente com a redução do número de partidos políticos.  Mesmo com essas limitações, esse modelo de cláusula de barreira foi aprovado com 369 votos favoráveis e 39 contrários.
Diante do exposto, percebe-se que, até o momento, o processo de reforma política contido na PEC nº 182/2007 carece de inovações e aperfeiçoamentos capazes de aproximar os representantes e os representados, fortalecer os partidos políticos e conferir maior governabilidade ao sistema político. Contudo, diante das incertezas institucionais [8] representadas pela proposta do “distritão”, a não aprovação deste modelo figura como um dos fatos mais importantes, até o momento, na votação da reforma política contida na PEC nº 182/2007.
<hr />
[1] - <a href="http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/pec-182-07-reforma-politica">http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/pec-182-07-reforma-politica</a>
[2] - <a href="http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_emendas?idProposicao=599229&amp;subst=0">http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_emendas?idProposicao=599229&amp;subst=0</a>
[3] -  O cientista político Jairo Nicolau identificou nove modelos de sistemas eleitorais em 95 países que realizaram eleições democráticas. Ver NICOLAU, Jairo. Sistemas eleitorais. 6ª edição. FGV editora. 2014.
[4] - http://www.cienciapolitica.org.br/cientistas-politicos-e-sociologos-se-posicionam-contra-a-possibilidade-do-distritao/#.VWoXKM9Viko
[5] - http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/03/24/fim-das-coligacoes-nas-eleicoes-proporcionais-passa-no-senado-e-segue-para-camara
[6] - http://oglobo.globo.com/brasil/camara-rejeita-fim-das-coligacoes-proporcionais-aprova-clausula-de-barreira-16291876
[7] -  Ver NICOLAU, Jairo. Sistemas eleitorais. 6ª edição. FGV editora. 2014.
[8] -  http://www.cienciapolitica.org.br/cientistas-politicos-e-sociologos-se-posicionam-contra-a-possibilidade-do-distritao/#.VWoXKM9Viko

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JOTA

A derrota do distritão e a manutenção do atual sistema eleitoral proporcional.

Observatório da Legislação: Reforma Política (PEC 182/2007)

A derrota do distritão e a manutenção do atual sistema eleitoral proporcional.