Victor Marcel Pinheiro

Os estudiosos do direito constitucional contemporâneo têm se voltado para uma questão de grande importância e que, até pouco tempo, não era objeto de estudos sistematizados no Brasil: os chamados “diálogos constitucionais”.<a href="#_edn1" name="_ednref1">[i]</a> De modo sintético, trata-se da interlocução institucionalizada de diferentes atores públicos na tentativa de construção do sentido constitucional. Diálogos constitucionais são, portanto, um conjunto de atos praticados pelo Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário que objetivam determinar quais são as normas constitucionais vigentes em um determinado momento.<a href="#_edn2" name="_ednref2">[ii]</a>
O presente artigo tem por objetivo examinar um caso recente que envolve a participação direta do Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional e Presidência da República na definição de quais são as normas constitucionais que regem o tema do financiamento de partidos e campanhas eleitorais por pessoas jurídicas. Inicialmente, realiza-se a descrição cronológica dos fatos mais relevantes sobre a questão e, em um segundo momento, destacam-se pontos sensíveis para reflexão.
Como recorte temporal, pode-se mencionar que, em 05/09/2011, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650, em que requereu, entre outros, a declaração da inconstitucionalidade de expressões e interpretações da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos) e Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições), no ponto em que possibilitam as doações financeiras para partidos e campanhas eleitorais por parte de pessoas jurídicas.<a href="#_edn3" name="_ednref3">[iii]</a>
A primeira observação a ser feita a respeito da tramitação judicial da ADI 4.650 refere-se à realização de duas audiências públicas, em junho de 2013, com mais de 35 acadêmicos, políticos, advogados, magistrados e membros do Ministério Público. Além disso, o Tribunal aceitou ainda a participação de seis instituições da sociedade civil como amici curiae para oferecerem novos argumentos sobre a questão.
A segunda observação refere-se aos pedidos de vista dessa ADI que influenciaram o tempo necessário para seu julgamento. Em 11/12/2013 o julgamento foi iniciado. No dia seguinte, o Relator, Ministro Luiz Fux, e os Ministros Joaquim Barbosa,Dias Toffoli e Roberto Barroso votaram pela procedência da ação, sendo o julgamento suspenso em razão do pedido de vista do Ministro Teori Zavascki. O julgamento foi retomado em 02/04/2014. Nessa data, houve três votos: o Ministro Teori Zavascki votou pela improcedência da ação, o Ministro Marco Aurélio por sua parcial procedência e o Ministro Ricardo Lewandowski pela procedência. Nesse momento, houve novo pedido de vista, apresentado pelo Ministro Gilmar Mendes.
Em 14/07/2015 foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.735/2013, que, mediante seu art. 24-A, vedava a doação financeira de pessoas jurídicas para campanhas, mas ainda a permitia para partidos políticos. Esse projeto tramitou no Senado Federal como Projeto de Lei da Câmara nº 75, de 2015, e foi aprovado em 02/09/2015, com emendas para vedar pessoas jurídicas de doarem recursos financeiros tanto para campanhas quanto para partidos políticos. Em 09/09/2015, a Câmara dos Deputados examinou as emendas do Senado Federal, rejeitando a modificação proposta e restabelecendo o art. 24-A do Projeto. Em seguida, o Projeto foi enviado à Presidência da República para sanção ou veto.
Paralelamente a esse Projeto de Lei, em 12/08/2015, foi aprovada na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição nº 182/2007, que, dentre outros, insere novo § 5º ao art. 17 da Constituição Federal, permitindo a doação de pessoas jurídicas para partidos políticos. Essa proposta está sob exame do Senado Federal.
O julgamento da ADI nº 4.650 foi retomado durante esse período e encerrou-se em 17/09/2015. De acordo com a ata de julgamento publicada, o STF, por maioria de votos, julgou a ação parcialmente procedente, declarando a inconstitucionalidade de normas legais que possibilitavam a doação a campanhas e partidos políticos por pessoas jurídicas. É interessante notar que, após o julgamento da ADI nº 4.650, houve Ministros que já expressaram seu entendimento pela inconstitucionalidade de futuras leis que reintroduzissem o financiamento de campanhas e partidos políticos por pessoas jurídicas.<a href="#_edn4" name="_ednref4">[iv]</a>
Posteriormente ao julgamento acima mencionado, a Presidente da República, em 29 de setembro de 2015, por meio da Mensagem nº 358, de 2015, vetou dispositivos do Projeto de Lei nº 5.735/2013. Entre os dispositivos vetados está justamente a possibilidade de financiamento de partidos políticos por pessoas jurídicas. Em suas razões de veto, a Presidente da República entendeu pela inconstitucionalidade dessa possibilidade, em razão da violação à “igualdade política e os princípios republicano e democrático”, fundando-se expressamente na decisão proferida pelo STF na ADI nº 4.650. Esse veto ainda será devidamente apreciado pelo Congresso Nacional.
O exame cronológico dos fatos acima narrados gera algumas reflexões sobre a interação dos Poderes na definição do sentido constitucional.
A primeira delas é a existência de uma constante disputa institucional pela melhor interpretação constitucional vigente - no caso a questão sobre a constitucionalidade da doação de recursos financeiros por parte de pessoas jurídicas a partidos políticos e candidatos. O exemplo em questão demonstra o acerto explicativo do argumento que defende a inexistência de uma “última palavra” na interpretação constitucional, pois uma questão solucionada em um determinado momento pode ser reaberta por outras vias institucionais. Ainda que se possam resolver, de modo definitivo, questões jurídicas relacionadas a casos ou normas jurídicas concretas, o espaço político para reinterpretação constitucional está sempre em aberto.
O segundo aspecto relevante é a possibilidade de interação temporal entre os atores envolvidos por meio de estratégias decisórias que sinalizam como uma instituição provavelmente se posicionará no futuro sobre uma questão. Isso permite que exista um constante diálogo constitucional mesmo sobre questões jurídicas pendentes de resolução, de modo que um autor procure antecipar possíveis soluções dos outros.
Isso ocorre de maneira clara no momento em que, já em abril de 2014, o STF sinalizava para uma possível formação de maioria sobre a inconstitucionalidade das doações a partidos e campanhas eleitorais por pessoas jurídicas. Ainda que o julgamento estivesse em andamento e pudesse ter seu resultado alterado, isso possivelmente influenciou a Câmara dos Deputados a aprovar o Projeto de Lei nº 5.735/2013 e a Proposta de Emenda à Constituição nº 182/2007 para fixar seu entendimento a respeito da questão. Essa dinâmica entre as instituições é campo fértil para novos estudos que examinem em quais casos e de que forma uma instituição reage à atuação das demais no que se refere à interpretação constitucional.
O terceiro aspecto que merece reflexão aponta para a variação no tempo da capacidade de o Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário apresentarem seus argumentos de modo convincente e com o respaldo político-social necessário para que elas definam a interpretação constitucional. Nesse sentido, argumenta-se que as instituições políticas e judiciárias levam em conta suas “flutuações de legitimidade”<a href="#_edn5" name="_ednref5">[v]</a> no momento em que tomam suas decisões, ou seja, suas capacidades de fazerem seus posicionamento serem aceitos sem grandes reações contrárias de outras instituições e da sociedade em geral.
No presente caso, é curioso notar que o STF ingressou na discussão sobre uma questão constitucional cuja resolução, até pouco tempo atrás, era vista como prerrogativa do legislador, inclusive autorizando a realização de audiências públicas e participação de amici curiae para conhecer diversos argumentos sobre a questão. Após a sinalização de possível formação de maioria de Ministros em favor da inconstitucionalidade do financiamento por pessoas jurídicas de campanhas e partidos políticos, a reação do Congresso Nacional foi célere e em sentido contrário. Contudo, já a posição da Presidência da República expressamente apoiou-se na decisão do Tribunal, como forma de respaldar politicamente sua posição. Isso aponta para plausibilidade da hipótese de que as instituições, além de serem constrangidas pelas normas jurídicas vigentes, também são influenciadas pelo seu respaldo social. Em que medida, em quais casos e com quais contornos são elementos ainda a serem objeto de futuras pesquisas.
Longe de ser uma patologia, o exemplo acima retrata virtudes de uma sociedade democrática que se permite uma constante postura crítica perante as decisões de autoridades públicas, pois não há instituição a que se atribua o monopólio da “última palavra” em interpretação constitucional. Nesse sentido, o desafio que se coloca consiste em, primeiramente, compreender as interações institucionais existentes a esse respeito para, em segundo momento, aperfeiçoar as regras do jogo democrático.
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[i]</a> Obras recentes examinam em profundidade o tema. Cf. Conrado Hübner Mendes, Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação, São Paulo, Saraiva, 2011; Rodrigo Brandão, Supremacia judicial versus diálogos constitucionais: a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição?, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2012; e Sérgio Antônio Ferreira Victor, Diálogo institucional e controle de constitucionalidade: debate entre o STF e o Congresso Nacional, São Paulo, Saraiva, 2015 (no prelo).
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[ii]</a> Não se pode desconhecer que as demais instituições sociais e os cidadãos em geral também são atores que participam e disputam a construção do sentido constitucional. Entretanto, para os fins do presente artigo, restringe-se o exame sobre os atores públicos em razão das prerrogativas jurídicas que eles podem exercem nesse âmbito.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[iii]</a> Para uma análise dos argumentos expostos na petição inicial, cf. Antônio Pedro Machado / Ícaro Franco Picérni, “Questionamentos acerca do financiamento público de campanhas”, publicado na Coluna “Observatório da Legislação”, site Jota, em 08/09/2015, disponível em: https://www.jota.info/observatorio-da-legislacao-questionamentos-acerca-do-financiamento-publico-de-campanhas.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[iv]</a> Disponível em: <a href="http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=300016&amp;caixaBusca=N">http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=300016&amp;caixaBusca=N</a> e http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=300018&amp;caixaBusca=N
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[v]</a> Cf. Conrado Hübner Mendes, Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação, pp. 183 e ss.

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O financiamento de partidos e campanhas eleitorais por pessoas jurídicas

Observatório da Legislação – Diálogos constitucionais na prática

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