Maurício Bellucci

Gustavo Carrile da Silva

Introdução
No último mês de setembro foi lançado o livro Repertório Analítico de Jurisprudência do CARF, obra coletiva editada pela Max Limonad que pretendeu trazer, de forma sistematizada, a evolução da jurisprudência daquele tribunal administrativo sobre os principais tópicos que envolvem a tributação na esfera federal, desde a criação do então Conselho de Contribuintes até a suspensão de suas atividades em decorrência da Operação Zelotes. A ideia foi analisar e descrever, de forma analítica, as decisões proferidas pelo CARF até aquele momento, como forma de não permitir o seu esquecimento e também com a finalidade de servir de base de pesquisa para todos aqueles que, de alguma forma, se relacionam com o tribunal, sejam advogados, procuradores, contribuintes, conselheiros, entre outros.
Passados mais de dez meses desde a retomada das atividades do CARF em dezembro de 2015, e considerando algumas mudanças ocorridas no seu funcionamento, estrutura e seleção de seus integrantes, já é possível realizar as primeiras análises comparativas entre a forma como determinados temas vinham sendo tratados no “antigo” CARF e a maneira pela qual o “novo” CARF tem abordado os mesmos assuntos.
O tema selecionado para o presente artigo foi a conexão entre os pedidos de compensação e as obrigações acessórias que com eles se relacionam. Especificamente, abordaremos a forma pela qual o “novo” CARF tem tratado dois pontos: (i) a possibilidade de o contribuinte promover retificação da declaração de compensação (DCOMP) após ter sido intimado de despacho decisório denegatório da compensação e (ii) a obrigatoriedade de o contribuinte retificar o documento constitutivo do crédito tributário (DCTF/GFIP) como pressuposto para formação do direito creditório que se pretende utilizar na compensação.
Antes de adentrarmos na análise de cada um desses pontos, importante se faz mencionar os parâmetros utilizados para pesquisa da base de acórdãos analisados. A pesquisa foi feita por meio da seção de busca de acórdãos constante no website do CARF, tendo sido utilizados os termos “compensação” e “retificação” dentro do período compreendido entre dezembro/2015 (quando foram retomadas as seções de julgamento pós Zelotes) e outubro/2016 (data da elaboração do presente artigo). Desta busca, foram obtidos 27 acórdãos, dos quais 3 se relacionavam a seções de julgamento de períodos anteriores. Dos 24 acórdãos remanescentes, 16 se relacionam com os dois temas objeto deste artigo, sendo 6 referentes ao tema (i) e 10 afeitos ao tema (ii).
Tendo tratado das premissas, passamos à análise específica de cada tema.
<ol>
<li> Possibilidade de retificação da declaração de compensação após intimação do despacho decisório denegatório da compensação</li>
</ol>
Por vezes, pode ocorrer de o contribuinte, ao formular pedido de compensação, mencionar algum dado equivocado sobre o crédito pretendido. Pode mencionar, por exemplo, que se trata de recolhimento a maior de um período de competência, quando na realidade se refira a outro ou então pode dizer que se trata de crédito de determinado tributo, ao passo que o correto seria ter informado outro tributo. A Receita Federal, em situações como essa, não homologa a compensação pretendida, até mesmo porque, com os atuais cruzamentos eletrônicos de dados, o “sistema” não reconhecerá as informações inseridas pelo sujeito passivo na declaração de compensação. A partir do conhecimento, pelo contribuinte, da decisão não homologatória da compensação, poderia ele corrigir seu erro, mencionando quais as informações seriam corretas?
No tocante a este ponto, no já citado livro Repertório Analítico de Jurisprudência do CARF, foi indicado[1] que existiam, basicamente, dois posicionamentos expressivos no “antigo” CARF. O primeiro, majoritário, no sentido de não reconhecer a possibilidade de retificação da declaração de compensação após a intimação do sujeito passivo da decisão administrativa que não tenha homologado tal compensação. De acordo com tal entendimento, a retificação só seria válida caso se referisse a erros formais e se fosse realizada antes de decisão administrativa, de acordo com as regras que norteiam o pedido de compensação[2]. Já o segundo entendimento, com certa expressividade, embora minoritário, era no sentido de aceitar a retificação de declaração de compensação por parte do contribuinte após ter sido cientificado do despacho decisório denegatório que negasse a compensação, desde que o direito creditório seja comprovado, em obediência ao princípio da verdade material.
Com a nova composição do CARF, da análise dos acórdãos mais recentes, podemos verificar uma pequena tendência em sentido inverso, muito embora a amostragem não seja muito significativa. De 6 acórdãos relacionados à matéria, vimos que apenas 2 deles foram no sentido de não permitir a retificação da declaração de compensação após a sua transmissão. Importante destacar que, em um deles[3], foi apenas incidental a menção a este assunto no voto do Conselheiro Relator Fernando Brasil de Oliveira Pinto, visto que o principal argumento para se negar o direito à compensação foi o de que o crédito do contribuinte estaria prescrito.
Na maioria dos acórdãos (mais precisamente em 4 deles) houve o reconhecimento do direito de o sujeito passivo promover a retificação em sua declaração de compensação (“DCOMP”) após ter sido intimado de decisão que indeferia o pleito compensatório. Além desta maioria, a tendência de tal entendimento é reforçada por conta de uma manifestação da Câmara Superior de Recursos Fiscais[4] em acórdão relatado pelo Conselheiro Rafael Vidal de Araújo. Outro aspecto importante de se mencionar é que todos estes 4 acórdãos mencionaram que cabe ao contribuinte fazer a prova do seu direito creditório com documentos contábeis e fiscais hábeis a confirmar a retificação que se pretende realizar. Além disso, 3 destes 4 acórdãos fizeram expressamente menção ao princípio da verdade material que justificaria o direito de o sujeito passivo realizar a retificação da declaração de compensação.
A seguir indicamos um quadro com o resumo da análise efetuada:
<table>
<tbody>
<tr>
<td>Acórdão</td>
<td>Turma</td>
<td>Permitiu retificação após intimação?</td>
<td>Mencionou explicitamente Verdade material no voto?</td>
<td>Necessidade de comprovar o crédito?</td>
</tr>
<tr>
<td>1201-001.344</td>
<td>2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária - PRIMEIRA SEÇÃO</td>
<td>Sim</td>
<td>Sim</td>
<td>Sim</td>
</tr>
<tr>
<td>1402-001.992</td>
<td>4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária - PRIMEIRA SEÇÃO</td>
<td>Não</td>
<td>Não</td>
<td>-</td>
</tr>
<tr>
<td>3302-003.338</td>
<td>3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária - TERCEIRA SEÇÃO</td>
<td>Sim</td>
<td>Não</td>
<td>Sim</td>
</tr>
<tr>
<td>9101-002.203</td>
<td>1ª Turma / CSRF</td>
<td>Sim</td>
<td>Sim</td>
<td>Sim</td>
</tr>
<tr>
<td>1301-002.105</td>
<td>3ª Câmara / 1ª Turma Ordinária - PRIMEIRA SEÇÃO</td>
<td>Não</td>
<td>Não</td>
<td>Sim</td>
</tr>
<tr>
<td>1401-001.655</td>
<td>4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária - PRIMEIRA SEÇÃO</td>
<td>Sim</td>
<td>Sim</td>
<td>Sim</td>
</tr>
</tbody>
</table>
<ol start="2">
<li> Da obrigatoriedade de o contribuinte retificar o documento constitutivo do crédito tributário como pressuposto para formação do direito creditório que se pretende utilizar na compensação</li>
</ol>
A outra situação que este artigo pretendeu analisar é aquela em que o contribuinte verifique um direito creditório passível de compensação, mas, por alguma razão, antes de formular o pedido de compensação, não promove retificação na obrigação acessória que constitui o crédito tributário (notadamente a DCTF e a GFIP), de forma que a autoridade fiscal, ao analisar o pedido de compensação, não consegue perceber com exatidão o montante do direito creditório do sujeito passivo. É comum, nesses casos, em decorrência do cruzamento eletrônico entre obrigações acessórias, a negativa da compensação pretendida pelo contribuinte.
Com relação a este segundo tema, na obra Repertório Analítico de Jurisprudência do CARF, a análise[5] foi a de que, no “antigo” CARF, a maioria dos julgados mencionava ser prescindível a retificação dos documentos que constituem o crédito tributário como condição para se apresentar a declaração de compensação que se pretende realizar, devendo as autoridades julgadoras analisar os demais documentos contábeis e fiscais que o contribuinte apresente para confirmação do direito creditório. Outra corrente, minoritária, defendia a obrigatoriedade de retificação prévia da DCTF/GFIP para se promover a compensação, já que a divergência entre obrigações acessórias prejudica a análise da liquidez e certeza do direito creditório do sujeito passivo.
No “novo” CARF, o tratamento deste assunto tem apresentado a mesma tendência verificada anteriormente, com a particularidade de que a amostragem é maior do que aquela analisada no tópico prévio. De 10 acórdãos que trataram do tema, 7 deles entenderam que não há obrigatoriedade de se retificar previamente a declaração que constitua o crédito tributário para formalização do direito creditório e reconheceram o direito de o contribuinte promover a retificação da DCTF/GFIP após o despacho decisório emitido pela autoridade fiscal denegando o direito à compensação. No entanto, 6 destes 7 acórdãos mencionaram que não basta o contribuinte retificar a declaração após intimação da decisão administrativa, devendo comprovar com documentos contábeis e fiscais o seu direito creditório. À essa maioria soma-se o fato de que uma das manifestações[6] foi da Câmara Superior de Recursos Fiscais em caso relatado pela Conselheira Patrícia da Silva, o que reforça a tendência.
Dos outros 3 acórdãos, 1 não mencionou expressamente se a retificação da DCTF era ou não condição para processamento da compensação[7] e negou o pleito compensatório sob o argumento de que o contribuinte não teria logrado êxito na comprovação do crédito. Nos únicos 2 casos que afirmaram ser imprescindível a retificação de GFIP[8], cumpre ressaltar que o contribuinte, mesmo após ter sido intimado da decisão que negou a compensação, não tentou promover a retificação do documento[9], tendo o tribunal administrativo deixado de reconhecer o direito à compensação porque a ausência de retificação prejudicaria a confiabilidade do banco de dados do regime geral da previdência pública.
No quadro a seguir é apresentado um resumo da análise feita sobre os acórdãos atinentes ao tema:  
<table>
<tbody>
<tr>
<td>Acórdão</td>
<td>Turma</td>
<td>Entendeu que retificação prévia é requisito?</td>
<td>Necessidade de comprovar o crédito?</td>
</tr>
<tr>
<td>3302-002.956</td>
<td>3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária - TERCEIRA SEÇÃO</td>
<td>Não</td>
<td>Sim</td>
</tr>
<tr>
<td>3302-002.955</td>
<td>3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária - TERCEIRA SEÇÃO</td>
<td>Não</td>
<td>Sim</td>
</tr>
<tr>
<td>3302-002.954</td>
<td>3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária - TERCEIRA SEÇÃO</td>
<td>Não</td>
<td>Sim</td>
</tr>
<tr>
<td>3302-002.953</td>
<td>3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária - TERCEIRA SEÇÃO</td>
<td>Não</td>
<td>Sim</td>
</tr>
<tr>
<td>9202-003.930</td>
<td>2ª Turma / CSRF</td>
<td>Não</td>
<td>-</td>
</tr>
<tr>
<td>2201-002.862</td>
<td>2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária - SEGUNDA SEÇÃO</td>
<td>-</td>
<td>Sim</td>
</tr>
<tr>
<td>3401-003.008</td>
<td>4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária - TERCEIRA SEÇÃO</td>
<td>Não</td>
<td>Sim</td>
</tr>
<tr>
<td>1301-002.103</td>
<td>3ª Câmara / 1ª Turma Ordinária - PRIMEIRA SEÇÃO</td>
<td>Não</td>
<td>Sim</td>
</tr>
<tr>
<td>2401-004.178</td>
<td>4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária - SEGUNDA SEÇÃO</td>
<td>Sim</td>
<td>-</td>
</tr>
<tr>
<td>2201-002.962</td>
<td>2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária - SEGUNDA SEÇÃO</td>
<td>Sim</td>
<td>Sim</td>
</tr>
</tbody>
</table>
Conclusão
A partir da análise das informações acima, podemos concluir que o “novo” CARF, aparentemente, tem tomado decisões em sentido oposto ao do “antigo” CARF com relação à possibilidade de o contribuinte promover retificação da declaração de compensação (DCOMP) após ter sido intimado de despacho decisório denegatório da compensação, embora a quantidade de acórdãos sobre o tema ainda não seja significativa.
Já no que se refere à obrigatoriedade de o contribuinte retificar o documento constitutivo do crédito tributário (DCTF/GFIP) como pressuposto para formação do direito creditório que se pretende utilizar na compensação, percebemos haver uma amostragem maior de decisões, em sua maioria, no mesmo sentido como o tribunal administrativo vinha decidindo até março de 2015.
----------------------------------------------- 
[1] Cf. BELLUCCI, Maurício. É possível retificar a declaração de compensação após a intimação do sujeito passivo da decisão administrativa que não homologou o encontro de contas? In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; VASCONCELOS, Breno Ferreira Martins; SILVA, Daniel Souza Santiago da; DIAS, Karen Jureidini; HOFFMANN, Susy Gomes (Coords). Repertório Analítico de Jurisprudência do CARF. 1 ed. São Paulo: Max Limonad, 2016. p. 185. 
[2] Artigo 170 do Código Tributário Nacional, artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 e regulamentos expedidos pela administração tributária sobre compensação, como as Instruções Normativas 460/2004, 600/2005, 900/2008 e 1.300/2012. 
[3] Acórdão 1402-001.992 da 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária - PRIMEIRA SEÇÃO. 
[4] Acórdão 9101-002.203. 
[5] Cf. BELLUCCI, Maurício. A retificação da DCTF é condição para o reconhecimento do direito creditório? In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; VASCONCELOS, Breno Ferreira Martins; SILVA, Daniel Souza Santiago da; DIAS, Karen Jureidini; HOFFMANN, Susy Gomes (Coords). Repertório Analítico de Jurisprudência do CARF. 1 ed. São Paulo: Max Limonad, 2016. p. 177. 
[6] Acórdão 9202-003.930. 
[7] Acórdão 2201-002.862 da 2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária - SEGUNDA SEÇÃO. 
[8] Acórdão 2401-004.178 da 4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária - SEGUNDA SEÇÃO e Acórdão 2201-002.962. da 2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária - SEGUNDA SEÇÃO. 
[9] No Acórdão 2201-002.962, o contribuinte chegou a promover retificação na obrigação acessória, mas o CARF entendeu que a retificação promovida se referiu a outros itens marginais e não à matéria que era discutida nos autos.

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JOTA

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