Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">“I have learned that when you've done your homework, once you recognize that supply and demand are totally out of whack, and you make your move, you are definitely going to get very lucky.” 
 
― Jim Rogers.
&nbsp;</blockquote>
Uma constante dos mercados é que o preço de um bem ou serviço sofre enorme variações no curto prazo. Isso permite que fortunas sejam feitas ou perdidas em um curto espaço de tempo. O ajuste da demanda e da oferta, mesmo em mercados totalmente livres, não se dá de maneira automática. Há um espaço de tempo, uma janela de oportunidade, na qual o investidor atento pode agir rapidamente com grande benefício. Na disrupção está a oportunidade. E esse é, justamente, o elemento apaixonante dos mercados.
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Em nenhum mercado, cara leitora, essas variações são mais antecipadas, esperadas e celebradas do que nos mercados internacionais de commodities. Veja-se o caso recente do milho, por exemplo. O preço da commodity disparou nos mercados internacionais nos últimos meses, passando dos R$ 100,00 por saca e alcançando uma alta de 96,84% no acumulado dos últimos 12 meses. Os mercados internacionais prezam a qualidade do milho brasileiro e compram a produção antecipadamente. Já o mercado interno, composto em grande parte por pecuaristas que usam o grão na engorda de seus animais, tradicionalmente compra o milho nacional spot, isto é, ao preço do momento, depois de colhido. Fácil perceber que há no momento uma disputa acirrada pelo milho brasileiro entre os compradores externos e os internos. Existem problemas piores neste mundo.
Essas situações são comuns nos mercados internacionais de commodities, cuja prática secular desenvolveu mecanismos tradicionais de renegociação de contratos quando a venda antecipada do produto se mostra demasiado desvantajosa para o produtor. Vale sempre lembrar, cara leitora, que os contratos de compra e venda internacional de commodities são, via de regra, celebrados seguindo o modelo padrão de alguma associação tradicional de comercialização de commodities em Londres, como a Grain and Feed Trade Association (GAFTA) ou a Federation of Oils, Seeds and Fats Association (FOSFA).
<blockquote class="jota-article__eye">Esses contratos-padrão são celebrados com cláusula arbitral e regulados pelo direito inglês, em uma tradição que remonta à Idade Média. São a quintessência da lex mercatoria.</blockquote>
Parafraseando Descartes, não existem métodos difíceis para resolver problemas fáceis. O costume internacional nos mercados de commodities, quando se verificam drásticas variações de preço, é a negociação do chamado “washout” do contrato, que nada mais é do que uma oferta de solução negociada, pela parte que sabe antecipadamente que não entregará o produto físico vendido antes de colhida a safra, para indenizar o comprador e assim encerrar amigavelmente o contrato. Ao contrário do que pensam muitos produtores brasileiros, o washout não é uma cláusula dos contratos-padrão, mas sim uma praxe de oferta de indenização para resilição contratual. É um método simples e rápido de se solucionar o problema, muito utilizado pelas traders no mercado internacional.
A dificuldade de negociação de um washout reside no cálculo do valor a ser ofertado como indenização para o comprador. O mecanismo prevê uma oferta que cubra a diferença entre o preço originalmente acordado e o preço atual no mercado spot, porque, normalmente, o comprador já terá vendido a produção adquirida antecipadamente e terá de comprar a quantidade necessária para entrega no mercado spot, mais caro no momento. Há sempre uma questão de correntes contratuais envolvida. O comprador não é obrigado a aceitar a oferta de washout e, em caso de não haver acordo entre as partes, a questão deverá ser resolvida com a instauração de uma arbitragem em Londres por indenização por perdas e danos decorrente de quebra contratual. É importante ter em mente, cara leitora, que, neste caso, o comprador terá de convencer o tribunal arbitral de que o prejuízo que ele sofreu no mercado era substancialmente superior à quantia da oferta de washout do vendedor. Não existem métodos difíceis para solucionar problemas fáceis.
Uma questão que muito preocupa os produtores neste momento é o do impacto que uma oferta de washout teria no relacionamento entre as partes. Como fica a reputação do vendedor nesses casos? E o dever de boa-fé nas relações contratuais? Muita calma nesta hora, cara leitora. Antes de mais nada, o mecanismo de washout é um costume tradicional nos mercados internacionais de commodities, muito utilizado pelas traders e não há qualquer razão para que uma negociação bem conduzida de resilição amigável do contrato, que não fuja da prática comercial, venha a ter um impacto negativo no relacionamento entre as partes. Negócio é negócio.
Além disso, e mais importante, esses contratos, como dito acima, são regidos pelo direito inglês, no qual não se reconhece a existência de um princípio ou de um dever geral de boa-fé contratual. Não se assuste, cara leitora: há várias razões para isso. Em primeiro lugar, o direito inglês não reconhece noções gerais e abstratas de princípios, operando exclusivamente de forma indutiva, isto é, a partir de precedentes reais concretos. Em segundo lugar, o direito contratual inglês procura garantir máxima efetividade ao bom senso comercial e à liberdade das partes de negociarem livremente, sem correrem o risco de terem a sua conduta nos negócios julgada por padrões morais. Nesse sentido, a Câmara dos Lordes decidiu que não há um dever de boa fé na condução de negociações comerciais no famoso caso de Walford v Miles.<a href="applewebdata://3B68FBD2-D894-4CFB-91DA-7A1E6F2B8265#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
O professor Roger Brownsword assim resumiu as razões para a não existência de um princípio de boa-fé contratual no direito inglês: “o caso contra a adoção de um princípio geral de boa-fé reside no fato de que o direito contratual inglês está baseado na negociação adversarial e egoísta (ao invés de na negociação de boa-fé altruísta); que a boa-fé é uma idéia vaga, que ameaça importar uma discricionariedade incerta para o direito inglês; que a implementação de uma doutrina da boa-fé demandaria investigações difíceis nas razões das partes em casos específicos; que a boa-fé representa um desafio à autonomia das partes contratantes; e, que uma doutrina geral não pode ser adequada quando os contextos de negociação variam enormemente – em particular, retomando a primeira objeção, uma doutrina geral da boa-fé faria pouco sentido naqueles contextos de contratação nos quais os participantes regulam os seus negócios de uma forma que tolera abertamente o oportunismo.”<a href="applewebdata://3B68FBD2-D894-4CFB-91DA-7A1E6F2B8265#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Os mercados internacionais de commodities, precisamente com relação a esse último ponto, são justamente reconhecidos pelo direito inglês como “intrinsecamente competitivos”, não fazendo sentido algum, portanto, imputar alusões a um possível impacto negativo no futuro relacionamento entre as partes por uma oferta de washout.
Comentando um artigo clássico sobre o tema do professor Michael Bridge,<a href="applewebdata://3B68FBD2-D894-4CFB-91DA-7A1E6F2B8265#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> o professor Brownsword assim se refere especificamente aos mercados de commodities: “Bridge segue argumentando que seria totalmente inapropriado introduzir uma doutrina da boa-fé nos mercados de commodities, onde a negociação é intrinsecamente competitiva e onde um comportamento oportunista é esperado. Isso não quer dizer que, mesmo nos mercados de commodities, a boa-fé seja totalmente rejeitada. Entretanto, na medida em que noções de boa-fé sejam aceitas, elas são tomadas dentro dos termos-padrão do comércio e essa, argumenta Bridge, é a melhor forma que o mercado tem para lidar com as novas questões de tratamento justo.”<a href="applewebdata://3B68FBD2-D894-4CFB-91DA-7A1E6F2B8265#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
Em suma, cara leitora, os mercados internacionais de commodities possuem costumes, tradições e práticas específicas, que antecipam esses movimentos, muito comuns, de variações bruscas nos preços. O fundamental é ter sempre presente que os mercados internacionais se pautam por padrões distintos dos praticados em nosso mercado interno e que os produtores brasileiros precisam se adaptar para operar com regras muitas vezes contraintuitivas, especialmente quando elas os beneficiam, como no atual cenário do mercado do milho, por exemplo. Se for mais vantajoso para o seu negócio, cara leitora, negocie um washout de seu contrato internacional e venda seu produto no mercado interno. O direito de buscar o melhor negócio para a sua produção é reconhecido pelas cortes inglesas. Amigos, amigos, negócios à parte.
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<a href="applewebdata://3B68FBD2-D894-4CFB-91DA-7A1E6F2B8265#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Walford v. Miles [1992] 2 AC 128, House of Lords
<a href="applewebdata://3B68FBD2-D894-4CFB-91DA-7A1E6F2B8265#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> BROWNSWORD, R. Contract Law: Themes for the Twenty-First Century. 2ª ed. Oxford: OUP, 2006, p. 120.
<a href="applewebdata://3B68FBD2-D894-4CFB-91DA-7A1E6F2B8265#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> BRIDGE, M. “Does Anglo-Canadian Contract Law Need a Doctrine of Good Faith?”, in Canadian Business Law Journal, vol. 9, 1984.
<a href="applewebdata://3B68FBD2-D894-4CFB-91DA-7A1E6F2B8265#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> BROWNSWORD, R. Ob.Cit.

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JOTA

A liberdade de negociação e a ausência de um princípio de boa-fé contratual no direito inglês

O Washout nos contratos internacionais de commodities

A liberdade de negociação e a ausência de um princípio de boa-fé contratual no direito inglês