Michell Przepiorka

Bruno Palhares Bontempo

Rinaldo Leon Gomes Pereira Braga

Daniel de Paiva Gomes

Não são poucas as polêmicas em torno do voto de qualidade nos tribunais administrativos. Sua extinção no âmbito do contencioso administrativo Federal, mormente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), por meio da Lei nº 13.988/2020, não poderia ser pacífica.
Assim que promulgada, a referida Lei teve contra si propostas quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), quais sejam a ADI nº 6.415, apresentada pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), a ADI nº 6.399, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGFN), e a ADI nº 6.403, de autoria do Partido Socialista Brasileiro (PSB). A quarta, ADI nº 6.402 havia sido ajuizada em duplicidade pela PGFN, tendo sido posteriormente extinta por requerimento da própria entidade autora.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Em 18/06/2021, iniciou-se Julgamento Virtual da ADI nº 6.415, em que foi alegada: (i) violação ao Princípio Democrático e ao Devido Processo Legislativo (art. 1º, caput e parágrafo único; art. 5º, caput e LIV; art. 62, caput e §9º, da Constituição Federal), eis que o dispositivo impugnado resultou de emenda parlamentar apresentada após a emissão de parecer pela Comissão Mista, sem qualquer relação de pertinência com a Medida Provisória nº 899, de 16 de outubro de 2019, que lhe deu origem; (ii) à presunção de legitimidade do ato administrativo, como expressão do Princípio da Legalidade a que se sujeita a Administração Pública (art. 37, caput, da Constituição Federal), ao determinar o encerramento e a resolução do litígio administrativo a favor do contribuinte, em caso de empate no julgamento; e (iii) ao princípio constitucional implícito da prevalência do interesse público sobre o privado, que decorre da emanação da indisponibilidade do tributo e do princípio republicano (art. 1º da Constituição Federal)”.
O relator, Ministro Marco Aurélio, apresentou voto pela procedência da ação, para que fosse reconhecida a inconstitucionalidade formal do artigo 28 da Lei nº 13.988/2020, que inseriu o artigo 19-E na Lei nº 10.522/2002. Segundo o relator, a inconstitucionalidade estaria configurada no abuso do poder de ementa, definido como a inserção, “no âmbito parlamentar, durante a fase de conversão em lei, de dispositivo voltado a disciplinar tema sem relação com a proposição original, (...) a resultar na transgressão aos princípios democrático e do devido processo legislativo”.
Tal prática, explica o Ministro, já teria sido objeto de escrutínio nos autos da ADI nº 5.127, em que o pleno “assentou a impossibilidade de inclusão, em projeto de conversão de Medida Provisória, de emenda com tema diverso do objeto inicial da proposição”. Para o Ministro, ainda, ao se admitir a “modificação do texto original, mediante abuso do poder de emenda, com inclusão de disciplina normativa de tema distinto, tem-se contrariedade ao princípio democrático”.
É de se registrar que, obter dictum, o Ministro não vislumbra inconstitucionalidade material na medida. Ao contrário, afirma ele que “a adoção, no contencioso fiscal, de solução favorável ao contribuinte, em caso de empate na votação, não conflita com a Constituição de 1988. É opção legítima e razoável do legislador, estando em harmonia com o sistema de direitos e garantias fundamentais”.
De outro lado, chama atenção o voto divergente proposto pelo Ministro Barroso, cuja tese proposta é: “É constitucional a extinção do voto de qualidade do Presidente das turmas julgadoras do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), significando o empate decisão favorável ao contribuinte. Nessa hipótese, todavia, poderá a Fazenda Pública ajuizar ação visando a restabelecer o lançamento tributário”.
Chama atenção a dificuldade do Ministro em afastar peremptoriamente a alegada inconstitucionalidade formal, indicando haver dúvida razoável acerca da pertinência temática entre a MP nº 899/2019 e a emenda parlamentar que deu origem ao dispositivo impugnado. Na dúvida, quanto a pertinência ou não, e na possibilidade de repristinar norma cuja constitucionalidade é duvidosa, prefere o Ministro afastar a alegada inconstitucionalidade formal tout court, sem maiores aprofundamentos ou motivação jurídica válida, nos termos do art. 489 do CPC/15.
Ultrapassadas as questões formais, o Ministro Barroso manifesta-se pela constitucionalidade material da referida lei, para em seguida, “vestir o boné” do legislador e abrir as portas da insegurança jurídica e potencial aumento da macrolitigância fiscal. Pois, segundo ele, estabelecida ficção legal em favor do sujeito passivo, restaria demonstrado o interesse de agir da Fazenda Nacional para propositura de via judicial para restabelecer o lançamento tributário.
Note-se que independentemente da posição que se adote em relação à validade ou não do voto de qualidade, a questão como está posta apresenta alto potencial de incremento na macrolitigância fiscal, indo de encontro ao próprio espírito que orientou a Lei nº 13.988/2020, objeto da controvérsia. A saber, permitir que a PGFN concentre esforços noutras causas, litígios ou cobranças, promovendo incremento na arrecadação, a prevenção e a redução de litigiosidade, e ganhos de celeridade, eficiência e economicidade<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. A diminuição de litigiosidade, inclusive, seria o elo de pertinência entre o voto de qualidade e a lei de transação, segundo os defensores da norma, de sorte que a tese, como está posta, acabaria gerando efeito contrário ao que se estava buscando.
Veja-se que, ao filiar-se à referida tese, o Ministro imiscui-se em atividade legislativa. Inclusive, a relação entre a impossibilidade de a Fazenda Nacional acessar ao judiciário e a manutenção do voto de qualidade pelos representantes do fisco foi enfatizada no Projeto de Lei nº 6.064/2016<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Adicione-se, ainda, que a afirmação do Ministro Barroso sobre existir interesse de agir perde de vista a premissa de que a decisão é do Colegiado do Órgão Administrativo, independentemente de ser a favor do fisco ou do contribuinte<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Assim, em nosso entender, não parece se sustentar o alegado “interesse de agir”, sob o argumento de que a decisão fundamenta-se em ficção legal em favor do contribuinte.
<blockquote class="jota-article__eye">Ademais, não se pode perder de vista que o contribuinte pode se abster de ingressar com ação judicial para rediscutir questão decidida no CARF, enquanto a Fazenda Nacional somente poderia deixá-lo mediante dispensa de contestar e recorrer, nos termos da Lei nº 10.522/2002.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a></blockquote>
Outras questões permanecem sem resposta clara, como por exemplo, quais os limites da referida ação? A Procuradoria, nesta ação, poderia imputar responsabilidade tibutária, tornando-se desnecessário o Processo Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade Fiscal – PARR, pela prevalência do judiciário em detrimento ao processo administrativo? Seria aplicável o limite de alçada estabelecido no art. 20 da Lei nº 10.522/2002<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>?
Continuando, cancelado o lançamento no âmbito administrativo, como aplicar-se-iam as regras de prescrição e decadência previstas no Código Tributário Nacional? Deveria a Procuradoria pleitear uma liminar para a manutenção do lançamento enquanto pendente o processo judicial ou poderia a Receita Federal fazer novo lançamento buscando evitar a decadência? Na ausência de liminar estariam os prazos interrompidos?
Quais os limites objetivos da ação? Ela poderia ser apresentada apenas para rediscutir a multa eventualmente reduzida ao patamar de 75% ou só em relação ao principal? Seriam tais limites determinados em conformidade com o disposto no art. 3º da Portaria ME nº 260/2020<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>? Deve o direito de ação ser limitado pela referida Portaria?
Note-se que permitir que a Fazenda Nacional acesse ao judiciário implicaria diversos empecilhos que apenas poderiam ser sanados por meio de lei. Assim, a imposição legal seria necessária tanto para permitir que a Fazenda Nacional acesse ao judiciário, quanto para regulamentar os efeitos decorrentes desta permissão, o que evidencia mais fortemente a invasação à competência legislativa pelo voto divergente do Ministro Barroso.
Conforme já apontamos, a promulgação da Lei nº 13.988/2020, longe de resolver os dilemas relacionados ao voto de qualidade, tem o potencial de multiplicar a litigância fiscal e a insegurança jurídica no ordenamento jurídico. Sem defender um ou outro posicionamento, parece contraditório o posicionamento, de um lado, do poder Executivo quando acena pela busca de melhor relacionamento entre fisco e contribuinte (Programa Confia), mas, de outro, não admite que eventuais dúvidas na conformação do fato gerador possam implicar ausência de tributação.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2019-2022/2019/Exm/Exm-MP-899-19.pdf">http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2019-2022/2019/Exm/Exm-MP-899-19.pdf</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Analisando o processo vide BELLAN, Daniel Vitor. Voto de Qualidade no Carf e o PL nº 6.064/16. Valor Econômico, 12 de junho de 2019. Disponível em <a href="https://www.valor.com.br/legislacao/6302647/voto-de-qualidade-no-carf-e-o-pl-n-606416">https://www.valor.com.br/legislacao/6302647/voto-de-qualidade-no-carf-e-o-pl-n-606416</a>. Acesso em 29/10/2020.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Segundo Hugo de Brito Machado, “a preclusão administrativa e a impossibilidade de impugnação judicial por parte da administração decorrem, em última análise, de uma questão de atribuição de competência. O Poder Público e composto de órgãos, cada um dotado de competência para o exercício de determinadas funções. Quando há decisão administrativa definitiva, tem‑se que foi a Administração, através do órgão competente, que decidiu pela validade, ou invalidade, do ato impugnado pelo contribuinte. Assim, outros órgãos, como Procuradorias de Fazenda, Coordenações de Arrecadação etc., simplesmente não têm competência para rever tal decisão, e o ente público por eles integrado não tem interesse de agir para questionar judicialmente um ato dele próprio” (MACHADO SE GUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário, 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 187).
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> BRANCO, Leonardo Ogassawara de Araújo; Michell PRZEPIORKA. Repercussões práticas do fim do voto de qualidade no CARF. Revista de Direitos Fundamentais e Tributação, nº 4, 2021, p. 140-160. Disponível em <a href="http://www.rdft.com.br/revista/article/view/47">http://www.rdft.com.br/revista/article/view/47</a>.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Atualmente em R$ 20.000,00 por força da Portaria MF nº 130/2012.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Art. 3º A proclamação de resultado do julgamento favorável ao contribuinte nos termos do § 1º do art. 2º: I - aplicar-se-á exclusivamente: a) aos julgamentos ocorridos nas sessões realizadas a partir de 14 de abril de 2020, considerando tratar-se de norma processual; b) em favor do contribuinte, não aproveitando ao responsável tributário; e II - não se aplica ao julgamento: a) de matérias de natureza processual, bem como de conversão do julgamento em diligência; b) de embargos de declaração; e c) das demais espécies de processos de competência do CARF, ressalvada aquela prevista no § 1º do art. 2º. § 1º O disposto na alínea "b" do inciso I do caput não impede a proclamação de resultado do julgamento a favor do responsável solidário, por relação de prejudicialidade, quando exonerado o crédito tributário. § 2º Observar-se-á o disposto no § 1º do art. 2º no julgamento de: I - preliminares ou questões prejudiciais que tenham conteúdo de mérito, tais como:
<ol>
<li>
a) decadência; ou b) ilegitimidade passiva do contribuinte; II - embargos de declaração aos quais atribuídos efeitos infringentes.
</li>
</ol>

declaração MEI

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JOTA

Polêmicas em torno do voto de qualidade nos tribunais administrativos

O voto de qualidade e a macrolitigância fiscal

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