Ronaldo Pinheiro de Queiroz

No último dia 7 de março, o Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">STJ</a>) julgou um processo decorrente da Operação Caixa de Pandora, no qual reconheceu a possibilidade de uma absolvição em processo de improbidade administrativa gerar o trancamento de uma ação penal (RHC 173.448-DF).
O voto do relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, pontua que a jurisprudência do STJ reconhece a autonomia das instâncias penal, cível e administrativa, de modo que a condenação ou a absolvição em uma instância serve apenas como elemento de persuasão na outra, sem vinculá-la.
Porém, o Tribunal da Cidadania começou a superar esse precedente, quando considerou que as instâncias julgam o mesmo fato e, para garantir a unicidade do direito, as consequências jurídicas recaem também sobre o mesmo fato.
Nesse contexto, como o dolo não foi reconhecido no processo de improbidade, seria ilógico reconhece-lo no processo penal.
Constou do Informativo 766 que:
<blockquote class="jota-article__citation">"Nessa linha de intelecção, não é possível que o dolo da conduta em si não esteja demonstrado no juízo cível e se revele no juízo penal, pois se trata do mesmo fato, na medida em que a ausência do requisito subjetivo provado interfere na caracterização da própria tipicidade do delito, mormente se considere a doutrina finalista (que insere o elemento subjetivo no tipo), bem como que os fatos aduzidos na denúncia não admitem uma figura culposa, culminando-se, dessa forma, em atipicidade".</blockquote>
Seguindo essa linha de raciocínio, os ministros da 5ª Turma trancaram a ação penal, em razão do que foi decidido no processo de improbidade.
Temos sinceras dúvidas sobre a correção desse julgado e se ele está harmônico à aludida unicidade do direito, começando pela Constituição da República.
Um dos argumentos centrais do julgado se apega à teoria finalista, a partir da qual o dolo está inserido no tipo, como elemento subjetivo. Acontece que esse argumento é suicida, pois desmonta a própria tese do julgamento. Isso porque o dolo é guiado pela vontade e consciência de realizar o que está descrito na conduta. Desse modo, o tipo da improbidade pode descrever uma conduta (total ou parcialmente) diferente da conduta do tipo criminal, de modo que a caracterização do ilícito e do dolo dependem de elementos e provas diferentes.
Um mesmo fato pode se encaixar em tipos completamente diferentes, alocados em instâncias autônomas. Cada uma com a narrativa específica do tipo e standard de prova próprios. A complexidade do direito pode render resultados diferentes, sem qualquer prejuízo à unicidade e segurança jurídica.
Voltando ao tema da autonomia de instâncias, sabe-se que a legislação e a doutrina somente admitem a interferência da instância penal nas esferas cíveis e administrativa, e não e contrário. Isso porque a instrução penal é a mais exauriente de todas. E não é qualquer resultado do processo criminal que vai trancar as demais instâncias!
As duas únicas hipóteses de interferência da instância penal nas demais instâncias ocorre nos casos de absolvição pela comprovada ausência de autoria ou inexistência do fato (materialidade).
Assim, até a edição da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14230.htm">Lei 14.230/21</a> (reforma da Lei de Improbidade Administrativa), nunca foi possível que a ausência de dolo no processo criminal trancasse uma ação de improbidade. Desconheço precedente do STJ neste sentido.
Como é possível que a improbidade administrativa possa trancar a ação penal, inclusive com outros fundamentos que vão além da negativa de autoria ou materialidade?
Lembrando que a reforma da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-de-improbidade-administrativa">Lei de Improbidade</a> estabeleceu, no art. 21, § 4º, que qualquer absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação de improbidade administrativa, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no Código de Processo Penal.
Contudo, o ministro Alexandre de Moraes, em julgamento cautelar da ADI 7236-DF, suspendeu a eficácia desse dispositivo, vislumbrando uma aparente inconstitucionalidade pela subversão da autonomia de instâncias.
Embora se trata de uma decisão liminar, dependente de confirmação pelo plenário do STF, o fato é que tal dispositivo não pode ser aplicado e a ratio decidendi foi muito clara em suas razões.
Atualmente, portanto, pelo caráter vinculante da decisão cautelar mencionada, todos os juízes, inclusive do STJ, estão proibidos de trancar uma ação de improbidade quando o fundamento da absolvição no processo criminal é a ausência de dolo.
E aqui, para finalizar, fica a seguinte pergunta: será que o processo de improbidade administrativa está tão poderoso ao ponto de operar efeitos de prejudicialidade em outras instâncias, quando o próprio processo criminal está proibido de fazer?
Essa resposta deve ser dada pelo intérprete máximo da Constituição, pois no STJ a questão já foi encaminhada.

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JOTA

Processo de improbidade administrativa é tão poderoso a ponto de operar efeitos de prejudicialidade em outras instâncias?

O trancamento da ação penal pela ação de improbidade, segundo o STJ

Processo de improbidade administrativa é tão poderoso a ponto de operar efeitos de prejudicialidade em outras instâncias?