Grupo de Estudos sobre Política Tributária

No último mês de abril, redigimos um <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-xadrez-e-a-equacao-politica-da-reforma-tributaria-no-brasil-13042023">artigo</a><a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> com a visão geral dos principais desafios em esfera política e jurídica para aprovação da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/reforma-tributaria">reforma tributária</a> no Brasil. Naquele momento, apontamos que não era possível ter uma “clareza em relação à real ‘temperatura’ para aprovação da reforma”. De lá para cá, os trabalhos do GT da Reforma Tributária continuaram e agora se aproximam do prazo final de 90 dias inicialmente estabelecido para o próximo dia 16.
Faltando apenas três semanas para o fim dos trabalhos, dois questionamentos seguem cada vez mais sendo levantados: (1) quando serão apresentados, de fato, um relatório final e texto substitutivo pelo GT?; e (2) há viabilidade política para aprovação da reforma em 2023.
Em <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/aguinaldo-ribeiro-retoma-iva-unico-e-diz-que-relatorio-do-plenario-nao-tem-prazo-26042023">evento realizado no último dia 25 de abril</a>, o relator da proposta de reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apontou expressamente que observará a data de 16 de maio para a entrega do relatório final, texto este que refletirá os trabalhos do GT<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. No entanto, o parlamentar ressaltou que, após apresentação do relatório ao GT, outro texto será apresentado quando o tema for pautado para deliberação pelo plenário da Câmara dos Deputados<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, este sem previsão para apresentação. Tudo indica que o referido texto somente será pautado pelo plenário quando houver convicção clara do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que a força política da base do governo tem os votos necessários para aprovação da medida (308 deputados – art. 60, §2º da CF/88).
Até o momento, não há certeza de que a base aliada possui o número necessário de votos para aprovação da reforma, mas votações relevantes ocorreram na última semana e podem indicar uma possível “temperatura” atual da força política da base aliada ao governo. Escolhemos para análise pelo presente artigo duas medidas de significativo interesse do governo que revelam uma “fotografia” do modus operandi e das alianças entre atores políticos envolvidos: a <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/155580">MP 1147/2022</a> e o <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2256735">PL 2630/2020</a>, o chamado <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pl-das-fake-news">PL das Fake News</a>.
A primeira medida, apresentada ainda no fim da legislatura do presidente Jair Bolsonaro, tinha como objeto original: (i) a alteração da Lei 14.148/2021, a qual instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/podtax/perse-o-polemico-socorro-ao-setor-de-eventos-ouca-o-podtax-14-29032023">Perse</a>), para restringir os benefícios e o seu alcance somente a empresa que sejam diretamente vinculadas ao setor de eventos; e (ii) a redução a 0% das alíquotas das contribuições sociais ao PIS e Cofins sobre as receitas decorrentes da atividade de transporte aéreo de passageiros entre o período de 1º de janeiro de 2023 a 31 de dezembro de 2026.
A relevância da “fotografia” de aprovação dessa norma se relaciona, principalmente, com: (i) a forma pela qual a medida foi aprovada na Câmara dos Deputados; e (ii) a versão final do texto aprovado. Em primeiro lugar, por se tratar de uma MP apresentada na legislatura anterior, o texto teria inicialmente um impacto negativo para arrecadação fiscal da nova administração em 2023 por tratar especificamente de incentivos fiscais setoriais. Todavia, não será exatamente isso o que efetivamente ocorrerá. Isso porque, em termos práticos, o governo fez “limonada” com os “limões” que recebeu. Explicamos.
Considerando que o rito ao qual a MP 1147/2022 está submetida não é alvo do Ato do Presidente do Congresso Nacional 1/2023<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, eis que a medida foi apresentada na legislatura anterior, Arthur Lira seguiu com a nomeação de um relator para a medida no plenário da Câmara. Em um gesto simbólico, Lira nomeou o deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Casa, para a relatoria da MP. Ao apresentar o seu parecer, o relator realizou alterações substanciais no texto da Medida Provisória para incorporar, especialmente, o texto das MPs <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1157.htm">1157/2023</a> e <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1163.htm">1163/2023</a>, que tratam da desoneração no preço dos combustíveis; e o texto da MP <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1159.htm">1159/2023</a>, que trata da exclusão do ICMS destacado na Nota Fiscal para apuração dos créditos das contribuições do PIS e da Cofins.
A justificativa apresentada pelo relator para inclusão das medidas no texto da MP 1147/2022 se relaciona com o fato de que existiria “risco eminente de que as referidas Medidas Provisórias percam sua eficácia num futuro próximo (CF, art. 62, § 3º), já que ambas estão alcançando o limite de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, previstos para sua tramitação”. Em relação ao texto incorporado da MP 1159/2023, ressalta-se que a medida, além de buscar adequar a legislação ao julgamento da “tese do século” (Leading Case RE 574.706) pelo Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>), visa garantir arrecadação adicional de R$ 31,86 bilhões aos cofres públicos em 2023 e R$ 57,9 bilhões em 2024, segundo dados da equipe econômica do governo.
Em termos objetivos, a estratégia legislativa acima utilizada pelo governo, além de “recuperar” as medidas provisórias que iriam ”caducar” em razão do impasse criado pelo rito de tramitação das MPs<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, incorporou texto normativo que contribuirá significativamente para a arrecadação federal nos próximos anos. Isso mostra a experiência e a astúcia de um governo que sabe efetivamente lidar com situações adversas e transformá-las em situações favoráveis. Além disso, mostra um presidente da Câmara resiliente, fortalecido e que faz gestos claros de apoio ao governo. O texto incorporado à MP foi aprovado com 289 votos<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, um número expressivo, mas que ainda não alcança o quórum de 308 deputados previsto no art. 60, §2º da Constituição de 1988 para aprovação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Com a aprovação do texto pelo plenário da Câmara, o <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2263427">substitutivo aprovado</a> será submetido ao Senado para análise.
Além da MP 1147/2022, outro gesto simbólico em que houve sinalização de apoio pelo presidente da Câmara a um projeto de interesse do Poder Executivo foi a aprovação do requerimento de urgência do PL 2630/2020 no dia 25 de abril. A estratégia adotada, com fundamento no artigo 154, II do Regimento Interno da Câmara (RICD), permitiu a aprovação do requerimento por maioria simples<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> ao invés de maioria absoluta de, no mínimo, 257 votos. O requerimento foi aprovado por 238 votos a 192 votos.
Nesse segundo caso, a votação obtida pela base aliada ao governo foi inferior, mas vale mencionar que se trata de um projeto extremamente polêmico e que reflete uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a sua base de apoiadores. A expectativa é que o PL das Fake News seja votado em breve e será uma oportunidade para medir o tamanho da base do governo Lula que apoia a aprovação do projeto.
Além das votações obtidas pelo governo, é necessário observar que o texto final a ser apresentado pelo GT da reforma tributária ainda precisa compor com os setores de serviços e do agronegócio que estão publicamente insatisfeitos com a redação atual. As frentes parlamentares de cada um desses setores possuem o apoio de 208 e 300 deputados, respectivamente.
Diante de todos esses pontos, apesar de não ser possível verificar a real temperatura para aprovação da reforma tributária, nota-se que o “termômetro” ainda não está quente o suficiente no momento atual para votação pelo plenário da Câmara. Vale lembrar que o recesso parlamentar está previsto para iniciar em 17 de julho, indo até 1º de agosto.
Caso o governo queira aprovar a reforma tributária do consumo na Câmara dos Deputados neste primeiro semestre, tem dois meses e meio para conseguir os 308 votos necessários para aprovação de uma PEC. Aguardaremos atentamente pelos futuros desdobramentos da reforma.
Autoria
Alberto Carbonar – Advogado, mestre em direito tributário (LL.M.) pela Georgetown University. MBA em Gestão de Negócios Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Cofundador do Grupo de Estudos sobre Política Tributária (GEPT)
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> CARBONAR, Alberto. “O Xadrez e a equação política da Reforma Tributária no Brasil”. JOTA, GEPT – Grupo de Estudos sobre Política Tributária. Publicado em 13.04.2023. Disponível em: &lt;<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-xadrez-e-a-equacao-politica-da-reforma-tributaria-no-brasil-13042023">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-xadrez-e-a-equacao-politica-da-reforma-tributaria-no-brasil-13042023</a>&gt;. Acesso em: 01.05.2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> GRANER, Fabio; MENGARDO, Barbara. “Aguinaldo Ribeiro retoma IVA único e diz que relatório do plenário não tem prazo”. JOTA. Publicado em 26.04.2023. Disponível em: &lt;https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/aguinaldo-ribeiro-retoma-iva-unico-e-diz-que-relatorio-do-plenario-nao-tem-prazo-26042023&gt;. Acesso em: 01.05.2023.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Idem.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: <a href="https://static.poder360.com.br/2023/03/ato-rodrigo-pacheco-congresso-medidas-provisorias.pdf">https://static.poder360.com.br/2023/03/ato-rodrigo-pacheco-congresso-medidas-provisorias.pdf</a>. Acesso em: 02.05.2023. Nota: o Ato do Presidente do Congresso Nacional nº 1/2023 tem como objetivo reestabelecer o rito de análise das medidas provisórias através da indicação de relator nas comissões. Em termos práticos, por ser medida apresentada na legislatura anterior, a MP n. 1.147/2022 está submetida a tramitação do Ato Conjunto das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal n. 1, de 2020.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Para informações mais detalhadas, recomendamos a leitura dos seguintes artigos: (1) JOTA, “Câmara votará MPs de Bolsonaro, mas impasse permanece sobre as de Lula” – Disponível em: <a href="https://www.jota.info/legislativo/camara-votara-mps-de-bolsonaro-mas-impasse-permanece-sobre-as-de-lula-23032023">https://www.jota.info/legislativo/camara-votara-mps-de-bolsonaro-mas-impasse-permanece-sobre-as-de-lula-23032023</a>. Acesso em: 02.05.2023; (2) Poder360, ”Entenda em 7 pontos o impasse entre Lira e Pacheco” – Disponível em: <a href="https://www.poder360.com.br/governo/entenda-em-7-pontos-o-impasse-entre-lira-e-pacheco/">https://www.poder360.com.br/governo/entenda-em-7-pontos-o-impasse-entre-lira-e-pacheco/</a>. Acesso em: 02.05.2023.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Disponível em: &lt; <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/155580">https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/155580</a>&gt;. Acesso em: 02.05.2023.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Equivalente ao voto de mais de 50% dos deputados presentes em Plenário.

Sessão para eleição dos membros da mesa diretora da Câmara dos Deputados.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Movimentações recentes sinalizam maior organização da base do governo, mas ainda distante dos 308 votos de uma PEC

O termômetro político da reforma tributária

Movimentações recentes sinalizam maior organização da base do governo, mas ainda distante dos 308 votos de uma PEC