Luciana Godoi Lorenti

Rodrigo de Mello Motta

Beatriz Germano

Mirela Politi

O Brasil vem experienciando, cada vez mais, a pulverização do capital das companhias abertas. Diferentemente de outros contextos mundiais, como Reino Unido e Estados Unidos, que já na década de 30 possuíam diversas companhias com capital pulverizado como consequência natural de seu mercado acionário e alto número de investidores, no Brasil a criação de regras objetivando “promover” ou manter a dispersão acionária, a exemplo da criação pela Bolsa de Valores brasileira dos níveis de governança corporativa, contribuiu para o começo desse movimento tão necessário,
Nesse cenário, discussões sobre tipos de bloco de controle de companhias, proteção de acionistas minoritários e eventuais desdobramentos que podem advir de uma alienação de controle são ainda recentes e, por vezes, controversas no Brasil.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Visando proteger o acionista minoritário, em 1976 foi aprovada no Congresso Nacional a emenda nº 26 (“Emenda Lehmann”), que previa a obrigatoriedade da oferta pública para alienação do controle (OPA), depois incorporada à Lei das S/A (Lei nº 6.404/1976) em seu art. 254. A redação original do art. 254 previa o direito de saída conjunta aos minoritários (tag along) pelo mesmo preço pago ao antigo controlador, alienante das ações do bloco de controle.
Estabelecia, ainda, que a alienação do controle da companhia aberta dependeria de prévia autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que deveria zelar para que fosse assegurado tratamento igualitário aos acionistas minoritários, mediante simultânea oferta pública para aquisição de ações.
Em 1997, no contexto de privatizações pelo qual passava o país, foi promulgada a Lei nº 9.457/1997, que revogou o dispositivo 254 da Lei das S.A., além do art. 255 e parágrafos, que previam a aplicação do tag along às companhias com controle estatal, de forma a permitir que todo o sobrepreço decorrente da alienação do controle das companhias privatizadas pudesse ser apropriado pelo Estado, dada a ausência de obrigatoriedade de formulação de OPA por alienação de controle. A proposta favorecia a transferência à iniciativa privada das participações acionárias detidas pelo governo brasileiro em sociedades de economia mista que exerciam atividade econômica.
Somente em 2001 a Lei nº 10.303/2001 reintroduziu o mecanismo do tag along à Lei das S.A mediante a inclusão do artigo 254-A. Tal dispositivo trouxe inovações em relação ao conceito anteriormente previsto na lei, consistente na redução do preço pago aos acionistas minoritários para o percentual de 80% sobre o preço pago por ação integrante do bloco de controle. Com essa nova redação, a alienação, direta ou indireta, de controle da companhia aberta, impõe ao terceiro adquirente a obrigatoriedade de realização de oferta pública para aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas.
Aos acionistas sem direito a voto ou com voto restrito, não há o direito ao tag along, conforme previsto em lei. Contudo, nada impede que o mecanismo seja incluído no Estatuto Social das empresas ou em Acordo de Acionistas em favor dos titulares das ações preferenciais ou com voto restrito (sem direito a voto).
<blockquote class="jota-article__eye">A participação de acionistas no capital votante lhes garante a medida de influência que irão exercer na determinação dos rumos da companhia, gerando o chamado controle interno. A doutrina se encarregou de definir as diferentes espécies de controle que uma companhia pode vir a possuir, a depender do quão pulverizado encontra-se seu capital social.</blockquote>
Neste contexto, o controle exercido dentro de uma companhia pode ser dividido em quatro tipos: (i) controle totalitário, quando a titularidade de ações do acionista ou do bloco corresponde a menos da metade do capital votante; (ii) controle majoritário, quando a titularidade de metade mais uma das ações do capital votante está concentrado na mão de um acionista ou na mão de um único bloco de controle; (iii) controle minoritário, quando a titularidade de ações do acionista ou do bloco corresponde a menos da metade do capital votante; e (iv) controle gerencial, quando o controle interno da companhia está totalmente desligado da titularidade das ações em que se divide o capital social, pela sua extrema dispersão, o que faz com que os administradores assumam o controle empresarial de fato.
Por maiores que sejam os esforços da doutrina em buscar uma definição, a legislação vigente, mostrou-se falha ao deixar de abordar, de forma clara, o que viria a ser a definição de “controle”.
Atualmente, tem-se dois dispositivos legais invocados na tentativa de definir o que é controle, mas que abordam o tema de forma subsidiária e pouco esclarecedora. O primeiro deles seria o §1º do artigo 254-A da Lei das S.A., que trata da alienação do controle, definindo-a como sendo “a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade”. Muito embora o artigo 254-A enumere situações que podem resultar na alienação do controle, não traz uma definição legal e clara de “controle”, propriamente dita. De forma que foi deixado a cargo do intérprete verificar, diante do caso concreto, se houve ou não a alienação de controle acionário.
A expressão “controle” mostra-se controversa, pois pode ser empregada de modo ambíguo, ora referindo-se a poder de controle, que é uma situação de fato, ora a bloco de controle, que significa as ações que, reunidas, permitem o exercício do poder de controle. Ao cuidar da alienação de controle, o art. 254-A abrange esses dois significados.
Já o segundo dispositivo legal que trata, ainda que de forma indireta, sobre controle é o art. 116 da Lei das S.A., que define acionista controlador da seguinte forma:
“Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.”
Depreende-se, portanto, que acionista controlador é aquele que detém a prevalência, em caráter permanente, no órgão máximo da companhia – a Assembleia Geral –, de forma a conseguir exercer seu poder efetivo na direção e administração da empresa. Em uma ordem natural e lógica, se depreenderia que da definição de acionista controlador se origina o que configuraria a transferência do poder de controle.
Neste ponto, no que pese o caráter ambíguo do emprego de “controle”, o art. 116 faz menção apenas ao poder de fato, aquele que não implica necessariamente na posse da maioria das ações com direito a voto.
A relação entre os artigos 254-A e 116 traz inúmeras discussões doutrinárias quando aplicados conjuntamente para se chegar a um entendimento do que viria a ser o controle de uma companhia e de que forma se daria a alienação de tal poder. A discussão se torna mais calorosa quando adentra no âmbito da alienação do controle acionário minoritário de uma companhia – controle que pode ter o poder de fato, mas não possui a maioria do capital votante de uma companhia.
Haja vista a larga discussão e polêmica em torno do controle minoritário, o dissenso doutrinário e jurisprudencial quanto à possibilidade de alienação do controle pelo grupo de acionistas minoritários, desmembramos o seu conceito adiante para reflexão.
No controle minoritário, a titularidade de ações do acionista ou do bloco corresponde a menos da metade do capital votante, mas, mesmo assim, eles são capazes de assegurar a prevalência, de forma reiterada, nas deliberações da companhia, como consequência de circunstâncias fáticas peculiares à companhia – como exemplo a ocorrência de forte absenteísmo dos acionistas controladores ou a alta dispersão acionária. O controle minoritário pode ser exercido, também, por meio de acordo de acionistas, pelo qual os acionistas signatários instituem uma comunhão para, mediante votos convergentes, exercerem o controle societário, de modo a fazer valer seus interesses e opiniões nas deliberações sociais da companhia.
Assim, o bloco de controle minoritário permite a eleição da maioria dos membros da administração, em razão das circunstâncias fáticas atinentes à companhia. De acordo com o art. 116, ficaria, portanto, configurada, no caso da transferência deste poder a um terceiro, a alienação do controle da companhia.
Porém, o artigo 254-A, ao tratar da alienação de controle, faz menção à transferência de ações do bloco de controle – ou demais títulos e direitos que acarretem a titularidade de ações – que implique na alienação de controle acionário da sociedade. Por esta definição, fica dispensável, portanto, o “efetivo exercício do controle” previsto pelo art. 116, não abrindo espaço para a inclusão da alienação do controle pelos acionistas minoritários, que detêm o poder de fato.
A contraposição entre os artigos 116 e 254-A da Lei das SA pode ser entendida em consonância com o defendido por Nelson Eizirik, de que não se pode confundir a titularidade do controle acionário, ou seja: a propriedade de ações representativas de mais da metade do capital votante, com o mero exercício do poder de controle baseado em circunstâncias fáticas decorrente da estrutura acionária da companhia.
Desta forma, estende-se que para esta parte da doutrina seguidora do mesmo pensamento do Eizirik, a transferência de um controle de fato pelos minoritários não configuraria a alienação do controle da companhia, vez que a parte compradora ficaria à mercê de situações fáticas alheias à sua vontade.
Para melhor contextualização, imaginemos uma companhia de capital aberto que tenha aderido ao índice de governança corporativa do Novo Mercado da B3, podendo emitir apenas ações ordinárias (com direito a voto) e com um direito de tag along de 100%.
A companhia em questão possui um bloco de controle minoritário representado por três acionistas, cada um com uma participação de 15% do capital votante – ou seja, juntos, esses minoritários detêm menos da metade do capital votante da companhia. Esses minoritários são também signatários de um acordo de acionistas, pelo qual é estabelecido os seus direitos frente à companhia, incluindo, entre outros, o direito de preferência na compra das ações, no caso da saída de um deles do bloco de controle.
Na hipótese em que um destes acionistas decida se retirar da companhia, vendendo a totalidade de suas ações para um terceiro, sem que o direito de preferência tenha sido exercido pelos demais acionistas do bloco, pode-se entender que as ações adquiridas por este terceiro comprador, sozinhas, não são capazes de garantir o efetivo poder de controle da companhia, podendo caracterizar tão somente uma substituição de acionista, sem alterar o bloco de controle.
Nesse caso, é pouco provável que a operação pudesse configurar alienação do controle, para fins de disparar o tag along previsto no artigo 254-A. A discussão, portanto, sobre a ocorrência ou não de uma alienação de controle quando se tem uma saída do bloco de minoritário de uma companhia merece uma análise fática e casuística do caso, em consonância com a realidade da companhia, que pode ainda vir a prever outros critérios para efetiva configuração da alienação do controle, seja em seu Estatuto Social ou no Acordo de Acionistas.
Diante deste cenário, nota-se a complexidade do mecanismo do tag along e a infinidade de conceitos e desdobramentos decorrentes dele, sendo indispensável que se estabeleça critérios mais objetivos para a sua efetiva aplicação.
Embora o tag along seja um mecanismo de proteção dos acionistas minoritários, quando configurada a alienação onerosa do controle da companhia pela saída de acionista controlador ou de bloco de controle, a lacuna da lei em trazer uma definição clara sobre a sua configuração, junto com a falta de entendimento pacificado, tanto na doutrina quanto na jurisprudência brasileira, gera muitas discussões quanto às circunstâncias que efetivamente configurariam a “alienação de controle” propriamente dita, de forma a dificultar o acionamento do mecanismo garantidor dos direitos legalmente previstos aos acionistas minoritários.
O entendimento dos conceitos acima e a origem das divergências hoje existentes são pano de fundo importante para o entendimento de casos de alienação de ações dentro do bloco de controle que hoje estão em andamento, sem prejuízo da possibilidade de a CVM se manifestar novamente à respeito, de forma a trazer um pouco mais de segurança jurídica a um universo ainda regado de incertezas. O mercado de capitais necessita de definições claras que não abram espaço para inúmeras interpretações a respeito do mesmo dispositivo legal.
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tag along

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JOTA

Bloco de controle, proteção de acionistas minoritários e desdobramentos que podem advir de uma alienação de controle

O tag along e seus desdobramentos

Bloco de controle de companhias, proteção de acionistas minoritários e desdobramentos que podem advir de uma alienação de controle